Eu não acho que eu poderia sobreviver a isso. Realmente não acho. Mas se por um acaso eu sobrevivesse, seria uma parte muito nebulosa da minha vida. Eu já ouvi histórias que pessoas em uma certa idade precisam ter uma parte nebulosa da vida como uma espécie de rito de passagem Quando se é jovem, mora sozinho e vive a vida regada a álcool, bares suspeitos e festas, costuma ser nesse momento da vida em que as lembranças escapam de você, de tudo que se tem são vultos de memórias e nenhuma 100% confiável.No meu caso, não vai ter álcool envolvido na minha história, só uma série de vezes em que eu acabei inconsciente contra a minha vontade e sem precisar usar nenhuma substância. Mais uma vez um momento da minha vida são apenas flashes. Fleches de estar olhando as costas de alguém e sentindo o enjoo crescer cada vez mais enquanto a pessoa me carrega sem nenhum cuidado, e meu corpo balança de um lado para o outro. Fleches de árvores, folhas e terra batida, que eu em alguns momentos vejo
Mas ao contrário do que eu pensava que fosse acontecer. Vejo o lobo se transformar em um rapaz de cabelos loiros. Ele parece cauteloso, e nada feral. Mesmo assim não abaixo a guarda, mas ele me oferece um sorriso gentil e ensolarado. Eu mostro os dentes em um sinal de alerta, o máximo de ameaça que eu consigo transparecer. Ele levanta as mãos como que para mostrar que não é uma ameaça, e começa a se aproximar com cautela. -Tenha calma, eu não vou te machucar. Sua voz também é bem tranquila, e eu começo a abaixar um pouco a guarda. Bom, no caso eu apenas paro de mostrar os meus dentes, mas continuo encolhida na grama. -Você está ferida…deixe-me te ajudar. Eu não me mexo de onde estou a princípio, mas quando ele dá mais um passo na minha direção, eu saio da grama alta e recuo para trás. Ele parece entender o recado e relaxa a postura. -Tudo bem, entendo se estiver com medo. Você parece perdida. Não há outras matilhas aqui por perto e não é comum lobos nessa parte da floresta. C
-Bom, Não duvido do quão terrível deve ter sido o seu dia. Vou deixar você descansar. Se sentir fome ou tiver sede durante a noite, a cozinha é virando o corredor à direita. Pode pegar o que quiser da geladeira. Amanhã faremos alguns exames se não se importar e acho que estará mais disposta para conversarmos sobre sua…situação atual. -Ele passa as mãos pelos cabelos, aparentemente um pouco nervoso. Eu não o culparia se ele estivesse pisando em ovos nesse momento. -Eu estarei a alguns quartos de distância. Qualquer coisa pode me chamar, não se preocupe em incomodar, fico feliz em ajudar no que precisar. Bom…uma boa noite.Ele fala e começa a encostar a porta atrás dele. O som das dobradiças rangendo enquanto ela se fecha me causam uma reação instantânea, e eu me senti na cama com urgência. -Não! -Eu falo, com muito mais entonação do que pretendia e ele para. -Pode…deixar aberta, por favor. Fico sem graça com a forma que me exaltei com isso, mas ele apenas para de fechar a porta e s
Ele realmente deveria estar acostumado com pacientes como eu, pois não força a barra. Ele pede licença por alguns minutos e depois volta com material para retirar sangue. Eu fico em silêncio enquanto ele coloca a agulha longa na veia do meu antebraço e retira uma pequena quantidade de sangue em um tubinho transparente, mas não demora muito até que ele comece a conversar comigo. -Sabe de uma coisa? Já que você está por aqui, acredito que devo te dar um aviso. Ele começa a falar, e parece meio sem graça enquanto isso. Imagino ele facilmente como aqueles extrovertidos que odeiam o silêncio. Para mim, por outro lado, se pudesse escolher estaria em um lugar tão silencioso quanto um cemitério. Mas surpreendentemente não me incomodo com sua tentativa de me distrair.-Estamos tendo alguns problemas por aqui recentemente. Acontece que uma família de guaxinins se mudou para uma árvore muito, muito próxima da mesma, e eles são uns danadinhos. É só um aviso mesmo, há uma chance de você ouvir a
