Natasha Lewis
O dia começou em um frenesi que não me dava espaço para dúvidas. Se eu ia fazer isso, precisava fazer bem. Era a primeira vez em anos que tomava as rédeas da situação, decidida a conquistar algo — ou alguém — pelo meu próprio esforço. Madruguei no shopping, observando as vitrines com mais determinação do que nunca. Cada peça que escolhi fazia parte de um plano calculado. A máscara preta foi a primeira: simples, mas elegante, cobrindo boa parte do rosto, o suficiente para me proteger e, ao mesmo tempo, provocar curiosidade. Em seguida, lingeries ousadas em preto e vermelho, meias 7/8 com renda, cinta-liga, mini saias que mal passavam da coxa. Saltos pretos de tirar o fôlego. Até os batons escarlates, que eu quase nunca usava, encontraram espaço nas inúmeras sacolas que estava comigo A tarde foi dedicada à preparação. A manicure transformou minhas unhas em armas vermelhas, afiadas e brilhantes. No salão, meus cabelos ganharam um brilho sedutor com a hidratação, caindo em ondas perfeitamente alinhadas. Agora, de volta ao quartinho abafado da The Beats, terminava a maquiagem com dedos trêmulos. A ansiedade era um misto de nervosismo e excitação. Passei o delineador com cuidado, criando um olhar felino que parecia dizer: Você me quer, mas nunca poderá me ter completamente. — Cacete, você tá muito gostosa. — A voz de Pérola me tirou do transe. Ela estava parada na porta, os olhos fixos em mim. Meu reflexo no espelho parecia pertencer a outra mulher. A lingerie preta, o espartilho justo, as meias delicadas seguradas pela cinta-liga. Eu não era Natasha. Eu era Ruby. — Obrigada. — Murmurei, tentando parecer confiante. — Como foi o show? — Perguntei, tentando desviar o foco da conversa. — O de sempre. — Ela deu de ombros, mas seu tom era carregado de cansaço. Seus olhos vagaram pelo meu reflexo antes de acrescentar: — Você é corajosa. A observação me pegou desprevenida. — Por quê? — Perguntei, encarando-a pelo espelho. — Dançar assim, só de lingerie. — Ela disse, com um toque de admiração misturado a desconforto. — Não diria corajosa. — Ri de leve, tentando disfarçar o nervosismo. — Cada um tem seus motivos. — Ela respondeu, baixando os olhos enquanto começava a remover a maquiagem. Antes que eu pudesse responder, a voz do locutor ecoou pelo clube, carregada de expectativa: — Senhores, deem as boas-vindas à novidade da noite: Ruby! Meu coração disparou. Era a minha deixa. Ajustei a máscara, soltei os cabelos, e caminhei até o palco. O corredor estreito parecia mais longo do que nunca, e cada passo meu parecia ecoar no silêncio da minha mente. Assim que pisei no palco, o mundo ao meu redor desapareceu. Virei de costas para o público, permitindo que a expectativa crescesse. O baixo da música começou, uma batida lenta e sensual que parecia sincronizada com os batimentos do meu coração. Quando me virei, procurei um ponto seguro para repousar os olhos. Mas meu olhar encontrou o dele. Xavier. A surpresa estampada em seu rosto foi o que precisei para assumir o controle. Meu lábio se curvou em um sorriso que não era meu, mas de Ruby. Seus olhos encontraram os meus antes de deslizar lentamente pelo meu corpo, e naquele instante, eu soube que ele estava exatamente onde eu queria: hipnotizado. Xavier Alcântara O uísque estava gelado em minha mão, mas minha atenção já não estava nele. A loira ao meu lado era bonita, sem dúvida. Ria alto, inclinando-se para mim de forma exagerada, o tipo de comportamento que normalmente funcionava. Mas naquela noite, algo parecia deslocado. O anúncio de uma nova dançarina chamou minha atenção. Ruby. Um nome curto, direto, que prometia ser inesquecível. Quando ela entrou no palco, de costas, a conversa morreu no bar. Todos os olhos estavam nela, incluindo os meus. A luz única que a iluminava revelava o contorno perfeito de seu corpo. Quando ela se virou, o tempo pareceu parar. Ruby olhou diretamente para mim, como se soubesse exatamente onde eu estava. O sorriso que se formou em seus lábios foi devastador. Eu estava perdido. A loira ao meu lado? Esquecida. Nada mais no bar existia, exceto aquela mulher no palco. Seus movimentos eram precisos, calculados para provocar. Os quadris seguiam o ritmo da música, os longos cabelos dançavam no ar, e a forma como ela mordia os lábios era suficiente para me fazer esquecer o mundo. Quando a música terminou, ela desapareceu tão rapidamente quanto havia aparecido, deixando um rastro de frustração e desejo. Eu sabia de uma coisa: precisava encontrá-la. Natasha Lewis De volta ao quartinho, o calor ainda queimava em minhas bochechas. A adrenalina estava alta, mas eu sabia que não poderia ficar ali por muito tempo. Fui até o banheiro, removendo a maquiagem e lavando o rosto. Era como tirar a máscara antes mesmo de removê-la. Quando saí, Serginho estava lá, junto com Pérola, que me olhou com um sorriso meio cético. — Parece que adivinhou que alguém viria atrás de você. — Ela comentou, com um tom desconfiado. — Só quis garantir minha privacidade. — Respondi, dando de ombros enquanto pegava minha bolsa e colocava um sobretudo por cima da lingerie. — Você foi um sucesso. Pode voltar na semana que vem. — Serginho disse, estendendo o dinheiro. Peguei o cachê sem hesitar. — Certo. Estou indo. — Respondi, olhando para Pérola. — Eu também. — Ela disse, levantando-se. Saímos juntas pela porta dos fundos. A noite estava fria, mas o ar fresco foi bem-vindo depois da atmosfera abafada do clube. — Você tem como ir embora? — Perguntei, notando que ela estava distraída com o celular. — Vou chamar um Uber. — Ela respondeu, mexendo no aplicativo. — Posso te dar uma carona. — Ofereci, e ela hesitou por um momento antes de aceitar. No carro, o silêncio era pesado. Pérola parecia perdida em pensamentos, e eu me perguntava se ela estava arrependida de estar ali. — Você não gosta muito de dançar lá, né? — Perguntei, quebrando o silêncio. — É só por necessidade. — Ela suspirou. — Mas continuo sem entender por que alguém como você faria isso. Hesitei antes de responder, mas percebi que ela não estava me julgando. — É por um cara. — Admiti, desviando os olhos da estrada por um instante. Ela me olhou, surpresa, mas depois sorriu levemente. — Algumas pessoas fazem loucuras por amor. Só espero que ele valha a pena. As palavras dela ecoaram na minha cabeça enquanto estacionava na frente da casa dela. — Muito obrigada. Boa noite. — Ela disse, saindo do carro. — Boa noite. — Respondi, observando-a entrar antes de dar partida novamente. A estrada até minha casa era curta, mas parecia interminável. Cada palavra de Pérola se repetia como um mantra: "Só espero que ele valha a pena." Será que Xavier realmente valia a pena?