Narrado por Isabella Sullivan
Acaba de amanhecer e já me levantei da cama. Eu não consigo dormir porque estou muito ansiosa, afinal, hoje é um dia muito importante para mim. É que hoje eu irei marcar a data do meu casamento com o homem da minha vida, Danny. Me sinto tão feliz. Além disso, hoje também é uma data muito especial porque é meu aniversário de vinte e um anos.
Danny e eu estamos juntos há quatro anos. Ele foi meu primeiro e único namorado. Eu sempre fui muito tímida na escola e quase não tenho amigos, a não ser meus amigos virtuais como Allison, uma grande amiga minha que mora em Astoria. Ela é quase como minha confidente. Levantei, fui até o banheiro e tomei um banho demorado. Em seguida, voltei para o meu quarto, sentei na cama e peguei meu notebook. Allison já está online e me mandou a primeira mensagem do dia, me enviando um feliz aniversário.
Essa maluca parece que nunca dorme pois está sempre online nas redes sociais postando stories e fotos de diversos momentos de sua vida. E quando não está online, é porque está com Dennis, seu novo affair. Respirei fundo e respondi a doce mensagem de Allison, agradecendo pelas felicitações e avisando que pretendo marcar a data do casamento hoje mesmo, como se fosse um presente. Allison respondeu que eu tinha esquecido de um pequeno grande detalhe; avisar o noivo.
Sim, Daniel ainda não sabe que vamos marcar o casamento hoje, mas é meu aniversário e eu não acho que ele teria a coragem de me negar um presente como esse. Ao longo da conversa online, Allison comentou comigo mais uma vez sobre seu irmão mais velho. Ela disse que ele tem depressão, na verdade ela sempre anda preocupada com ele. Segundo ela, tudo começou depois da morte de sua cunhada. Parece que o tal irmão dela sente algum tipo de culpa em relação a isso e está sempre no fundo do poço. Apesar de não conhecê-lo, sinto pena dele e espero que algum dia, ele encontra algum tipo de paz interior.
Recomendei que ela pedisse para que ele tivesse alguma consulta com um psicólogo ou psiquiatra, mas parece que ele não aceita a ideia de jeito nenhum. Pelo jeito, esse irmão da Allison é todo problemático. Pelo que me lembro, tem mais de um ano que ele está nessa tristeza. Ele devia amar muito a esposa dele e provavelmente, era um ótimo marido para ela.
Depois de conversar com Allison, fechei o notebook e suspirei. Em seguida, me levantei e fui até o banheiro. Tirei minha roupa e abri o chuveiro. Deixei que a água quente caísse por todo o meu corpo. Eu preciso relaxar um pouco porque essa história de casamento está me deixando agitada. Terminei o banho e coloquei meu roupão. Fui até a cozinha e abri a geladeira. Depois, comi um pedaço de pão com geléia, acompanhado de um bom café pra me deixar acordada. Eu estava na pia lavando a louça, quando senti uma mão apertando minha cintura. Meu corpo inteiro gelou e me afastei.
— Você está louco? — perguntei fechando a cara ao ver que meu padrasto estava dando em cima de mim. De novo.
— Calma, Bella. Eu só ia te desejar feliz aniversário. — ele justificou cinicamente com aquele sorriso hipócrita que sempre mantinha no rosto. Desgraçado.
Caio é meu padrasto e o quarto marido da minha mãe. Sim, ela já se casou várias vezes e está com esse homem asqueroso há sete meses. Desde que ele veio pra cá, minha vida se tornou um verdadeiro inferno. Odeio o jeito que ele me olha. Chego a sentir nojo, mas nunca comentei isso com ninguém, nem com meu pai.
Na verdade, eu não tenho muito contato com meu pai. Ele pagou uma pensão para mim por vários anos, mas sempre me visitou muito pouco. A única coisa que sei sobre ele é que é chefe de polícia de alguma cidade do interior. Como ele nunca me deu tanta atenção, também decidi manter uma distância emocional dele e acho que ele também preferiu assim.
— Para você é Isabella. — respondi de maneira seca, me virando e voltando minha atenção a louça suja.
