A perua rodava pela estrada com destino a Campo Grande. Ramon havia determinado que as paradas seriam apenas em extrema necessidade. Carlos estava no volante enquanto Ramon e Henrick, no banco traseiro, tentavam repousar um pouco.
A rodovia, de uma única pista, estava praticamente vazia. Somente um ou outro caminhão transitava nela. Carlos desenvolvia boa velocidade, pois era preciso ganhar tempo. Para o mês de julho a temperatura estava agradável, apesar do ar estar bastante seco. O acostamento era ruim e a poeira, depositada pela falta de chuva, oferecia grande perigo caso fosse preciso uma saída estratégica. E era exatamente nisso que Carlos pensava quando reparou no retrovisor um Comodoro prata que desenvolvia a mesma velocidade.
Ficou intrigado e, sem fazer comentários a respeito, afundou o pé no acelerador na tentativa de aumentar a distância.
— Hei! Vai com calma, Carlão! falou Willdson em meio a um cochilo.
Carlos não disse nada. Nenhuma palavra. Aliviou um pouco o pé e acompanhou no retrovisor o Comodoro. Esperava a ultrapassagem a qualquer momento. No entanto, ao contrário do que Carlos imaginara, o Comodoro reduziu também.
— Will, disse Carlos sem tirar os olhos do retrovisor, por que alguém estaria nos seguindo?
Willdson, num sobressalto, virou-se no banco para olhar a estrada pelo vidro traseiro. Fez a constatação. “Talvez Carlos estivesse equivocado, pensou. Mas e se não estivesse?”
Manteve o pensamento por alguns minutos antes de dar sua opinião. De qualquer forma, de uma coisa ele tinha certeza: pelas informações que a imprensa tinha divulgado quatro anos antes sobre possíveis descobertas de ruínas Incas na região Centro-oeste do Brasil, muita gente poderia estar interessada em segui-los. Mesmo assim era intrigante. O que o público sabia era que expedições arqueológicas haviam sido enviadas para o interior do Brasil e que poucas coisas haviam sido descobertas. O mais eram suposições. Quanto ao desaparecimento da equipe do Projeto INCA, só a CIFEC e os homens de elite do Coronel Krismmel é que sabiam.
— Há quanto tempo você percebeu isso?
— Acho que tem uns dez minutos.
— Você não viu de onde eles saíram?
— Bem! Fazendo uma retrospectiva, nós paramos para reabastecer há uns vinte minutos e eu não percebi nada estranho.
Henrick havia acordado e, apreensivo, acompanhava o diálogo entre os dois. Virou-se para poder olhar também e com o joelho bateu na perna de Ramon.
— Puxa! Acho que peguei no sono! exclamou Ramon enquanto se ajeitava no banco. Tudo em ordem? completou, como se tivesse pressentido o problema.
— Talvez ele esteja enganado, disse Willdson apontando Carlos com a cabeça. Mas ele acha que estamos sendo seguidos.
Ramon não pensou duas vezes. Colocou a mão debaixo do banco dianteiro e pegou a automática. Checou o pente e colocou-a na cintura. Willdson seguiu seu exemplo. Ele sabia que Ramon costumava pensar rápido e era desnecessário perguntar.
— E aí, San? O que é que está acontecendo?
Willdson relatou em rápidas palavras a sua recente conversa com Carlos. Henrick demonstrou impaciência. As pessoas quietas normalmente são mais observadoras. Não se conteve e falou com aflição na voz.
— Eu vi esse carro, Ramon. Quando paramos no posto, eu desci para ir ao banheiro, lembra-se? Então, continuou sem ao menos respirar, ele estava parado fora do local de estacionamento. E isso me chamou a atenção.
Ramon olhou novamente para trás antes de dizer mais alguma coisa. Pensou um pouco e pediu para Henrick trocar de lado com ele.
— Deixe-me ficar atrás do motorista. Enquanto trocava de lugar continuou: ― San, ajeita o retrovisor lateral. E com um leve sorriso completou, ou você vai ter um torcicolo.
Em seguida, com a mesma calma que se dirigira ao amigo, falou para Carlos sem alterar o semblante:
— Carlão, o passeio acabou. Agora é por sua conta.
Carlos não pensou duas vezes. Pressionou o acelerador tentando aumentar a distância do perseguidor.
A reação foi imediata. O Comodoro aumentou também a velocidade e começou a ganhar terreno confirmando suas suspeitas.
A estrada, que até então era uma reta só, começou a apresentar curva após curva. O mato era alto, tapando por completo a visão. O Comodoro se aproximava rapidamente. Estava agora a menos de cem metros.
Willdson, como um autêntico navegador, tentava orientar Carlos, desnecessariamente, pois o piloto sabia muito bem o que estava fazendo.
Já passava das seis da tarde e o lusco-fusco, prenunciando a noite, exigia reflexos mais apurados do condutor.
— Todos a postos! gritou Ramon. Eles vão emparelhar!...
As armas em punho estavam preparadas para o pior. Carlos desenvolvia o máximo de suas habilidades, mas a viatura não tinha a mesma potência do perseguidor e, além disso, estava carregada.
— Cuidado, Carlão! Tem alguma coisa lá na frente! exclamou Willdson.
A visão estava turva em função da noite que se aproximava, mas Carlos mantinha os olhos fixos na estrada.
— Tem alguém na estrada, cara! Parece um acidente! continuou Willdson.
— Tá muito em cima, não dá pra parar! respondeu Carlos, firme no volante.
Num reflexo, cutucou o freio, reduziu a marcha e puxou pra esquerda. Tudo aconteceu numa fração de segundos. Ouviu-se um barulho de lata batendo em lata, e pneus cantando no asfalto. O Comodoro estava lado a lado. O vulto que estava na estrada, e aparentemente ensanguentado, correu pra trás de um Monza, cuja parte dianteira estava enfiada mato adentro.
Carlos pisou no freio com toda a força de seu pé, controlando o volante para evitar a derrapagem. Os pneus travaram fazendo barulho e fumaça. O Comodoro passou à frente, pois seu motorista não esperava esse tipo de atitude. Perdeu o controle, derrapou e capotou duas vezes, sem sair da pista, caindo em pé. Carlos tentou, nessa fração de segundo, controlar o carro sem sucesso. Atravessou a pista e viu o mato devorando a viatura que ficou presa num buraco.
— Fora do carro! gritou Ramon ainda meio zonzo pela cabeçada que dera na coluna lateral do carro.
Willdson soltou o cinto de segurança e, de arma em punho, correu à beira da pista para garantir a cobertura dos demais. Carlos também foi rápido na ação e buscou a cobertura alguns metros mais acima. Ramon, ao ver a rapidez dos companheiros, tranquilizou-se e procurou saber se estava tudo bem com Henrick, que assentiu positivamente, enquanto saía do carro. Ramon, rapidamente, correu também para a beira da pista.
Ao lado do amigo, teve tempo de ver o falso acidentado entrando no Comodoro que, mesmo amassado pela capotagem, arrancou em velocidade, desaparecendo no horizonte da estrada.
Por alguns segundos, ninguém disse uma palavra. Apenas entreolharam-se. Depois, como era de se esperar do novato da turma, Henrick fez a derradeira pergunta:
— E agora? O que é que a gente vai fazer?
Ramon só balançou a cabeça deixando claro que estava pensando.
Willdson pegou um cigarro, ofereceu outro para Ramon, e na sua expressão bastante comum, fazendo analogia à palavra comemorar, exclamou em meio a um longo suspiro:
— “Fumemoremos”!