CAPÍTULO 01 - CAMILLY

Camilly

Eu nunca entendi o porquê dos meus pais me odiarem tanto, desde pequena, nunca tive nada deles, nem amor, atenção ou algo parecido, tudo que eu recebi de afeto foi da minha babá, que se parecia mais com uma mãe. Hoje estou completando quinze anos, e para variar, os meus pais nem se lembraram. Minha mãe mal fica em casa, vive em salões de beleza ou em clínicas de estéticas, quando não é isso, sempre está em festas. Meu pai vive para o trabalho e para bancar os gastos que tem com a minha mãe. 

Eu nunca pude sair sozinha ou mesmo ir a qualquer festa porque nunca deixaram e com eles não tinha conversa, se eu fizesse qualquer coisa errada, era surra na certa. Minha mãe não tinha dó, eu guardava em meu corpo as marcas, o meu pai nunca ligou, ele sempre fingia que não via, era omisso. Sempre me perguntei por que eles me odiavam tanto.

Se eles não queriam ter tido um filho, por que me colocaram no mundo?

Levanto-me, vou fazer a minha higiene, tomo meu banho, escovo o meu cabelo, coloco o uniforme do colégio, pego a minha mochila e saio do quarto, mas quando chego à sala para tomar o meu café, lá está ela toda arrumada, nem mesmo consegue me olhar nos olhos, antes de se levantar apenas fala:

— Quantas vezes eu tenho que falar para levantar-se mais cedo, depois se atrasa e o motorista tem que sair correndo para levá-la até o colégio.

— Como se a senhora se importasse se algo me acontecesse.

— Não me importo, mas, o motorista tem família, quem vai sustentá-los se ele morrer num acidente por sua causa?

— Não estou atrasada e nunca foi preciso que ele saísse correndo.

— Sente-se e tome seu café e não demore — fala encerrando o assunto.

— Sim senhora.

Ela se levanta da mesa e sai, respiro fundo, não vou chorar, passo por isso desde pequena, já devia estar acostumada, porém, estou cansada dessa vida.

— Bom dia, Camilly!

— Bom dia, Nina!

— Tenho uma surpresa para você, espere que eu vá pegar.

— Não precisa, eu só queria que eles pelo menos uma vez na vida, se lembrassem, mas sei que estou pedindo muito.

— Sabe o que eu penso filha? Que um dia seus pais irão se arrepender por tratá-la dessa maneira, só espero que quando isso acontecer, você ainda sinta amor por eles e que seja capaz de perdoá-los, mas vamos deixar isso para lá, olha, eu comprei um presente, sabe que não tenho muito, mas fiz questão de não deixar essa data passar em branco e as outras funcionárias fizeram um bolo.

— Como a vida é injusta, queria muito que fosse você minha mãe, não preciso de presente, só de amor e carinho.

— Não diga isso, se a Dona Paola, a ouvir, me manda embora.

— Um dia eu vou embora dessa casa e a levarei comigo.

— Eu só quero que você seja feliz, não quero nada, além disso, tenho você como uma filha e a sua felicidade é a minha, tome, abra seu presente, espero que goste.

Peguei a pequena caixa de suas mãos, quando abri tinha um colar com coração pequeno e dentro havia uma foto minha e dela quando eu ainda era um bebê, levantei os meus olhos que agora estão marejados, porque ela sempre lembrava e sempre que podia me dava um presente.

— Obrigada Nina, vou usar e nunca vou tirar.

— Eu gostei tanto dessa foto que mandei colocar nesse colar para que se lembre de que é amada, mesmo que eles a desprezem, eu a amo como minha filha.

 Eu a abracei, ficamos por alguns minutos assim, enxugamos as nossas lágrimas, peguei a minha mochila e segui para a porta, o motorista já estava me esperando, e assim que o cumprimentei, entrei no carro e seguimos para o colégio.

Minha vida continuava a mesma. E assim, passaram-se três anos, terminei meus estudos e consegui passar nos exames para a faculdade. Em casa, nada nunca mudava, eu continuava sendo ninguém para os meus pais, que sempre estavam ausentes, de companhia, tinha os empregados quando estava em casa ou no colégio, onde eu só tinha um amigo, as meninas não gostavam de mim, mas eu não ligava.

Não teve a última aula hoje, por isso cheguei mais cedo, e quando estava subindo as escadas, escutei gritos vindos do escritório do meu pai, minha mãe está histérica, falando e chorando, eu voltei e fui até a porta para poder ouvir o que eles falavam.

