No amor e na guerra
No amor e na guerra
Por: luproencio
1- Traga-a para mim.

Estava colhendo batatas no vale quando ouvi barulhos estranhos. Olhei para cima e vi fumaça e algumas pessoas correndo.

Já tinha escutado algo sobre a possibilidade de nossa província ser invadida, mas eu não acreditava que isso realmente chegaria ao nosso vilarejo tão remoto.

Trabalhávamos praticamente dia e noite. Parte da produção precisava ser enviada à capital — essa parte era a maior parte.

Não importava se a produção tivesse sido boa ou suficiente. Se eram mil sacas de batatas, então mil sacas seriam entregues. O que sobrava era dividido entre a comunidade. O trabalho era comunitário.

Com o pouco que ficava, alimentávamos primeiro os que trabalhavam, depois as crianças e os idosos.

Eu sempre deixava a parte que me cabia para meus avós, pois o que cabia a eles era tão pouco que não dava nem para matar a fome.

Dizem que há outras províncias que não vivem como nós, mas eu não acredito. Governantes são sempre governantes: mandam, exploram sob a desculpa de proteger-nos — mas, na verdade, isso nem passa por suas cabeças.

A propósito, sou Rosana. Meu nome é estrangeiro e nem sei bem de onde vem. Meus pais viram esse nome em um pedaço de jornal que estava no meio de alguns agasalhos enviados pelos agentes do governo. No jornal dizia que Rosana significava “rosa graciosa”.

Ah, não pense que o governo era muito generoso. Não tínhamos dinheiro, e o que eles nos enviavam em “troca” pelos alimentos mandados à capital eram poucas peças de agasalhos — que não serviam para todos, não tinham tamanhos certos e nem eram suficientes para aquecer ninguém.

Quando éramos crianças, minha avó pegava um agasalho de adulto, desmanchava e fazia roupas para nós. Aproveitava cada pedaço. Eu aprendi isso com ela.

Meus pais morreram e eu fiquei muito pequena com ela. Meu avô morreu logo depois dos meus pais, então ficaram só eu e ela. Meus tios às vezes nos ajudavam, porque tínhamos que cultivar a terra. Caso contrário, deixaríamos de ter até o pouco que tínhamos.

Agora era outono. Estávamos na época da colheita. Ela precisava ser feita o mais rápido possível, pois logo o inverno chegaria, e as colinas e os vales ficariam brancos de neve.

Subi me esgueirando entre os pessegueiros e vi homens fardados — mas eu não os reconhecia. Não eram agentes do governo. Pareciam ainda mais truculentos.

Mulheres e crianças estavam apavoradas em um canto. Os homens, no chão com as mãos na cabeça. Algumas meninas mais velhas estavam sendo levadas por um soldado.

Quem eram aquelas pessoas? Não demorou muito para eu descobrir que eram soldados da província vizinha. Aquilo que eu pensava não acontecer, aconteceu.

Me escondi entre os pessegueiros. Não conseguia ouvir bem o que diziam, embora parecessem gritar.

Fiquei ali, sem saber o que fazer, até que todos foram colocados em carros abertos (jipes) e caminhões. Eu também nunca tinha visto aqueles tipos de veículos no vilarejo. Na verdade, quase não víamos nada novo por aqui.

Depois que todos foram, esperei um pouco e só então saí com cuidado. Não sabia se ainda havia soldados por perto.

As casas estavam vazias e reviradas. Comecei a chorar, sem saber para onde tinham levado todos. Tudo que restou foram cacos e trapos espalhados pela vila.

Rosana saiu carregando um agasalho que encontrou e alguns pães, e também os levou. Correu noite adentro por entre os pessegueiros, passou por dentro de alguns arrozais até encontrar o velho casebre onde se escondia quando era criança.

Rosana era magra, seus cabelos muito lisos e negros como a noite. Seus olhos eram amendoados e castanhos, seus cílios, longos e espessos.

Ela estava cansada e acabou dormindo no chão, abraçada com os pães que sobraram.

— Que beleza, olha só — disse um soldado parrudo e desajeitado.

— O que tem aí? — perguntou outro soldado, de patente superior.

— É uma garota. Será que está morta? — questionou o primeiro.

O soldado grosseiramente chutou as pernas de Rosana, que acordou assustada.

— Levante-se! — ordenou ele, encostando uma pequena katana curta em seu rosto.

Rosana se encolheu ao ver os homens. Um a olhava com curiosidade, o outro com rudeza.

— Já mandei se levantar, é surda? — gritou o homem grosseiro.

Ela se levantou timidamente, olhando para o chão. O homem a puxou pelo braço e a lançou no meio da terra.

— Ande! — disse ele, apontando a direção com a espada.

Ela se levantou e caminhou com medo de ser executada pelas costas.

— O que faremos com ela, senhor? — perguntou o soldado bobalhão.

— Vamos levá-la ao primeiro sargento — respondeu Soti, que era apenas cabo, mas se achava um general.

Eles caminharam por um bom trecho. Depois, os dois homens pegaram uma corda no jipe e amarraram as mãos de Rosana, deixando uma ponta sobrando. Entraram no carro e começaram a puxá-la pela estrada.

Às vezes, ela não conseguia acompanhar e caía. Eles então diminuíam a velocidade para que ela se levantasse e continuavam puxando-a, até chegar onde os moradores do vilarejo estavam concentrados.

Quando viram a forma como Rosana foi trazida, muitos se assustaram. Seus cabelos estavam bagunçados, o rosto molhado de suor e coberto de poeira. Os joelhos, pés e mãos estavam feridos.

Ela era uma boa menina. Sempre ajudava todos no vilarejo. Era querida por todos. Desde que a avó morrera recentemente, todos cuidavam um pouco dela.

Rosana estava exausta, mal conseguia ficar em pé. Suas pernas fraquejaram e ela caiu como uma boneca de pano.

— Senhor! Encontramos uma rebelde e a trouxemos — disse Soti, orgulhoso de si.

— E como ela é? — perguntou o primeiro sargento Raoni, sem se virar para olhar o subalterno.

— É jovem e muito bonita. Parece obediente — respondeu Soti, os olhos brilhando ao imaginar Rosana.

— Traga-a para mim — disse Raoni, enquanto terminava de lavar a lâmina de barbear numa pequena bacia com água.

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