Guadalupe sempre foi uma jovem forte, determinada e jamais se deixou abater pela deficiência visual. Desde cedo, fez questão de ser o mais independente possível dentro de suas limitações. Ela nunca teve o desejo de se casar, pois sempre sonhou em dedicar sua vida a Deus, apesar da vontade dos pais, que, por serem idosos, desejavam que ela tivesse uma família e a proteção de um marido.
Dom Andreas, por outro lado, sempre foi um galanteador incorrigível, conhecido por viver de cama em cama, até ser obrigado a se isolar em uma fazenda. Quando viu Guadalupe pela primeira vez, ficou encantado com sua beleza e com a força que ela demonstrava ao enfrentar a vida. O desejo de possuir essa mulher despertou nele uma obsessão perigosa, levando-o a tomar atitudes cruéis para se casar com ela. Porém, ao se ver apaixonado, ele não conseguiu admitir esse sentimento, nem para si mesmo, nem para Guadalupe, o que causaria sofrimento a ambos.
Puebla, México – 1900
Esther, mãe de Guadalupe, reflete sobre o milagre que foi sua filha:
– Foram tantos anos sonhando com a bênção de sermos pais. Aos 49 anos, Deus me concedeu a dádiva de gerar e dar a Leonel seu filho varão, mas os desígnios do Senhor são inexplicáveis. Tive uma bela menina. Sofri muito no parto, pois meu corpo já não tinha a mesma força de outrora, mas no fim, ela nasceu trazendo esperança para nossa família.
Apesar da alegria, o sofrimento logo veio. Leonel, inicialmente frustrado por não ter um filho homem, rapidamente se apegou à pequena Guadalupe, tão bela, branquinha, de olhos verdes. Porém, quando perceberam que a menina não acompanhava o olhar de seus pais, descobriram que seus lindos olhos não tinham luz.
– Eu chorei por meses, pedindo a Deus um milagre – recorda Esther. – Mas então compreendi que ela já era uma bênção e o maior presente que nosso Pai celestial poderia nos dar.
A família vivia de forma simples, sustentada pela venda de leite, milho e ovos. Quando Guadalupe completou 10 anos, seu padrinho, Saulo, presenteou-a com um potro, que ela chamou de Raio de Sol. O animal desenvolveu um forte laço com a menina, aprendendo a guiá-la por meio de cheiros: cânfora indicava a fazenda de Saulo, e alecrim, a cidade.
– Papai, onde o senhor está? – Perguntou Guadalupe, tateando os móveis.
– Venha, filha, pode vir. Tem que confiar e aprender a ser independente! – Respondeu Leonel, esperando-a de braços abertos.
Guadalupe sempre foi destemida. Apesar de sua condição, nunca se escondeu do mundo ou deixou de brincar com as outras crianças. Os filhos de Saulo, Luíza e Gabriel, eram seus companheiros constantes. Com o tempo, a jovem cresceu, transformando-se numa bela mulher de 17 anos, chamando a atenção de muitos rapazes da região.
Durante uma reunião familiar, Saulo comentou:
– Meu filho não se cansa de elogiar a beleza de Guadalupe. Ele está certo, nossa pequena esmeralda está a cada dia mais linda.
Gabriel, que sempre fora apaixonado por ela, confirmou:
– Não há outra como ela em toda a região.
Esther, mesmo sem querer pressionar a filha, não resistiu:
– Mesmo tão novinha, já dispensou tantos pretendentes que até me preocupo se algum dia irá se unir a alguém.
Guadalupe, já cansada desse tipo de conversa, respondeu irritada:
– A senhora sabe que não quero me casar. Já falamos sobre isso tantas vezes!
Leonel tentou acalmar a filha:
– Sua mãe e eu já estamos velhos. Tem que pensar no futuro. Quem irá te proteger quando não estivermos mais aqui? Quem vai cuidar desse rancho?
