9º Capítulo: A História de Estrela

         Com dois anos de idade, Estrela foi morar no bairro Santo Antônio, próximo à avenida Júlio de Castilho, com a sua família. A casa era pequena com dois quartos, possuía uma pequena árvore na entrada, mas que cobria a casa com uma sombra, onde era possível às vezes colocar uma cadeira de praia na frente e ficar sentada conversando com a vizinha ao lado, a única que de fato conheciam. Estrela poucas vezes saia, ia para escola, para natação, para igreja ou para jogar vídeo game com Lilian, a filha da vizinha. Estrela quase sempre perdia para Lilian. Lilian não gostava de brincar de boneca, então, Estrela brincava de boneca sozinha. Estrela possuía sonhos incomuns, na infância queria conhecer a Inglaterra, o País de Gales ou a Escócia. E quem sabe, a rainha!      

          − Por que você quer conhecer uma velha? Perguntou Lilian certa vez.

          − Hum. Porque eu gosto da coroa dela.  Respondeu Estrela, risonha.

          − Você é estranha. Disse Lilian com desdém.

          − E quem não é? Estrela foi perspicaz.

          Estrela achava que o tempo passava muito devagar e, por vezes gostava mais das conversas dos adultos do que de crianças da sua idade. Ela prestava muita atenção nas histórias que os adultos sempre contavam. Na escola ia para sala dos professores com a desculpa que queria conversar, quando na verdade queria ouvir o que eles conversavam. A professora Jandira fora criada na fazenda, ajudando a mãe a fazer comida para os peões... A professora Irene não gostava de lecionar, pois ela era musicista e, o seu sonho era fazer parte de uma Orquestra Sinfônica... Já o professor Diego era apaixonado pela profissão, não a trocaria por nada, contudo, gostava também de tocar guitarra e, fazia parte de uma banda de rock alternativo, onde ele era o vocalista, dividia-se entre a sala de aula e a música... A coordenadora pedagógica era mandona, onde não aceitava a opinião de ninguém, daí os professores torciam para que ela logo saísse do cargo, além de sempre mencionar como a ex-coordenadora era melhor... E dentre tantas histórias que ela ouvia na sala dos professores. 

          Estrela foi se afeiçoando a leitura, tudo porque certo dia, quando entrou em uma livraria e papelaria dentro de um shopping com a sua mãe que havia ido comprar algumas canetas, enquanto a sua mãe estava na fila do caixa para pagar a sua compra, ela foi numa parte que estava repleto de romances, e viu um homem por volta dos seus quarentas anos de idade, sentado em um sofá lendo um livro, ele estava tão concentrado, num certo momento sorriu. Estrela perguntou-se o que havia de tão incrível naquele livro?! Foi rapidamente com a sua mãe pedir para que ela lhe comprasse um, e, então, descobrir o segredo contido no livro.

          − Filha, não dar, vamos deixar para outro dia quando viermos ao shopping de novo. 

          Ametista odiava quando Estrela fazia isso, de lhe pedir as coisas na frente dos outros. E aliás, Estrela sempre queria algo novo, muitas vezes o que o dinheiro da família não conseguia arcar. Ametista não achava saudável encher uma criança de mimos. Contudo, ali estava a sua filha lhe pedindo um livro. Estrela pediu tanto, que resolveu ceder para não passar vergonha na frente dos outros. 

          − Escolha um, mas que não seja muito caro. 

          Ametista ficou pasma quando Estrela escolheu um livro de ficção científica para adultos. 

          − Não filha, tem que ser um livro para crianças. 

          − Mas eu quero esse. Disse Estrela quase chorando. 

          Ametista, então, pegou Estrela pelo braço e a conduziu até a sessão de livros infantis. Ametista nunca fora uma devoradora de livros, no entanto, tinha um pouco de conhecimento de algumas obras, daquelas que são bem famosas mesmo, que você encontra citações em vários lugares. 

         − Olha esse. É a história de um príncipe. 

         O Pequeno Príncipe, nada melhor do que um principezinho que voava entre as estrelas. Esse seria um dos primeiros livros que Estrela leria, pois ela viria a tornar-se uma leitora assídua. Entretanto, não somente livros, como filmes e series. A infância e a adolescência de Estrela seria marcada por os momentos profícuos lendo ficção.

         Com dez anos Estrela já tinha uma pequena coleção, não tantos quanto queria, porém, o suficiente para o mundo que havia dentro dela. E Estrela não ficou somente nisso, foi com essa idade que começou a criar as suas próprias histórias... contadas na sua mente. Com onze anos começou a contar para os seus colegas da escola, amigos da igreja, para os primos. A fantasia corria solta na mente de Estrela, ela gostava de quase todos os gêneros literários e de filmes. Até que um dia a sua avó Orquídea veio morar com família, em Campo Grande, porque a idade já não a permitia morar sozinha, em Corumbá. Sendo que todos os filhos haviam ido embora da cidade.