Saio do banho e agora estou presa, fazendo uma das coisas que eu menos tenho feito ultimamente: confrontando minha própria imagem no espelho. Aquela mulher pálida e irreconhecível que me olha de volta. Meu corpo nu com certeza não apresenta sintomas de gravidez, o que, de acordo com Hélio, é uma das consequências da desnutrição. Mas não importa, isso não muda o que está lá, não muda a realidade. Passo a mão na minha barriga, pensando na vida que estou gerando ali. Penso na ideia de ter um filho de Mason e meu corpo volta a gelar com aquela culpa fria e com as lembranças de tudo que aconteceu depois, quando eu deveria estar odiando ele. Eu deveria, mas não consigo. Não consigo odiá-lo. Não importa o quanto a mágoa seja pesada e minhas emoções conflitantes, e principalmente, não posso odiar essa criança dentro de mim. Eu me escolho naquele chão gelado no box, as mãos ainda firmes segurando a barriga. -Não vou te deixar sozinho - Eu sussurro, e meu peito aquece um pouco com a idei
Os dias foram passando, tão monótonos quanto poderiam ser. E era reconfortante esse monotonia. Se eu pudesse escolher passar o resto da vida sem mais grandes altos de baixo e viradas de vida de cabeça para baixo, eu ficaria muito feliz com isso e não reclamaria nem um pouco. Eu não tinha roupas nem nada de valor comigo aqui, mas uma velha senhora me visitou alguns dias atrás para me doar algumas que costumavam ser da sua neta. Ela tinha um tamanho bem próximo do meu e fiquei muito feliz com isso. Fiquei também pois a pesar da minha falta de vontade de conhecer as pessoas daqui, essa moça em específico foi muito gentil e me ofereceu uma conversa bem reconfortante, daquelas que só idosos com muitas histórias para contar tinham a oferecer. Seu nome era Donatela, ela ficou feliz em se convidar para passar na minha casa nova com biscoitos recém assados assim que eu tivesse alta. Foi muito bom ouvir isso e me senti bem com a proposta da companhia. E o dia finalmente chegou. Era apenas eu
POV MASONAndando de um lado para o outro no carpete da sala até o ponto de abrir um buraco, esse é um hábito que eu tenho feito muito, muito mais que o normal e isso já faz um tempo. Mas se eu fosse começar a contar todos os hábitos nada bons que eu estive adquirindo nos últimos tempos, eu não pararia de escrever até a lista batesse do outro lado da sala. Não dormir é um desses novos hábitos, ou dormir muito pouco. Horas de pensamentos inquietantes e constantes que não consigo fazer que parem depois de começarem também estariam nessa lista, e inclusive é exatamente isso que estou fazendo por agora.Passo a mão pela barba que já está em uma altura muito maior do que eu já teria deixado antes, mas uma consequência de tudo isso. A porta é aberta e eu encaro um dos meus homens parado na frente dela, com o rosto como quem já diz que não tem as notícias que eu gostaria de ouvir e sabe o quão péssimo isso vai ser para ele. Ele e todo o resto sabem que não estou tendo um bom dia e isso j
POV MASONEstou em uma das fronteiras. O cansaço me ameaça me consumir como um monstro de sete cabeças com um apetite terrível e insaciável. Já fazem dias que estou em campo, mas isso não me impede de continuar. Na verdade, nem um maldito tempo ruim, esse cansaço ou desastres naturais me impediram do que estou fazendo. Preciso encontrar aquilo que perdi e só mandar pessoas para fazer isso no meu lugar não é mais suficiente. Na verdade, nunca foi. E tem mais uma coisa positiva em estar cansado até os ossos. Meu lobo se sente calmo. Sem energia suficiente ou com muito pouca sobrando, toda aquela raiva descontrolada, todo esse pesar e suas palavras crueis e punitivas, tudo isso é amenizado pela sensação de correr em uma noite como essa. Pela sensação do vento em mim, pela sensação da terra contra as minhas patas.Tudo isso é amenizado, e quanto mais difícil fica, também fica fácil de me auto convencer de que eu mereço isso. Mereço sofrer, mesmo que isso não chegue nem perto de apazigu