Jéssica e Hugo permaneceram sentados no sofá da sala, olhando um para o outro em silêncio. O som ambiente, a taça de vinho, os pijamas confortáveis de praxe não conseguiram amainar os nervos culpados.
O jantar ficara marcado pelo silêncio das crianças – o garfo de Caio mal se movia entre as batatas, e o rosto emburrado de Maria deixava clara a tensão no ar.Cada vez que os olhos de Breno se encontravam com os de Jéssica e Hugo, havia ali um lampejo de raiva contida, de questionamento silencioso.— Eles não disseram quase nada no jantar — Hugo sussurrou, rompendo finalmente o silêncio, a voz grave com o cansaço. — E aqueles olhares… Parecia que nos culpavam por alguma coisa.Jéssica pousou uma mão no braço de Hugo, num gesto terno que mal cabia dentro das cinco palavras que lhe escaparam:
— Eu sei. — Ela dei— O que você pensa que está fazendo, Leonardo?Do outro lado, o silêncio foi curto.— Eu só queria saber como ele está... Por que você está atendendo o telefone do meu filho? — Leonardo respondeu, com uma ponta de hesitação.— Seu filho? Quem te autorizou a dar um celular para uma criança? Aliás, quem te autorizou a ficar perto do meu filho? — Jéssica não ia disfarçar a irritação.— Jéssica, eu não preciso de autorização para ficar perto do meu filho. E tenho todo o direito de dar um presente a ele. Qual o problema?— O problema, Leonardo, é que existem limites para presentes. O Breno é uma criança de seis anos! Não tem autorização para ter um celular. Eu tive que tomar o aparelho dele. Só esse o problema.
Leonardo largou a guitarra no suporte e desceu do palco, sentindo o suor escorrer pelo rosto e a garganta arranhada pela entrega.O show havia sido um sucesso estrondoso; a multidão ainda gritava seu nome lá fora, mas, por dentro, ele carregava um vazio que nem toda aquela energia conseguia preencher.No backstage, as palmas ainda ecoavam quando algumas crianças, segurando bloquinhos e canetas, se aproximaram, tímidas. Nick sorriu, incentivando-as a chegar mais perto.— Olha só quem veio pedir autógrafo, Leo — disse ele, piscando para o amigo. Leonardo sorriu, cansado, e se agachou para assinar os papéis. Seu sorriso era gentil, mas seu coração doía.Queria muito que o filho estivesse ali.Uma menininha de olhos castanhos o abraçou apertado, e ele quase perdeu o equilíbrio.— Obrigado, mocinha — ele disse, tocando delicadamente o cabelinho dela. Clara, que vinha logo atrás, cruzou os braços e fez uma careta de desag
Leonardo encarava Clara, com as emoções fervendo. Como ela tinha coragem de tomar uma decisão dessas sem falar com ele?Clara estava sentada no sofá, calculando mentalmente como convencer o marido, mas agia como se o mundo estivesse perfeitamente em ordem.— Precisamos conversar — disse, sem rodeios, fazendo um sinal para dispensar a equipe. — Já falei com a Amanda. Assim que voltarmos, vamos direto para São Paulo. A casa já está organizada.Leonardo franziu a testa.— Como assim? Eu não falei que queria voltar para São Paulo.Clara suspirou, como quem fala com uma criança teimosa.— Léo, a temporada em Campinas não fez bem para a gente. Desde que fomos para lá, tudo virou uma confusão. Processos, fofocas, uma possível exposição desnecessária... Eu só quero recuperar a paz
Leonardo sentia o ar mais leve desde a discussão com Clara. Pela primeira vez em anos, não havia nada a perder em sua decisão — apenas a convicção de que precisava mudar de rumo.A conversa tensa, os olhos dela faiscando de ódio, as palavras cortantes... tudo ainda ecoava em sua mente. Mas ele não voltaria atrás.Na manhã seguinte, convocou uma reunião emergencial com a equipe da turnê.— Quero encerrar mais cedo — sua voz era firme, o olhar decidido. — Tenho algo importante em Campinas daqui a algumas semanas, e não vou chegar em cima da hora. Quero estar lá com tempo, quero estar inteiro.Ninguém ousou questionar. Mas sabiam que Clara reagiria.Ela apareceu minutos depois, os saltos ecoando como uma marcha de guerra pelo corredor. Entrou sem bater, os olhos vermelhos, porém frios.— Desculpem o atraso. Qual &e
