Geralmente quando levantava, às cinco da manhã, dona Judith já estava varrendo o terreiro.
Ascendo o fogão de lenha, colocando água para ferver, para só então ir escovar os dentes.
No horizonte, o sol nascia aos poucos, iluminando tudo a sua frente com sua cor forte.
Prendo meu cabelo num coque, pegando a bacia com os pratos para lavar.
– Bom dia, Judith – diz Valdirene, nossa vizinha, ao pé da cerca.
– Bom dia.
– Bom dia, Maria – diz me olhando.
Paro de lavar os pratos, agachada em frente a bacia, para olhar para a mulher branca, bem vestida e de pele sedosa.
A pouco tempo havia reformado a casa, segundo ela com ajuda da filha que trabalhava no Rio de Janeiro.
Não era casada, muito menos amigada. Toda semana víamos um homem diferente em sua casa.
– Bom dia, dona Valdirene – digo voltando a lavar os pratos.
– Já conseguiu emprego?
Emprego ali, era como água no meio do sertão.
Difícil.
A maioria das pessoas da cidade mais próxima, queria alguém que trabalhasse de empregada doméstica e que dormisse no emprego.
Não podia dormir no emprego. Minha mãe precisava de mim e o dinheiro não valia a pena.
Sempre queriam pagar o mínimo possível, por bastante trabalho e responsabilidade.
– Ainda não.
– Lidiane disse que estão precisando de uma menina onde ela trabalha. Pensei em você – Ergo novamente o olhar, olhando para ela e depois para minha mãe que para de varrer – Lá ganha bem e você pode ajudar sua mãe.
– O mundo lá fora é perigoso e Maria não conhece o mundo não – Minha mãe argumenta.
– Se sempre pensasse dessa forma, comadre, nunca tinha deixado Lidiane sai de debaixo das minhas asas.
– Lidiane é menina esperta – Minha mãe rebate – Maria ainda não conhece a maldade das pessoas.
– Mainha – digo baixo.
– Tô falando a verdade – Ela me olha – O que você conhece? O máximo que já foi sozinha, foi na cidade aqui perto. Fora isso, nunca saiu daqui – Ela volta a olhar para Valdirene – O melhor a se fazer, é ela tenta arrumar um emprego na cidade – Ela se afasta, entrando em casa.
Lavo mais um prato, deixando de lado.
Era uma boa oportunidade.
Já havia aceitado que não encontraria nada melhor naquele lugar.
– Queria ir – murmuro.
– E não tá errada não – diz Valdirene – Sua mãe que não tá analisando direito. Lidiane lá ganha muito dinheiro. Você viu que reformei minha casa, não foi? – Assinto – Então. Você também pode ganhar dinheiro lá e m****r dinheiro pra cá.
– Minha mãe não vai deixar – Apesar de ter dezoito anos, me sentia com a idade de Maria Júlia.
– Largue a mão de ser besta e converse com ela. Explique que vai ser bom pra vocês duas.
No final das contas, Valdirene tinha razão.
Minha mãe não podia me prender o resto da minha vida.
Haveria uma hora, que iria ter que ir embora que, precisaria seguir com minha vida.
Termino de lavar a louça, entrando com os pratos.
Minha mãe misturava o pó de café a água fervendo.
– Mainha.
– O que foi, Maria? – diz sem me olhar.
– Mainha, deixe eu ir.
Ela me olha pasma.
– Acha mesmo que irei deixar você ir para uma cidade onde não conhece ninguém? Se aventurar?
– Aqui não tem nada pra mim.
– Pode me ajudar na roça.
– Até quando?! – Altero a voz irritada. Não aceitava aquele destino.
– Até quando Deus permitir – Ela rebate no mesmo tom – Você nunca me deu trabalho. Não venha me dar agora.
Deixo a bacia no chão, olhando dentro de seus olhos.
– Vou com sua bênção ou sem.
Sua expressão se torna incrédula.
Sabia que uma das piores palavras a serem ditas, éram àquelas e para minha mãe eram as mais dolorosas, já que nos criará com tanto sacrifício.
– Que vá então. Mas toda vez que se lembrar de mim, ande mais pra frente – diz antes de dar as costas para mim e ir para o quarto.
Parada no meio da cozinha, com apenas o fogão de lenha, me senti dividida. Entre ir e conseguir realizar meus sonhos e ficar, e seguir o que minha mãe queria.
Saio de casa com destino a casa de Valdirene.
– Dona Valdirene – Chamo no portão de palete.
Ela parece na porta da sala.
– Entre – Obedeço – Falou com sua mãe?
– Falei sim.
– Ela deixou?
Engulo em seco assentindo.
– Deixou. Só não tenho dinheiro para pagar a passagem.
Ela sorri, afagando meu ombro.
– Se preocupe com isso não. Arrumo o dinheiro.
– Arruma? – pergunto surpresa, a vendo se mover na sala bem arrumada e cheirosa.
– Tem um ônibus que sai hoje daqui pro Rio. Você vai nele.
– Mais já?
– Pra quê perder tempo? – Ela me olha – Se quiser que outra pessoa tome seu lugar, deixe pra ir depois.
– Não. Não. Não – digo rapidamente, sem querer deixar aquela oportunidade escorrer entre meus dedos.
– Então vá arrumar suas coisas. Não precisa levar muita roupa não, lá eles dão. Pegue seus documentos.
Assinto, deixando a casa correndo.
Pego uma mochila velha em baixo das cama, tirando algumas coisas que havia dentro.
– Onde você vai? – Maria Júlia pergunta, parando de limpar a casa.
Ergo a cabeça sorrindo.
– Vou trabalhar no Rio de Janeiro.
– E a mãe?
– Você ajuda ela. Só é fazer o que eu faço.
– Não sei trabalhar na roça não, Maria – argumenta assustada.
– Você aprendi. Eu aprendi com a idade da Maria Luíza.
Ela balança a cabeça nervosa.
– Não é justo você ir embora e a gente ficar para trás.
Pego poucas peças de roupa, colocando na mala. Não era as melhores, mas serviria até comprar umas boas.
– Não tô deixando vocês não, Maria Júlia. Quero poder ajudar a mãe de outra forma.
– Você quer é se livrar da gente – diz dando as costas.
Por último pego meu RG. Era o único documento que tinha além da certidão de nascimento.
Saio do quarto, parando na porta do quarto de minha mãe, a encontrando arrumando os caçula.
– Mãe – Chamo sem conseguir atrair seu olhar – Valdirene disse que tem um ônibus que vai sair hoje daqui. Vou nele – Ela continua me ignorando – Eu já vou, mãe – digo baixo, numa última tentativa.
Dona Judith não me olha.
Baixo minha cabeça, saindo de casa.
Não me despeço dos meus irmãos.
Odiava despedidas e sabia que se fizesse, perderia a coragem a acabaria ficando e eu não podia ficar.