Volto a olhar pela janela. A brisa parece zombar de mim, movendo as folhas de uma forma serena e até relaxante, alheia ao fato de que, horas atrás, nosso mundo desmoronou. Bato no batente da janela com a palma da minha mão. Não posso permitir que se rendam agora; devo fazê-los sair de sua apatia.
— O que devo fazer? — repito em voz baixa, mais para mim mesmo do que para eles, enquanto meu olhar se perde nas árvores que cercam a aldeia. Horácio, ainda alterado, se levanta e me acompanha, buscando em mim as respostas desesperadas que ninguém tem, nem mesmo eu. — Não podemos ficar assim, Jacking! Não consigo aceitar que a vida siga seu curso e meus filhotes não estejam aqui! — ruge, batendo na parede com força, uma fissura se estendendo sob seu punho cerrado. — Quero minha esposa e meus filhos comigo. — Calma, Horácio! — peço em tom autoritário, retornando à mesa —. Deixe-me pensar. Teka está certa: essas meninas são nossas metades, nossas almas gêmeas, as marcamos em uma vida e em um tempo. A conexão ainda existe, mesmo que seja em um tempo diferente. Meu beta Amet, derrotado, levanta o olhar de sua cadeira ao me ouvir. Ele parece perdido e desconcertado, como se não pudesse pensar por causa da dor que o atormenta. — Como vamos conseguir isso que você pede, Teka? — pergunta Amet, apertando a testa e tentando buscar uma solução nela. — São meninas. Elas precisarão de tempo para se lembrarem de nós, para nos sentirem. Não acho que o farão. Teka-her suspira profundamente e volta a se sentar. Brinca com algumas imagens de runas entre os dedos e começa a desenhar, com precisão antiga, símbolos que parecem vibrar a cada traço no ar. — Pessoal, parem de ser pessimistas. Não importa que sejam meninas, o poder que os une é mais forte. Elas os amarão desde o momento em que os virem; confiarão em vocês — diz com uma firmeza que nenhum de nós sente. Ao ver como a observamos incrédulos, acrescenta: — Aconteceu comigo com Aha; desde que o vi com três anos, o amei e confiei nele. — Você tem certeza, Teka? Elas vão se apegar a nós? — perguntamos todos ao ouvi-la, esperançosos. Teka-her sorri para si mesma, com uma expressão tranquila e estranhamente carregada de certeza que ninguém aqui parece compartilhar totalmente. Ela continua traçando símbolos no ar, deixando para trás um leve brilho dourado que parece flutuar por alguns segundos antes de se dissipar, como cinzas jogadas ao vento. — Sim, pessoal. Eu garanto — responde com firmeza e um grande sorriso. Ela nos olha com carinho de mãe. — Mas o importante agora é que tomem uma decisão sobre o que vão fazer. As palavras de Teka nos obrigam a refletir. Até Horácio ficou quieto, embora suas mãos batucassem nervosamente em seus joelhos. Primeiro nos olhamos uns aos outros. Somos quatro; desde que nascemos, nunca nos separamos. Lutamos e vivemos todas as coisas juntos. Depois olhamos para Teka, que parece ser a única a pensar com clareza neste momento. Para nós, junto com minha avó, são as mães que estiveram conosco toda a vida, nas boas e nas más. — Por exemplo — reinicia suas palavras ao ver que tem toda a nossa atenção —. Há coisas que podemos evitar que aconteçam a todas as suas mulheres. Não perguntamos; como meus homens, minha mente também está confusa. O peso do que aconteceu se sente como uma montanha sobre meus ombros. Olho para cada um deles, meus irmãos de batalha, minha família. Nunca soube que chegaríamos a um momento como este, onde todas as opções deixariam marcas indeléveis em nossas almas, mas aqui estamos, olhando para Teka, que não se detém e nos encara. — Horácio, você pode ir salvar Juli do vampiro Utukku — diz com firmeza —. Ela disse que, quando fez cinco anos, seu pai a levou para o internato e a deixou, não é assim? Vá e a roube e a traga agora! Ela vai te reconhecer pelo cheiro e virá ao seu lado sem medo. Horácio se levanta de um salto ao se lembrar disso, diante das palavras de Teka. O desespero e a incerteza se refletem em seu olhar, onde uma faísca de resolução nasce nele. As palavras de Teka fazem sentido. Se Julieta foi marcada, então seu vínculo com Horácio transcende o tempo e ela não terá medo dele. Depois se volta para mim com ímpeto: — E você, Jacking, vá para a África impedir que os lobos rogues ataquem sua Luna Isis e a traumatizem; converse com seu pai Amón para que venham viver aqui desde agora. — Imediatamente me endireito, sentindo meu Lobo Mat rugir em concordância com o que a Bruxa Suprema diz. Isso seria ótimo, impedir que nossa Luna passe por tudo que sofreu. Todos a olhamos em silêncio. Sua resolução é inspiradora, um lembrete das conexões que nos tornam fortes e nos dão propósito. Como Alfa Supremo, eu deveria ser o que pensa e resolve, mas me sinto perdido e internamente agradeço a ela por me ajudar. Ela continua nos guiando nos caminhos a seguir. — Amet, vá buscar Antonieta, a roube também. Ela passou a vida sofrendo sozinha. Não deixe que viva e sofra sozinha novamente! Seus pais não a querem — diz com firmeza. O lobo Ammyt de meu beta quase toma o controle, fazendo com que seu humano Amet se endireite com os olhos dourados que me indicam que ele está decidido a ir buscar sua linda metade. Mas Teka não para ao ver que está nos convencendo. — Bennu, você vá para a Romênia ajudar o pai de sua metade, Netfis, o Alfa Amat, a trazer sua matilha aqui — depois me olha e acrescenta —. Mas desde agora vamos uní-la a nós. Acho que vão fazer isso primeiro. Depois, meu Alfa, você salvará sua Luna, e juntos iremos em busca da pequena princesa Merynert, que com certeza ainda está no fundo da pirâmide, dentro do ovo. Uma corrente parecia se firmar, invisível, que nos tornava mais próximos, mais conectados. Todos estávamos processando as palavras de Teka-her de nossa maneira, e embora sua franqueza fosse avassaladora, ninguém a questionava. — É uma boa ideia, Teka — disse pensativo —. Podemos fazer isso, mas… — Meu Alfa, não há mas — me interrompeu Teka, seguindo, aparentemente, o plano que já havia traçado —. Depois recriaremos suas vidas passadas, buscaremos os meninos e os colocaremos para estudar, todos juntos, até que atinjam a maioridade. Vocês se tornarão jovens e irão à escola com eles, se integrarão em seu círculo de amizade. Faremos a conexão desde agora! Todos ficamos olhando para Teka em silêncio. Olho para meus companheiros, mas não consigo tirar da mente meus três lindos filhotes nem a expressão de dor e terror nos olhos de minha Luna e minha irmã. Também não consigo esquecer seus gritos para que as encontrasse novamente. — Teka, você acha que poderemos ter, em dezoito anos, nossos filhotes de volta? — pergunto esperançoso.