– Papai, podemos falar sobre isso em outro momento. Agora, quero apenas celebrar mais um ano de vida.
Saulo, percebendo o desconforto da jovem, sugeriu ao filho:
– Por que não entrega a ela seu presente?
– Posso pegar sua mão? – Perguntou Gabriel.
– Sim – respondeu Guadalupe, um tanto desconfiada.
Gabriel colocou em seu dedo um anel modesto, mas significativo: uma esmeralda que simbolizava o amor que ele nutria por ela desde a infância. Todos ali sabiam da recusa de Guadalupe em relação ao casamento, mas o gesto indicava a esperança de Gabriel de um dia conquistá-la.
– É um anel lindo, filha, e da cor dos seus olhos! – Disse Esther, emocionada.
– Muito obrigada, Gabriel, e padrinho – respondeu Guadalupe, educada. – Sinto muito que Luíza e minha madrinha não tenham vindo. Espero que ela melhore logo.
Após o almoço, Saulo sugeriu:
– Por que não leva Gabriel até a saída, filha?
– Claro, papai – concordou Guadalupe.
Gabriel a acompanhou até a porta, e apesar de saber que todos ali torciam por um romance entre os dois, Guadalupe não se irritava com isso. Era uma situação corriqueira.
– Posso te levar um dia desses para cavalgar perto da cachoeira? – Perguntou Gabriel, esperando um sim.
– Podemos levar Luíza também? Tenho algo para falar com ela – disse Guadalupe.
Apesar do desejo de Gabriel de um encontro mais íntimo, ele concordou:
– Claro, vou convidá-la para ir conosco.
Dias depois, a fazenda dos Riveiro, que ficava entre o rancho de Leonel e a propriedade dos Ferreira, voltaria a ser habitada. O novo morador era Dom Andreas, o herdeiro do falecido comendador. Ele era um homem à frente de seu tempo, gastando fortunas em festas e mulheres, até que uma lesão pulmonar o forçou a se mudar para o campo.
– Um fim de mundo, literalmente! – Resmungou Dom Andreas, ao chegar à fazenda. – Não tem sequer um cassino nessa cidade!
– Seu pai adquiriu toda a riqueza aqui, com essas terras – respondeu Amélia, a fiel empregada da família.
Dom Andreas deu de ombros, mas logo algo chamou sua atenção: ao longe, ele viu Guadalupe cavalgando em seu cavalo Raio de Sol, seus longos cabelos negros esvoaçando ao vento. Ele ficou fascinado.
– Quem é essa joia preciosa? – Perguntou ele a um dos peões.
– Essa é Guadalupe, filha de Leonel. Eles são humildes, mas muito respeitados por aqui.
– Humilde, é? Bom, já vi que há algo aqui que pode trazer o velho Andreas de volta – disse ele, com um sorriso malicioso.
No dia seguinte, Dom Andreas mandou Sebastião, o capataz, até a casa de Leonel com um convite para jantar. Porém, Leonel recusou.
– Diga a esse homem que agradeço, mas não temos interesse em conhecê-lo.
Quando Sebastião voltou com a resposta, Dom Andreas não ficou desapontado. Pelo contrário, o desafio apenas aumentou seu desejo.
– Ele pode não aceitar meu convite, mas encontrarei outra forma de me aproximar de Guadalupe – murmurou Dom Andreas, seus olhos brilhando de malícia.
No dia seguinte, Guadalupe montou em seu cavalo, pronta para mais uma de suas visitas à cidade. Esther, observando-a, comentou:
– Às vezes me impressiono com sua beleza, filha.
– Diz isso porque me ama, mamãe.
– Tenha cuidado, você é uma mulher linda, e o mundo pode ser cruel – advertiu Esther.
– Não se preocupe, mamãe. Quando sinto o vento no rosto, parece que nada me falta.
E com um sorriso, partiu, sem imaginar que Dom Andreas já havia traçado seus planos.