Memórias de um Crime
Memórias de um Crime
Por: Bruna
CAPÍTULO 1

Suspirei profundamente. Queiroz sentou-se em sua cadeira. Meus olhos se focaram na luz que refletia em sua cabeça calva. Ele fitava o vazio em sua frente, seus óculos estavam repousados na gola da sua camisa.

Ele foi o segundo a suspirar profundamente, estávamos exaustos de tanto pensar. Os outros rapazes permaneciam em silêncio, ninguém sabia o que fazer diante do ocorrido. Para ser mais exata, não se ouvia nada em toda a delegacia, nem mesmo os telefones tocavam.

Na noite anterior nossa unidade foi chamada para verificar um suspeito homicídio. Infelizmente, não estava ao nosso alcance investigar a respeito. Então, demos por encerrado e aguardamos pela polícia criminal.

— Chovia nesse dia — comecei roubando a atenção deles. — As gotas de chuva batiam na terra e levantavam a poeira. Os tênis estavam sujos de lama, duas crianças se olhavam e sorriam uma para outra enquanto corriam pela estrada deserta na tentativa de chegar às suas casas.

— Sobre o que você está falando? — perguntou Queiroz com interesse.

Ignorando-o continuei.

— Ouviram um grito. Entreolharam-se alarmados e, dessa vez, ao invés de seguirem pela estrada segura, optaram por procurar a dona daquela voz. Encontraram um galpão abandonado, parecia ser o lugar mais provável naquelas circunstâncias. Em silêncio, espiaram cuidadosamente pelas grandes janelas que já estavam quebradas.

Uma cena que chocaria até mesmo os adultos. Uma cena assustadora refletia nos olhos das duas crianças ali presentes, as mesmas que há pouco sorriam despreocupadas.

Havia dois homens, estes com facões totalmente afiados. Encontraram a dona do grito, que por sinal estava ensanguentada no chão e sem ação.

— Vamos chamar ajuda — sussurrou a menina, que estava segurando a mão do menino. Ambos sobressaltados sem brilho nos olhos. O menino a puxou para longe e colocou um de seus dedos nos próprios lábios para demonstrar que ela deveria ficar em silêncio.

— Quem está aí? — perguntou um dos homens e pelo tom de sua voz se aproximava cada vez mais.

O menino puxou a garota e correram juntos para longe.

Olhei para meus colegas que estavam apreensivos com a história e indaguei:

— Vocês imaginam o fim?

— As crianças não denunciaram o crime? — um deles questionou.

— Errado. Elas denunciaram, mas vocês sabem o que as autoridades na época fizeram? Mesmo achando o corpo como na descrição das crianças, elas não aceitaram o relato delas. Eram apenas crianças e elas têm muitas imaginações.

— Catarina, de onde você tirou essa história? Isso não tem nada a ver com o nosso caso atual.

— Não importa de onde tirei, o que importa é que até hoje aquele crime não teve resolução.

— Certo, outro dia você verifica esse caso, mas voltando ao atual...

— O problema é esse, vocês não estão dando relevância para o que as crianças dizem! – bati minhas mãos sobre a mesa, exigindo atenção. — Vocês viram como aqueles detetives ignoraram os depoimentos das crianças ontem à noite. Elas falaram com tamanha convicção para nós, não deveríamos ignorá-las, é como se elas não significassem nada.

— Não ignoramos, elas se recusaram a nos passar o testemunho, mesmo com um psicólogo intervindo na conversa — um homem de terno preto e um distintivo em mãos se apresentou na sala.

— Eu posso falar o depoimento delas — sugeri.

— Catarina, pare de blefar! — meu chefe interveio enquanto levantava-se para cumprimentá-lo.

— Você é novo aqui? — meu colega Roberto quem o questionou.

— Sim, fui transferido há pouco tempo.

— Detetive... – Roberto fez uma pausa para ler o crachá e prosseguiu: — Erick Garcia.

Ele assentiu e cumprimentou meu chefe.

— Nós que atendemos o caso, que estivemos junto com a família desesperada. Esse caso deveria ser nosso — falei.

Erick suspirou e se aproximou de mim:

— Parabéns por fazer seu trabalho. Agora me pergunto, você é do departamento criminalista por um acaso?

— Pelo menos me deixe participar da investigação — eu disse e Erick deu de ombros. — Ou, então... deixe-me dizer o depoimento das crianças.

— Sim, para isso que estou aqui. Qual foi o relato delas?