— Não precisa ser grossa, gata. Bem, agora vou trabalhar. Nos vemos mais tarde. Não sinta saudades, querida. Logo estarei de volta. — ele disse irônico. Revirei os olhos ao ouvir isso, mas não o respondi. Preferi apenas ignora-lo. Caio não vai conseguir estragar meu dia de jeito nenhum.
Após terminar a louça, fui me arrumar. Passei um hidratante com óleo de amêndoas por todo o corpo e vesti uma calça jeans, tênis, jaqueta preta e blusa da mesma cor, deixando meus cabelos soltos, como sempre uso no dia a dia. Passei apenas um protetor labial, pois não sou muito fã de maquiagem. Gosto de ser o mais natural e prática possível com meu estilo.
Depois de vestida, peguei minha bolsa, celular e saí de casa. É por causa do meu padrasto que não gosto dessa casa. Não vejo a hora de me casar com o Daniel para ir morar com ele e ficar longe desse sem vergonha. Não trabalho ainda porque depois que terminei a escola, foquei somente no meu relacionamento com Daniel. Sei que isso é errado e que deveria ter minha própria independência, mas eu sou tão focada no meu relacionamento com Daniel que não consigo pensar em mais nada. Porém, depois do casamento pretendo cursar biologia antes de termos nossos primeiro filho.
Peguei um táxi em direção a faculdade do meu futuro noivo, que estuda administração de empresas. Esse curso não é muito a praia dele, mas o pai dele praticamente o forçou a escolher esse curso para cuidar da pequena empresa da família e ele acabou aceitando. Ao chegar lá, fui direto para a sala dele, mas a última aula já tinha acabado. Perguntei para os colegas de sala dele e eles disseram que ele estava na biblioteca com uma amiga. Amiga.
Daniel é um dos homens mais desejados dessa universidade. Eu sei disso porque percebo os olhares que as outras garotas disparam nele e em mim, com uma inveja daquelas. Depois, fui até a biblioteca e a porta da sala estava entreaberta, de modo que eu tinha plena visão do que estava acontecendo lá dentro. Então, notei que ele estava mesmo conversando com alguém.
Era uma voz feminina, a tal amiga que o colega citou agora pouco. Mas não consigo reconhecê-la, até porque ela está de costas para mim e de frente para ele. Eu só consegui perceber que ela tem longos cabelos loiros e cacheados. Provavelmente, é uma daquelas mulheres patricinhas que essa faculdade tem de sobra.
— Eu não sei o que fazer. — ele passou a mão por seus cabelos escuros. Parecia tenso. — Tem horas que a Bella me sufoca. Essa história de casamento, por exemplo. Agora ela só fala sobre isso. Não quero me casar, mas esse é o único jeito de ter algo mais íntimo com ela, porque ela diz que só podemos, você sabe, fazer aquilo depois do casamento. — reclamou e eu engoli em seco.
Não sabia que ele se sentia assim quando eu falava sobre os preparativos para o nosso casamento. Minhas bochechas ficaram vermelhas ao ouvir a parte que ele citava a nossa intimidade, dando a entender que eu sou virgem. O que é verdade. Falando da minha vida íntima com uma desconhecida. Bela atitude, Danny.
— Você já pensou em falar isso para ela? — A mulher sugeriu. Então, reparei na roupa dela, que usava uma saia curta vermelha e salto alto.
— Sim, mas ela não vai me entender. Ela vai fazer um drama digno de filme. Como eu vou falar para ela que não quero me casar?
— A Bella é tão boba e muito jovem ainda, Danny. Eu sou uma mulher de verdade, a mulher que você precisa. Porque não termina logo com ela? — arregalei os olhos com a sugestão dela, que ficou ainda mais perto do meu namorado. — E fica comigo. Eu sei que você sente desejo por mim, afinal, já me beijou outras vezes. — ela o empurrou contra a parede e o beijou.
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver aquela cena. Entrei na sala para que eles me vissem. Que ódio. Rapidamente, a vadia saiu de perto dele, que veio até mim.
