Casas de bonecas são formadas por segredos e ilusões e, em seus cômodos trancados em falso conforto, você deve saber reconhecer seu verdadeiro inimigo. Tudo o que Lis queria, após estar ao lado de sua mãe em um divórcio difícil e desgastante, era poder sossegar no lugar o qual sempre sonhou: uma casa antiga em uma pequena cidade do interior, cuja possuí janelas trincadas assustadoras, portas que rangem ao serem abertas e... Uma porção de bonecas estranhas e bizarramente realistas escondidas na escuridão do sótão. O que a princípio parecia ser somente um mistério divertido e tentador para se iniciar uma investigação digna de filmes de terror, passa a ser um tormento que mostra cada vez mais à Lis que, embora os filmes pareçam ser realmente assustadores, a realidade pode acabar por ser mil vezes pior. Afinal, à quem pertencia aquela casa e por que simplesmente largaram meia dúzia de bonecas ali, sem mais nem menos? E por que o que deveria estar lhe causando mal, parece estar pedindo por ajuda? Em uma casa de bonecas, o quão longe mentiras e segredos podem ir?
Leer más"As pessoas costumam ter certo preconceito com coisas velhas
Pessoas, objetos, casas...Acham que estão chatas, quebradas, sem qualquer utilidadeMas sabe o que é mais engraçado?São justo estas coisas, as "velhas"Que tem as melhores e mais interessantes histórias para contarPrincipalmente as casas e as pessoas,Sim, ah sim, elas escondem segredos bem interessantes..."- Chessie
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24 de dezembro de 1963
Era véspera de natal e não chegava a nevar, mas fazia um frio que não podia ser ignorado. As ruas estavam úmidas e enlameadas e uma chuva fraca caía sobre o montinho de pessoas que observavam, curiosas, algum acontecimento estranho no casarão que havia sido comprado há apenas algumas semanas por um jovem casal que buscava um lugar sossegado para poder começar uma família.
Claro que todo aquele frio e o fato de que o natal seria no dia seguinte deveria fazer com que todas aquelas pessoas estivessem trancadas em suas casas, decorando suas salas e varandas e preparando comidas junto de seus parentes distantes, mas nada disso parecia estar impedindo aquela gente de continuar ali, estendendo os olhares curiosos sobre a frente da casa enquanto cochichavam sobre o que supostamente teria acontecido.
Uma ambulância estava parada ao lado da calçada e um enfermeiro parecia consolar uma moça de cabelos claros encharcados e colados ao rosto.
Ela estava enrolada em cobertores brancos e grossos manchados de sangue, assim como suas pernas. Seus olhos estavam arregalados e vagos e seus lábios arroxeados tremiam. Havia um hematoma bem abaixo de seu olho esquerdo e gotas espessas de sangue continuavam descendo pelas suas coxas trêmulas.
O enfermeiro ao seu lado a guiou até dentro da ambulância e fechou as portas. No mesmo instante, dois policiais e uma paramédica saíram da casa carregando uma maca com um corpo coberto por plástico preto.
Alguém havia morrido.
– Eu sabia, nessa casa não tem coisa boa – uma senhora que assistia ao espetáculo comentou para o homem ao seu lado. – Ninguém que vem morar aí fica e se ficar... Isso aí acaba acontecendo.
– Ela não estava grávida? O que será que aconteceu? – Uma mulher perguntava à outra que apenas balançou a cabeça e suspirou.
– Não sei, mas aquele corpo com certeza era do marido dela – a outra respondeu baixinho, como se tivesse medo de que o morto a ouvisse.
Um policial apareceu afastando todos dali enquanto outro passava faixas amarelas na entrada da casa, impedindo passagem para dentro.
– Ela deve ter enlouquecido, exatamente como os outros – o policial comentou com o seu parceiro logo em seguida.
O rapaz mais jovem meneou a cabeça e comprimiu os lábios, fitando a estrutura antiga e assustadora com um olhar desconfiado.
– Não entendo, por que não demoliram isso ainda? Pelo o que sei já tem pelo menos uns cem anos e sempre vem dando problemas – ele disse expressando certa indignação e o mais velho deu uma risadinha.
– É uma casa cara, meu amigo. E também o palco das melhores histórias que essa cidade já ouviu, e diversão e dinheiro são coisas que ninguém nunca quer deixar de lado, só precisamos aceitar – respondeu dando um tapinha no ombro de seu colega e entrando na viatura.