— Esqueça isso, Catarina — Queiroz falou, mas Erick pediu para que ele ficasse em silêncio.

— Monstros. Foram eles que entraram em nossa casa. Não reviraram nossas coisas, apenas foram até mamãe e a mataram. Deixaram a arma ao lado de seu corpo e todos dizem que ela se matou! – pronunciei cada palavra como a criança havia relatado. Tinha decorado, ainda mais pelo fato de que aquela história me lembrava de outra, ainda mais próxima a mim. Estremeci com a lembrança.

— Monstros — Queiroz riu.

— Não é mentira que as crianças acabam sendo criativas demais, se influenciadas podem até mesmo mudar facilmente o depoimento. A questão não é essa, e sim se esse monstro poderia ser alguém como nós, um humano — Erick finalizou se virando para Queiroz. — Claramente alguém que matou sua mãe seria visto como um monstro.

— Eu compreendo que esse monstro faz referência a um humano, mas me parece que não foi encontrado nada a respeito.

— É por isso que estou aqui, para pegar um relato da mesma, assim podemos descobrir se isto é apenas a criatividade de uma criança — virando-se agora em direção à porta, disse: — Se me deem licença, solucionarei esse caso.

Quando saiu, Queiroz suspirou.

— Esses detetives sempre se acham os superiores, pensei que o novo seria melhor, mas me parece que seu ego está aumentando.

— Não importa sobre seu ego, desde que ele escute as crianças e faça o seu trabalho — falei.

Queiroz olhou em direção a Henrique e ordenou:

— Pegue a viatura e vá fazer uma ronda juntamente com Catarina.

— Sim, senhor.

Peguei minhas coisas e sai junto com Henrique, sabendo que esse comando de Queiroz era apenas por ter se estressado com minhas palavras.

Já na viatura, Henrique comentou:

— Você perde a cabeça toda vez que se trata de crianças envolvidas em depoimentos. Nosso chefe já não aguenta mais suas histerias.

— Se vocês dessem mais atenção a elas, minha histeria não seria o problema.

— Em algum caso foi relevante? — Henrique perguntou acelerando.

— Não importa se foi ou não relevante, o caso é que elas deveriam ser ouvidas e não ignoradas.

— Nós damos atenção, Catarina, mas não cabe a nós solucionar isso.

Após minutos sem dizer nada, recebi uma notificação de uma briga de bar. Quando paramos, já podíamos visualizar os dois infratores discutindo, e em suas mãos uma garrafa de vidro quebrada.

Não esperei que Henrique saísse do carro, fui a primeira a entrar no estabelecimento. Eu estava estressada e cansada para tentar resolver de uma forma tranquila, e sem usar qualquer palavreado rebuscado, ordenei:

— Larguem essas garrafas e coloquem suas mãos atrás das costas.

Percebi que um deles se assustou com minha presença e ao invés de largar a garrafa foi para cima do outro. Movi-me rapidamente, fazendo com que a garrafa caísse no chão, mobilizei esse com uma mão e permaneci apontando minha arma em sua direção. E com a ajuda de minhas pernas pisei sobre o peito do outro que estava no chão.

— Sempre tão impaciente — Henrique falou colocando as algemas no que estava em pé. Tirei meus pés de cima do outro e também o algemei.

Era isso que fazíamos: levamos para deporem na delegacia e os deixamos algum tempo na cela até serem liberado - ou até alguém os socorrer.

— Poderia estar investigando algum crime, solucionando casos esquecidos, fazendo com que as famílias tivessem uma resposta, porém olha só o que estou fazendo? — empurrei um dos infratores para dentro da viatura. — Estou tendo que resolver briga de homens que não sabem beber.

— Acho que eles sabem beber até demais. Entretanto, não sabem aproveitar e ficam discutindo assuntos banais.

— Por que vocês estavam discutindo? — questionei olhando para eles pelo retrovisor.

— Ele roubou minha bebida — respondeu um deles.

— Oh, sério? — perguntei sarcasticamente. — Uau, é realmente algo para se preocupar. É melhor me preocupar com um roubo de bebida do que com um assassino em série, ou com o depoimento de uma criança que jura que a morte não foi suicídio.

— Melhor parar com esse assunto — sugeriu Henrique, estacionando o carro de volta a delegacia.

— Eu sei que pareço ser chata, mas é um assunto importante para mim.

— Eu vejo isso, Catarina, mesmo que você não nos diga sobre o que se trata, eu sei que é importante. Não estamos menosprezando o assunto, muito menos você.

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