— Não é nada disso que você está pensando, Bella. — ele disse, limpando a boca borrada de batom. Pior frase para se dizer em um momento como esse.
— Você não quer se casar comigo? Poderia ter falado e não me enganado, pegando a primeira vagabunda que apareceu na sua frente! — esbravejei cheia de raiva. — Olhei para a garota que sorria descaradamente. Hipócrita. Minha vontade é de bater nela com muitos socos. Mas não vou descer ao nível dela não. — Nunca pensei que você seria capaz de fazer isso comigo. — tirei o anel de noivado do meu dedo e joguei na cara dele. — Nunca mais me procure, Daniel. Nunca mais. — Avisei, saindo de lá e batendo a porta com força.
Daniel foi atrás de mim, mas eu saí correndo para o elevador e entrei antes que ele pudesse me alcançar. Então, finalmente comecei a chorar sem parar. Pensava que ele me amava, mas não. Ele só queria me levar para a cama como se eu fosse uma qualquer. Que decepção. Assim que eu saí do elevador, corri até o ponto de táxi. Para minha sorte, havia um táxi estacionado no local. Entrei e pedi que o taxista me levasse de volta para casa. Pelo retrovisor vi Danny me chamando, mas ignorei. Depois de alguns minutos, cheguei ao meu destino. Paguei a corrida e entrei em casa correndo para o meu quarto, me debruçando na cama e chorando. Raiva. Muita raiva. É isso que estou sentindo nesse momento. O dia que era para ser o mais feliz da minha vida, se tornou o mais infeliz. Em uma hora, fui do céu ao inferno. Fui tirada dos meus devaneios ao ouvir batidas na porta do meu quarto. Então, limpei minhas lágrimas, respirei fundo, fui até a porta e a abri.
— Gata, vi você chegando chorando.
— Vai para o inferno! — xinguei batendo com a porta na cara dele.
A última coisa que eu preciso nesse momento é do Caio tentando me assediar. Esse doente. Ele não disse que ia trabalhar? Então, o que ele está fazendo aqui ainda? Que inferno. Ele bateu novamente na porta.
— Me deixa em paz! — gritei indo até minha cama e me deitando.
Então, passei a chorar descontroladamente. Foi quando ele entrou no meu quarto. Ele estava sem camisa, deixando sua barriga de cerveja a mostra. Seus olhos estavam me olhando daquele jeito estranho de sempre. Alguma coisa me disse que aquilo não iria acabar bem. Engoli em seco.
— Eu odeio que batam com a porta na minha cara, Isabella. — Ele disse entre os dentes, ao mesmo tempo em que tirava o cinto da calça.
— Saia daqui agora ou vou chamar a minha mãe. — ameacei sentindo minha respiração ficar descompassada.
— A sua mãe já foi trabalhar. Mas eu fiquei em casa hoje. E nós vamos brincar. Mas antes, vou te ensinar a ser uma boa menina.
Caio foi para cima de mim e começou a desferir várias cintadas pelo meu corpo. Eu me encolhi e escondi meu rosto entre as mãos. Cada cintada que ele dava doía e muito. Enquanto eu apanhava, os flashs de Danny se agarrando com aquela piranha, vinham na minha mente. Aquilo me fez chorar ainda mais. Foi quando ele parou. Continuei ali encolhida e com os olhos fechados. Após alguns segundos, resolvi abrir meus olhos e olha-lo. Ele estava parado me olhando. Seus olhos, que eram castanhos, agora estavam mais escuros ainda, mas era de ódio.
— Agora que você teve o que merece, vou te ensinar mais algumas coisas.
Ele foi para cima de mim de novo. Ele apertou meus braços e em seguida, me deu um tapa na cara. Gritei e tentei empurra-lo, mas não consegui. Ele começou a beijar meu pescoço e meu estômago embrulhou. Eu sabia exatamente o que ele queria comigo. Senti minhas pernas ficarem trêmulas. Era o medo.
Mas não vou deixar que esse homem me faça mal. Olhei para os lados em busca de algum objeto que pudesse usar para me defender dele, mas não encontrei nada. As mãos dele apertaram minha cintura e tentaram tirar minha jaqueta. Gritei novamente, agora pedindo socorro, mas ninguém me ouve. Nem teria como me ouvir. Nossa casa é a última da rua e fica bem mais afastada das demais.