Aquele com certeza seria mais um longo caso a ser resolvido, e assim se repetiria a história, pelo menos a cada dez anos, até que alguém resolvesse tirar aquilo dali.
24 de dezembro de 2015 ◈◇◈– Ai Jesus, desculpe tia – eu disse ao passar por Tia Elizabeth e esbarrar na mesma, quase fazendo com que uma travessa inteira de mousse de chocolate fosse para o chão. Porque se um desastre não acontecesse então não era eu.– Tudo bem, querida – ela respondeu com seu sorriso gentil, recuperando o equilíbrio e indo até a mesa de jantar que havia sido posta no centro da sala, deixando o mousse ali ao lado de tantos outros pratos natalinos.
Capítulo Final ◈◇◈– Acredita em fantasmas, Xerife? – O policial mais velho perguntou dentro da viatura enquanto os dois seguiam para a delegacia logo após ter deixado o hospital.O xerife apenas riu e meneou a cabeça sem dar qualquer resposta, analisando as anotações que Susan lhe dera enquanto o outro mantinha as mãos no volante e os olhos na estrada.– Aquelas crianças estão mentindo – o mais velho voltou a fal
Estava deitada na cama do hospital, com Henri sentado na poltrona ao meu lado e Eliel dormindo na outra cama ao lado. Eu ficava feliz e aliviada que ele ainda conseguisse dormir depois de tudo aquilo, porque eu definitivamente não conseguiria isso assim tão fácil.Na televisão de tubo presa ao canto da parede por um suporte de ferro, alguma novela aleatória de romance de época passava com o som extremamente baixo. Tudo ali era muito quieto o que me deixava extremamente agradecida pois me ajudava a relaxar um pouco mesmo com o corpo inteiro doendo.Minha perna ainda ardia, e parecia que estava muito pior do que quando havia saído da casa – o mesmo para o meu pulso deslocado, meu olho inchado e minhas costelas cheias de hematomas.Eu
Assim que pisamos na grama e o vento gelado do início de noite bateu contra o meu rosto, foi como se um choque de realidade me atingisse. Eliel estava vivo, estava comigo, a Casa de Bonecas estava em chamas bem atrás de nós, e não havia nada nem ninguém tentando nos matar.Parei de andar de repente e, quando Eliel se virou para perguntar o que havia acontecido, não consegui evitar um misto de choro e riso ao vê-lo ali, parado com sua cara estranha de confusão, com os olhos vermelhos marejados e os cabelos cobertos de poeira, cinzas e teias de aranha.Comecei a rir histericamente sem ter mais qualquer controle sobre o que sentia, abraçando-o tão forte que meus próprios braços chegaram a doer.– Meu
Num impulso de coragem que eu sabia que jamais teria de novo, respirei fundo e agarrei com os dedos trêmulos o enorme caco de vidro que ainda se encontrava preso em minha perna e, fechando os olhos para que aquilo se tornasse um pouco menos pior, o arranquei de minha coxa com a maior rapidez que pude.Senti a dor e a queimação se tornarem mil vezes piores e meus olhos se encherem de lágrimas, minha perna inteira parecia estar em chamas mas me obriguei de todas as formas possíveis a reprimir o grito que subiu por minha garganta, mordendo o lábio inferior até sentir meus dentes romperem a pele, nada melhor que uma nova dor para reprimir a anterior.Senti mais uma vez o gosto de sangue se alastrar pela minha língua e engoli em seco. Não podia chamar a atenção de Vi
Senti o látex sobre minha boca quando me preparei para gritar, impedindo que eu fizesse qualquer som além de resmungos baixos indecifráveis. Cerrei os olhos marejados pela dor quando os dedos de sua outra mão se enroscaram em meus cabelos e puxarem minha cabeça para trás com uma força surreal, me permitindo ouvir meu pescoço estalar e vários fios de cabelo se quebrarem.– Agora você vai ficar quietinha, entendeu, mocinha? – Victor disse com seu sotaque francês horrível e meu estômago se revirou. Eu sentia nojo só de ouvir aquela voz.Instintivamente comecei a me debater na esperança de me soltar, mas era tudo em vão. Para Victor era como se eu não passasse de mais uma boneca, sem peso e sem vida.
Último capítulo