Jéssica estava concentrada, preenchendo o sistema com as informações dos pacientes, quando foi surpreendida pela voz suave de Jonathan atrás dela.— Trabalhando muito, doutora?Ela se virou com um sorriso cansado.— Sempre. Mas hoje o sistema resolveu colaborar, então estou adiantando tudo antes que mude de ideia.Jonathan se sentou em uma das cadeiras ao lado, deixando o crachá pendurado no pescoço balançar levemente.— E em casa, como estão as coisas? Faz tempo que não vejo os pequenos.Jéssica suspirou fundo, sem conseguir disfarçar o cansaço emocional.— Complicadas. Desde que o Leonardo apareceu, a dinâmica da casa mudou muito. Ele semeou tanta discórdia que as crianças se sentem o tempo todo injustiçadas... Ninguém fala, mas fica evidente que é isso que todo mun
Jéssica acordou às 5h40 com um barulho alto vindo da cozinha. Garantiu que Breno continuasse dormindo e foi ver o que estava acontecendo. Já podia prever a situação: Leonardo tinha chegado bêbado novamente. Essa situação se tornou frequente desde que se casaram.— Bom dia. — disse ela, chegando na cozinha para confirmar seu palpite. O marido estava caindo de bêbado. Mal se aguentava em pé. Tentava pegar um copo d’água, mas, apoiado na porta da geladeira, balançava muito e quase derrubou tudo o que tinha lá dentro. Um barulho que certamente acordaria o bebê.— Para com isso! — ela o sentou na cadeira e pegou a água para servi-lo, a fim de evitar o pior.— Meu anjo, Jéssica... — ele falava com a voz embargada pelo álcool. Não dava para saber se estava elogiando ou debochando da esposa. Ela o servia em partes para evitar o escândalo e, em parte, porque realmente acreditava que esse era o dever de uma boa esposa.— Qual é o problema com esse seu trabalho? Você é o único da banda que chega
Do outro lado da cidade, Hugo e Clara estavam discutindo sobre a campanha que Clara estrelaria. O sonho dela de se tornar uma influencer famosa parecia finalmente estar dando os frutos desejados.— Não podemos colocar cerveja numa campanha de carros, Clara!. O cliente já especificou o que gostaria que tivesse no comercial. — Hugo estava exausto nesse momento. Estava há horas tentando convencer a esposa a fazer exatamente o que o cliente queria, e não havia nenhum sinal de que ela tivesse entendido o que precisava.— Uma campanha com amigas se divertindo vai parecer muito mais legal. E vai atrair os jovens. As amigas, com roupas bem sensuais, bebendo muito... — Ela divagava, como se não estivesse falando nenhum absurdo. O problema é que o principal posicionamento das redes dela era a família. Mudar assim não fazia sentido para ninguém.— Clara, é um carro para família! Não tem nada de sensual nessa campanha! Você pelo menos leu o briefing? — Hugo parecia um pouco exasperado. Clara tem
Leonardo olha a notificação no celular com expressão neutra. Manter Clara por perto tem suas vantagens e desvantagens. Ele observa o vestido que tem nas mãos com atenção, lembrando das curvas de sua esposa. Precisa agradar a Jéssica hoje.Sabe que passou do limite, pois a vizinha veio reclamar da barulheira de bêbado que ele fez. Foi muito gentil com a vizinha, pediu um milhão de desculpas e prometeu que nunca mais iria acontecer.Não é que ele sinta arrependimento pelas suas ações. Acontece que precisa criar uma boa imagem pública, pois será uma estrela do rock algum dia. Leonardo jamais deixa qualquer coisa ao acaso. Sempre faz tudo projetando o futuro que deseja para si mesmo.Conferiu todo o cenário que montou para esposa. Se tinha flores o suficiente, se os doces estavam bem atrativos, se o cheiro traria boas lembranças. Precisava seduzir para ter o que queria. O perdão da esposa. Pediu pra mãe ficar com Breno durante a noite. Queria que a surpresa fosse completa e planejou leva