Foi quando uma ideia passa na minha mente. Dei um chute no meio das pernas dele, que gritou de dor. Eu aproveitei para empurra-lo e consegui sair do quarto. Andei pelos corredores sentindo minhas pernas não me obedecerem direito, mas segui firme. Depois, comecei a sentir uma câimbra, mas tentei caminhar mesmo assim. Desci as escadas com cuidado para não cair até chegar a sala de estar e fui até o telefone. Eu preciso pedir ajuda agora mesmo. Mas para quem? Para a polícia, é claro.
Peguei o telefone nas minhas mãos, que estão tremendo. Eu vou acabar com esse velho nojento. Disquei o número da polícia e só então percebi que tudo era muito pior do que parecia. O fio do telefone está cortado. Caio pensou em tudo, até em cortar a linha do telefone para que eu não conseguisse pedir ajuda. Foi quando uma mão pesada e áspera tocou meu ombro. Eu gelei e meu coração disparou. Me virei lentamente para trás. É ele. Caio desferiu outro tapa em meu rosto e eu cai no chão. Ele foi pra cima de mim e tentou me beijar outra vez. Mordi a boca dele com raiva e ele gemeu de dor.
— Sua vadia. — ele disse desferindo outro tapa em meu rosto. Foi quando alguém puxou ele de cima de mim. Danny?
Danny deu um soco na cara dele, que caiu no chão. Só que meu padrasto levantou e bateu nele de volta com uma força que fez com que meu namorado, ex, sei lá, caísse no chão. Ele foi para cima dele e tentou enforca-lo com as próprias mãos. Eu preciso fazer alguma coisa. Olhei para o lado e vi um vaso. É a minha salvação. Peguei o vaso e o quebrei em mil pedaços na cabeça de Caio. Ele caiu desmaiado no chão. Ou morto.
— Será que ele morreu? — perguntei assustada e pisando sem querer, em um dos cacos de vidro. Gemi de dor. Hoje realmente não é meu dia de sorte.
— Eu não sei. — Danny respondeu tossindo. — Você precisa sair daqui. — ele disse se levantando. Ele está certo. Quando Caio acordar, certamente vai querer me matar.
— Eu sei. — concordei tirando o caco de vidro do meu pé e saindo correndo para o quarto. Entrei lá, peguei minha mochila, algumas roupas e as coloquei dentro da mochila. Alguns segundos depois, Dennis entrou no quarto com a mão no pescoço.
— Bella, o que você está fazendo? — ele perguntou confuso.
Apressada, me troquei na frente dele e veja bem, eu nunca tinha feito isso na frente de qualquer outra pessoa. Coloquei uma calça jeans, tênis e camiseta.
— Eu vou embora daqui para sempre. — respondi fechando a mochila e a colocando nas minhas costas.
— E para onde você vai, Bella? Por favor, não faça isso. — pediu se aproximando de mim.
— Para bem longe do Caio e de você também. — respondi e ele baixou a cabeça. — Olha, sou muito grata por você ter me salvado daquele desgraçado, mas você me magoou e preciso de um tempo para mim. Até qualquer dia, Daniel.
Me despedi e sai rapidamente do quarto, descendo as escadas e verificando se meu padrasto ainda estava no chão. Depois, fui para fora de casa e só então percebi que não tenho para onde ir, além de pouco dinheiro disponível para gastar. Mesmo assim, peguei o primeiro ônibus que passou.
O mais triste é saber que não posso contar com minha mãe. Ela está cega de paixão pelo Caio, e nunca acreditou em mim. Alguns anos atrás, um dos ex-maridos dela também deu em cima de mim e quando contei para ela, ela simplesmente disse que a culpa era toda minha. Como sei que não posso contar com ela e não quero um escândalo com a polícia, o melhor a fazer é ir embora para sempre. Neste momento, a única coisa que sei é que se o Caio me achar, ele vai acabar com a minha raça.
