Capítulo 1

Capítulo 1

CUBA – 30 de dezembro de 1958

CAPITÃO GIUSEPPE Ramón Mendez era o segurança particular de Fulgencio Batista Zaldívar há mais de vinte anos, seu braço direito, seu homem de confiança. Participou com ele na Revolta dos Sargentos, e mais de uma vez salvou sua vida durante uma emboscada.  Por sua fidelidade e devoção cega jamais foi esquecido por Batista durante todos aqueles anos em que esteve no auge do comando político do país.

Logo após a Revolta o próprio Batista nomeou-se como comandante das Forças Armadas de Cuba com o posto de Coronel, era inteligente e após manipular diversos presidentes conseguiu ser eleito democraticamente. Concedeu ao seu guarda o posto de capitão por ser o mais fiel de todos os homens que lutara ao seu lado. E em todos estes momentos Giuseppe esteve presente como uma figura austera, quase invisível.

Até que a revolução chegou em Havana, no final de dezembro daquele fatídico ano de 1958, tudo desmoronou.

— Giuseppe – disse Batista segurando com as duas mãos a face do amigo – acredito que as coisas vão mudar feio por aqui.

Señor...

— Não me chame mais dessa forma... estamos no mesmo barco agora, somos iguais. Fugirei amanhã de Cuba, recomendo que faça o mesmo, Fidel não terá compaixão daqueles que trabalharam comigo, está aqui uma pequena gratificação por sua lealdade – e lhe entregou uma maleta com quinhentos mil dólares – acredito que vá conseguir ter uma boa vida em qualquer lugar do mundo... vou te dar um último conselho, esqueça tudo que puder e corra o mais rápido que conseguir, agora pegue sua esposa e vá, boa sorte.

GIUSEPPE ESTAVA PERDIDO em pensamentos. Sabia eles haviam passado por tantas coisas juntos, mas agora era hora de deixar para trás a tudo aquilo.

Sempre fora cauteloso e mantinha sempre um plano de contingência, uma rota alternativa de fuga para qualquer emergência.

Haveria um avião particular esperando que os tiraria da ilha, iriam para a República Dominicana, Venezuela e depois Brasil.

Vou trocar um paraíso por outro...

A fuga ficava a cada minuto mais arriscada e sabia que Havana viraria um inferno em pouco tempo. A situação política estava insustentável, a falta de apoio dos americanos ao golpe de Castro o forçou pedir apoio aos soviéticos, e de acordo com as notícias que chegavam, no lugar em que os soviéticos colocavam as mãos tudo apodrecia, Cuba se tornaria outra Alemanha Oriental, decadente e caótica.

Carmen Mendez estava grávida de oito meses, era uma gravidez inesperada e manteve repouso por quase todo o tempo para garantir que nada desse errado na hora do parto. Havia preparado um jantar de final de ano, quando ouviu seu marido chegar em casa foi direto para o minibar preparar sua bebida.

Giuseppe parou na porta e contemplou a mulher por alguns momentos e toda decoração da sala, o jantar das festas ia ter que ser adiado e transferido.

— Precisamos ir embora agora mesmo, querida.

— Mas querido, nosso bebê...

— Não terá nosso bebê, nem eu e nem você se formos pegos por Castro, Havana está prestes a ser tomada.

Carmen o abraçou, passou a mão carinhosamente pela sua face e sussurrou:

— Estarei com você onde quer que esteja...

— Nós estaremos muito longe daqui, se Deus assim permitir.

Giuseppe sorriu, era o único momento naquele dia que teve alguma esperança real, se lembrou em como havia conhecido sua bela Carmenzita.

GIUSEPPE MENDEZ era bastante comum, de estatura mediana, impunha respeito pelos traços duros em sua expressão, não sorria nem fazia nenhum tipo de brincadeira com subordinados. Alguns diziam que nunca demonstrava qualquer emoção ou arrependimento, nem mesmo quando tirava a vida de outro homem.

Como a maioria dos filhos bastardos de diplomatas acabavam seguindo a carreira militar por indicação dos pais, e por mais que o seu fosse um pai razoavelmente presente, ainda era pai de diversas outras crianças e sua mãe sempre dizia para ele se alegrar por ser filho de quem era.

Desta forma entrou no exército, durante um treinamento malsucedido acabou se ferindo, estavam simulando o ataque de inimigos numa fronteira e acabou levando um tiro, estava sempre só e ninguém tinha visto que ele estava caído. Conseguiu fazer um torniquete para impedir que todo sangue esvaísse de seu corpo e depois de três horas agonizando, uma garota que estava passando chamou por ajuda.

Foi levado para o pequeno vilarejo de Jaimanitas, era o mais próximo com algum atendimento médico, ainda assim não passava de um amontoado de casas. Fizeram uma cirurgia de emergência para tentar impedir a amputação do membro mutilado, no auge da febre e dor, não conseguia recordar com clareza de muita coisa, mas sentia a presença da garota, ela o salvou.

Quando Giuseppe acordou, sentia a boca seca e uma dor que quase o fez desmaiar, virou a cabeça devagar para chamar alguém e viu em uma poltrona surrada ao lado de sua cama que não tinha sonhado era real, ali estava dormindo tranquilamente o anjo enviado para resgatá-lo.

Onde será que estou? – Não conseguia alinhar seus pensamentos.

Tentou reunir toda força que ainda restava e levantar, a dor foi quase insuportável, deitou de novo e ficou imóvel esperando a vertigem passar, porém o murmúrio abafado acordou a garota.

— Me desculpe – disse ele, não queria incomodar seu sono, ela parecia em paz com os olhos fechados e a respiração tranquila.

— Fico feliz que esteja vivo, o pior já passou o médico vai voltar para te examinar mais tarde – o anjo respondeu com uma voz doce e agradável.

— Eu não tenho tanta certeza que estou vivo, por que você me parece bastante com um anjo e desconfio que estou no paraíso.

— Qual é o seu nome?

— Carmen.

— Um belo nome para uma bela garota.

Casaram-se dois meses depois e se mudaram para Havana, em pouco tempo a primeira das diversas revoluções aconteceria.

Carmem era uma lutadora nata, mas tinha um espírito estrategista e esperava sempre o momento certo para agir, quando recebeu a notícia mais devastadora de sua vida sentiu que não desistiria facilmente do seu maior desejo. 

   — Você não poder ter filhos, sinto muito, senhora Mendez.

Giuseppe enterrara a vontade de ser pai o mais fundo que pode e fez o que sabia fazer, mergulhou de cabeça nas diversas revoluções que seu país sofrera ao longo daqueles vinte e cinco anos.

Mas foi então que um milagre aconteceu na vida deles, depois de mais de vinte anos de casamento, Carmen descobriu-se grávida, um milagre concebido em segredo entre ela e Deus.

Giuseppe ajoelhou-se diante de sua amada Carmen, abraçou-a pela cintura e beijou a sua barriga.

— Minha Carmenzita, isto é um milagre.

— É o nosso milagre, Ramón.

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