Chegamos ao quarto do hospital.
— Mana, você veio! — Disse Jane animada, enquanto assistia a um filme.
Seu rosto estava pálido, com olheiras fundas. Comparada a mim, ela realmente parecia ser a doente.
Apesar do tom caloroso, o brilho nos olhos dela dizia outra coisa.
Havia provocação ali. E arrogância. Uma arrogância que feria só de olhar.
— Irmã... Obrigada por me entregar a empresa. Fica tranquila, vou fazer ela crescer ainda mais. — Disse com um sorriso doce demais pra ser sincero.
— Viya, agora com a Jane no comando, você não precisa mais se matar de trabalhar. — Mamãe apertou minha mão com entusiasmo. — Pode só viver da parte dos lucros. Que vida boa, né?
— Sim. Aliás, pensando bem... Acho que vou deixar todos os meus bens sob a gestão da Jane. Assim fico ainda mais tranquila. — Respondi com um sorriso sereno.
O silêncio tomou o quarto.
Todos ficaram chocados.
Eles sabiam o tamanho do patrimônio sobre o qual eu estava falando.
— Viya... Você tá falando sério? — Leo perguntou, com os olhos arregalados. — Incluindo o fundo fiduciário no Banco dos Lobisomens?
Assenti, com a expressão calma.
Mas por dentro, a ironia era cortante.
“Jane sempre quis tudo o que é meu.
E minha família sempre apoiou isso.
Se eu não cedia, era acusada de ser egoísta, mal-educada, ingrata.
Agora que finalmente estou entregando tudo... Por que estão tão surpresos?
Não é isso que vocês sempre quiseram?”
Depois de alguns segundos de silêncio, foi papai quem se pronunciou primeiro:
— Viya... Você realmente cresceu. Que bom ver você cuidando da sua irmã assim. É assim que deve ser. Somos todos uma família. Que bobagem essa coisa de “meu” e “seu”, né? Ver vocês duas tão unidas nos deixa com o coração tranquilo.
“Sério? Tranquilos?
Pai... Mãe...
Vocês realmente acham que Jane tem capacidade de gerir tudo isso?
Ela pode enganar vocês aqui dentro de casa, com esse rostinho angelical.
Mas lá fora... No mundo real, ninguém vai cair na conversa dela.”
Meu nariz começou a coçar.
Esfreguei de leve e a mão saiu manchada de sangue.
— Ué, até sangramento? Mas o quarto tá com a umidade ideal... — Comentou mamãe, me entregando um lenço de papel.
Limpei o nariz devagar e, meio em tom de brincadeira, meio testando os sentimentos deles, perguntei:
— Pai, mãe... Se eu morrer um dia, vocês ficarão tristes?
O ar ficou pesado por um instante.
Papai me encarou com seriedade.
— Viya, por favor. Para de fingir que tá doente pra ganhar pena. Tá certo que a sua loba não é muito forte, mas isso aí é coisa pequena. Dá pra tratar. Só não venha com drama na nossa frente, tá bom?
Aquele clima leve que havia se formado antes... Evaporou com uma única frase.
Sorri, amarga.
Loba?
A minha já estava morta.
Morreu lutando contra a toxina da erva-lua prateada. Um veneno com traços de prata que corrói o sangue e os órgãos lentamente, até levar à morte.
— Papai… — Jane se adiantou, olhando pra mim com falsa compaixão. — Tudo bem que a mana já mentiu antes, fez birra e até fingiu doença pra enganar a gente… Mas isso ficou no passado, né? Eu acredito que ela mudou.
A provocação nos olhos dela era clara.
Ela fingia me defender, mas cada palavra era um lembrete das falhas que todos adoravam repetir.
— Tá bom. Desde que não volte a errar, tudo certo. — Disse papai, como se me fizesse um grande favor.
Logo em seguida, se virou para Jane com ternura nos olhos:
— A Jane sim é quem precisa de cuidados. Essa doença afetou até a capacidade de cura dela...
— Eu também acho que a madrinha merece mais carinho. — Mark se debruçou na cama, olhando Jane com preocupação. — Madrinha, fica boa logo!
E com isso...
O pouco de esperança que eu ainda guardava no peito... Se despedaçou.
Discretamente, enxuguei uma lágrima e me virei para Mark com um sorriso calmo.
— Mark... Você não vive dizendo que a madrinha é a melhor? Você quer que ela seja sua mãe?
Ele arregalou os olhos, animado.
— É sério?
Assenti.
— É sério. A partir de agora, Jane vai ser sua mãe. Não é ótimo? Ela vai estar sempre com você... Te levar e buscar na escolinha dos lobisomens, cozinhar comidinhas muito mais gostosas que as minhas. O que acha? Tá feliz?
Na mesma hora, Mark segurou minha mão com as duas dele... E beijou o dorso com entusiasmo.
— Estou muito feliz! Mamãe, você é maravilhosa!
Antes que eu pudesse reagir, ele já estava do outro lado do quarto, ao lado da cama, gritando com alegria:
— Mamãe! Mamãe Jane!
Meu coração... Sangrava por dentro.
Mark não segurava minha mão assim há tanto tempo que eu nem lembrava mais da última vez.
Muito menos me beijava com carinho.
E pra que tudo isso acontecesse...
Tive que abrir mão do título de “mãe”.
Olhei em volta.
Meus pais, Leo... Todos observavam a cena com expressão de alívio e satisfação.
Satisfeitos com a nova família perfeita.