Para ser sincera, não é só por causa do meu padrasto que quero ir embora. Eu ainda estou muito magoada com o Danny. Ele mentiu para mim, me enganou. E acho que nunca vou perdoa-lo. A única coisa que sei é que nunca mais vou me envolver com um homem, pelo menos não com amor porque eles não merecem. Disso, eu tenho certeza.
Aquele ônibus me levou até a rodoviária, onde peguei um ônibus de viagem até a cidade mais longe possível. Para ser sincera, nem reparei em qual ônibus entrei, eu só queria ir para longe e quando o motorista disse que a viagem seria longa, achei perfeito. Já era noite, então usei algumas das economias que me restaram da última mesada para comprar o bilhete de ônibus. Após me sentar no banco, vencida pelo cansaço, acabei adormecendo.
(...)
Acordei na última parada do ônibus. Não tenho a menor ideia de onde estou e como adormeci, não tem um cidadão para eu pedir algum tipo de ajuda porque o motorista foi embora em alta velocidade assim que desci do ônibus. Eu esfreguei os olhos e resolvi olhar o celular para ver a hora e vi que tinham novas mensagens e algumas ligações perdidas. Eram respectivamente de minha mãe, Daniel e de Allison.
Minha mãe dizia para eu voltar para casa. Danny, para que reatasse o relacionamento e o perdoasse. E Allison estava comentando que sua noite com o namorado tinha sido divertida. Bem, pelo menos alguém se deu bem esta noite. Ela também perguntou como tinha sido o meu aniversário. Se ela soubesse o quanto foi ruim, mas eu não quero conversar sobre isso agora.
Pedi informação na rua e me disseram que eu estou em Warrenton, bem longe de onde vim, da Califórnia.
Além das ligações deles, alguns números desconhecidos também me ligaram, mas isso não importa agora. Encontrei pelo caminho uma loja de conveniência e aproveitei para tomar um café e comer alguma coisa. Depois, caminhei pela estrada. Pensei em pedir alguma carona, mas acho que pode ser perigoso. Ainda não sei para onde vou, nem o que vou fazer com minha vida. Minha mente está tão confusa. Eu não sei se tenho dinheiro suficiente para pagar algum albergue. Acho que vou ligar para Allison para desabafar. Acho que pode ser uma boa ideia. Respirei fundo e disquei para Allison, enquanto continuava andando na beira da estrada.
Mas antes que ela me atendesse, um ladrão passou correndo e pegou minha bolsa, onde estava meu dinheiro, documentos e cartão de crédito. Eu só tenho a mochila com algumas roupas agora, mas que merda. Será que eu mereço mesmo todo esse azar? Não tem uma pessoa para eu pedir ajuda. Nenhuma. Então, continuei caminhando, torcendo para que aparecesse algum posto de gasolina para eu pedir algum tipo de ajuda.
[...]
Após andar por mais algum tempo, encontrei um grupo de amigos parados na beira da estrada. Eu podia pedir ajuda a eles, mas eles estavam com algumas garrafas de alcool e cigarros suspeitos nas mãos. E para piorar, eles pareciam realmente maldosos. Eles começaram a me olhar e engoli em seco. Esse não é um bom lugar para mim, que resolvi correr para longe. Cinco minutos depois, encontrei finalmente uma mulher. Ela era loira, tinha olhos escuros e se chamava Jane.
— Então quer dizer que você foi roubada e está sem dinheiro? — ela perguntou me medindo de cima a baixo.
— Sim.
— Eu não tenho dinheiro para te emprestar, mas sei onde você pode conseguir.
— Como assim?
— E se você fizer um programa? Se andarmos mais um pouco chegaremos no gueto da cidade, lá você vai encontrar muitos clientes.
— Não, eu não quero.
[...]
Mesmo assim, Jane me apresentou ao cafetão local e me hospedou temporariamente no local onde mora, em um hotel caindo aos pedaços. Pelo menos, eu pude tomar um banho e comer alguma coisa.