— O que vamos fazer agora Carlos, vamos perder tudo, não quero ficar pobre, não aceito isso.

— Você sempre pensou só em você, e quanto a mim, que sempre trabalhei para que saísse por aí gastando tudo, eu quis aumentar o nosso capital, fiz o que muitos empresários fazem, investi, mas infelizmente a bolsa despencou, agora tenho que fechar a empresa e mandar todos os funcionários embora e ainda tenho que arrumar dinheiro para pagar todos eles.

— Tem que haver um jeito de sairmos dessa, fale com seus amigos, peça ajuda, diga que quando estiver bem novamente você paga.

— Você acha que é assim tão fácil! Quem em sã consciência seria louco o bastante para me dar dinheiro? Em que mundo você vive? Muitos deles também perderam o mesmo que eu ou até mais, e quem tem dinheiro não vai querer comprar uma empresa cujo dono colocou tudo a perder.

— Então venda essa empresa e com o dinheiro pague os funcionários, mas não pague tudo, e vamos sumir desse lugar.

— Você ficou maluca! Eu não vou para a cadeia por sua causa, não posso fazer isso com as pessoas que trabalharam por anos na empresa, não posso virar as costas para eles desse jeito.

— Então vamos ficar pobres por causa deles? É isso mesmo que você está me dizendo?

— Venda as suas joias, pare de ficar gastando dinheiro com clínicas e com suas idas em festas e as compras de vestidos que só usa uma única vez.

— Não vou vender nada!

— Então ficará sem nada.

Saí de trás da porta sem fazer barulho algum, subi as escadas e me tranquei no quarto, e agora o que eles irão fazer?

Ainda bem que consegui passar na faculdade Federal, como eu já estava planejando ir embora assim que fizesse os meus 18 anos, agora nada vai me impedir, como eles estão sem dinheiro, com certeza vão me tirar do colégio, só vou sentir falta do meu amigo. Sou tirada dos meus pensamentos quando a porta do meu quarto é aberta por Nina.

— Chegou cedo hoje?

— Sim não tive a última aula e estava ansiosa para chegar, queria te mostrar isso.

— O que é?

— Eu consegui passar na faculdade Federal, vou poder estudar medicina como sempre quis e sumir dessa casa.

— Camilly! Como estou feliz por você, menina, agora quem sabe as coisas mudem não é mesmo, vai contar para os seus pais?

— Não! Daqui a um mês é meu aniversário de 18 anos, atingirei a maior idade e poderei sair dessa casa para nunca mais voltar, eles nem sentirão a minha falta, e mais, agora que estão pobres, não vão se importar comigo, já que nunca se importaram antes, acho até que darão graças a Deus por eu estar indo embora.

— Como assim, pobres?

— Eu os escutei conversado, o meu pai perdeu todo o investimento que fez, terá que vender a empresa e minha mãe estava chorando por perder tudo, em nenhum momento eu os vi falar em meu nome.

— Isso quer dizer que vão me mandar embora juntos com as outras e ficarei sem emprego.

— Nina! Eu não pensei nisso, não vou poder te levar para a faculdade, não sei como será lá, mas, de uma coisa eu tenho certeza, de que se for preciso, vou tentar te ajudar e eu conseguir.

— Não precisa menina, eu consegui juntar um dinheirinho e comprei um cantinho para mim, é pequeno, mas é meu, esses anos de trabalho aqui me deram a chance de tornar o meu sonho em realidade, quanto a outro emprego, tenho experiência e vou conseguir arrumar com certeza, em outro lugar.

— Fico feliz por você, sabe que te amo muito né? Mesmo que a gente se separe por um tempo, eu nunca a esquecerei, e quando eu terminar a faculdade, volto para te buscar para ficar comigo, só espero que tudo que sonho se torne realidade, não quero mais ser podada como sou dentro dessa casa, já estou cansada deles.

— Ah, minha filha, não precisa, eu também a amo muito, não pude ter filhos e você foi à filha que sempre sonhei, se eu pudesse, a levaria comigo para bem longe deles, eles com certeza não merecem ser pais de ninguém.

Continuamos conversando, não desci para jantar, Nina trouxe para mim no quarto, segundo ela, eles jantaram calados, disse que minha mãe não parecia bem, mas, eu não ligava para eles, assim como ele faziam comigo, eu só quero que esse mês passe rápido para ter a minha liberdade.

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