Essa área da cidade é um tanto quanto assustadora. Tem muitas prostitutas e usuários de drogas vagando de um lado para o outro. Em alguns momentos, eu até pensei em telefonar para minha mãe, mas não vai fazer diferença. Eu tenho certeza que ela jamais ficará ao meu lado e contra o Caio. Com Danny eu também não posso contar, não depois do que ele me fez. Eu estou sozinha e terei que aprender a ser sozinha sempre e me virar como eu posso.
Talvez, se eu fizer um ou dois programas, eu consiga um dinheiro fácil para ir para algum lugar melhor. Sinceramente, eu não estou com muita perspectiva na vida depois que meu mundo caiu, então nada mais me importa tanto assim. Nunca mais poderei ver minha mãe, meu noivado foi para o ralo e eu não tenho nada, nem ninguém em quem me apoiar.
Depois de muito pensar, resolvi aceitar a proposta de Jane. É o único jeito de arrumar dinheiro rápido. Jurei para mim mesma que faria só uma vez, no máximo duas. Eu sei que eu sou virgem e perder minha virgindade dessa maneira certamente será um horror, mas a pessoa para quem eu me guardei a vida toda, nunca será minha. Assim que conseguir o dinheiro, saio daqui e vou em busca de uma nova vida. Jane me levou para um barraco velho onde me maquiou, passando rímel, lápis e um batom vermelho na boca. Depois, ela mexeu na minha mala e pegou um vestido para vestir. Até me senti bonita quando me olhei no espelho. Um pouco vulgar, mas ainda assim eu estava bonita.
Anoiteceu e enquanto comia um cachorro quente, fiquei pensando em tudo que me aconteceu até agora e é tão injusto. Olha a encrenca que eu estou perto de me envolver e as pessoas que realmente são más como o Caio, sempre ficarão impunes. Mas quer saber, vou até o fim agora. Fiquei na calçada e vi as outras garotas entrarem nos carros de vários caras, seus prováveis clientes.
Foi quando um carro parou perto de mim. O carro era bem chique, acho que um porshe. O vidro do carro abaixou e um cara perguntou se eu estava disponível para fazer programa. Olhei fixamente para ele. Seus olhos estão vermelhos, talvez por irritação. Seu cabelo está meio bagunçado e pelo modo como falou, eu acredito que esteja bêbado. Só me faltava essa agora. Meu primeiro cliente ser um bêbado.
— Você está falando comigo? — perguntei olhando para os lados.
— Sim. — ele confirmou e repetiu a pergunta. — Está disponível para programa, garota?
— Sim. — confirmei enquanto ele me mediu de cima a baixo, como se fosse me devorar.
— Entra aí. — ele mandou e eu obedeci, entrando no carro dele. Depois ele me mandou colocar o cinto e assim o fiz, enquanto olhava para ele fixamente. O rapaz é muito branco, até mais que eu e olha que eu sempre me achei muito pálida. Meus colegas até me zoavam na escola por isso. Seus olhos são verdes e profundos, cheios de olheiras. Com certeza ele deve ter uma baita insônia. — Quanto você cobra? — ele perguntou e eu gelei.
— Eu não sei. — respondi meio confusa.
— Como assim você não sabe? — ele me olhou com uma cara de interrogação.
— É que o senhor é meu primeiro cliente. — respondi e percebi como ele ficou chocado e ao mesmo tempo nervoso com o que acabara de ouvir.
— Como assim o seu primeiro cliente? — ele perguntou de forma ríspida e parou o carro na hora. Em seguida, me olhou com os olhos esbugalhados. — Você não tem experiência? Merda! Que porcaria de prostituta fui arrumar. — ele resmungou.
— O senhor é burro ou o quê? Primeiro cliente significa que eu acabei de entrar nessa merda de ser garota de programa e o senhor é o primeiro cara com quem vou ter que transar. — falei sem pensar. — Na verdade, sou eu quem sou azarada! Meu primeiro cliente é um bêbado ignorante e insuportável. — só então percebi tudo o que falei.
Sempre que eu estou nervosa, faço alguma besteira. Eu não conheço esse carave acabei de ofendê-lo dentro do carro dele, que me olhou com uma cara de poucos amigos. Acho que isso não vai acabar bem.