         Contudo, tão logo essa que já morava sozinha já fazia um tempo, não conseguiria morar com ninguém. A adaptação de Orquídea em Campo Grande morando próxima foi gradual e, cheia de conflitos.

         Com a mudança de patente de Pedro, Ametista e o marido puderam comprar uma casa melhor, ou melhor dizendo, um apartamento no bairro Amambaí.

         Estrela olhava para a casa vazia, e, para algumas caixas que ainda restava no chão, enquanto os carregadores levavam até o caminhão. Cada canto da casa era uma recordação da casa que morou durante anos, que fizera parte da sua história, através dos livros e filmes ela aprendeu que um dia haveriam lembranças que ficaria arraigada na sua mente por um bom tempo, talvez até o final da vida e, ela contaria tudo isso para os seus netos. Ela ficou por um momento debaixo da árvore onde costumava tomar tereré com a vizinha, no bairro Santo Antônio, então, foi embora com uma saudade e, com a ansiedade de conhecer a nova residência. 

         Com a mudança da família para outro bairro, Estrela precisou mudar de escola, o que inicialmente não foi nada legal, pois não conhecia ninguém. Só entrava na sala e, se encolhia. Quando Estrela revelou como se chamava, todos os colegas gostaram do seu nome e, acharam original, no entanto, quando souberam do nome da mãe e da avó, ela virou motivo para gozação. 

         − Vó flor, mãe pedra, filha cometa. Disse uma colega com um sorrio malicioso, ele sempre usava sempre a mesma calça jeans larga porque acreditava que estava arrasando. 

          Daí a rima idiota virou música para os outros colegas durante um bom tempo. Um dia Estrela chegou chorando em casa e, disse para Ametista:

          − Não vou voltar naquela escola nunca mais. E jogou-se na cama. 

          Quando Ametista soube do ocorrido, só disse:

          − Não liga para isso, minha filha. 

          Ametista naquele momento não se recordou que um dia com ela ocorreu a mesma coisa na escola. 

          Na pequena escola particular, Estrela não se ambientou muito bem, e não conheceu nenhuma vizinha para brincar; aos poucos a amizade com Lilian e com outros antigos colegas foram ficando no passado. Então, o seu refúgio para conseguir novas amizades passou a ser a internet. 

          Com a venda da casa da avó de Estrela, em Corumbá, foi possível fazer uma casinha para ela no quintal dos pais de Pedro, que moravam próximo a Júlio de Castilho também. Para que ela não ficasse sempre sozinha. Apenas uma sala, uma cozinha americana, um quarto e um banheiro. Era perfeito para uma senhora viúva. Apesar de Orquídea ter rezingado muito com a mudança. Com o tempo acostumou-se a nova vida numa pequena casa. Não gostava de pedir favores para Pedro, que reclamava se tivesse que levar a sogra ao médico, daí a briga entre Amestisa e Pedro ocorria, porque Amestista reclamava da omissão de Pedro. Era o tempo que a senhorinha se zangava e, pegava um táxi e ia sozinha a consulta. Dizia ela: “As pessoas de hoje em dia não gostam de velhos, principalmente os mais jovens... um jovem não entende um velho”. 

          Orquídea se enturmou com as amigas da paróquia do bairro, e através desses também começou a participar de um grupo da terceira idade. Porém, vez ou outra ela se desentendia com alguém do grupo e, por estar insatisfeita deixava de frequentar e, se isolava em casa, assistindo TV, principalmente novelas e noticiários. Ametista insistia para ela voltar, mas não havia quem convencesse Orquídea a fazer isso, até que certo dia sem mais nem menos, ela voltava a participar e, os cafés na casa das amigas passavam a ser constantes outra vez. Ametista sentia-se aliviada, pois a mãe ocupada, não interrompia Estrela nos estudos com suas conversas rotineiras e constantes, pois Orquídea, como a maioria dos idosos sentia vontade de conversar o dia inteiro, recordando-se do passado. Ametista sabia que isso incomodava a filha, e ficava até zangada quando Orquídea dizia “Essa menina vive no Mundo da Lua e na internet”. Estrela pensava consigo “talvez porque o mundo atual exija isso”.

         Estrela sentia vontade certas vezes de discutir com a avó, todavia, logo via o olhar de reprovação de Ametista distante dizendo sem falar “não discuta”. E Estrela sabia que Orquídea estava certa, a imaginação da menina viajava distante, sem se preocupar com questões externas, e nem com que Orquídea lhe dizia. 

         Nessa época, Estrela amava ler trilogias, como O Senhor dos Anéis ou os livros da Nora Roberts. Participava de grupos na internet, onde discutiam seriamente sobre o assunto. Porém, ela também gostava de tragédias como as de Shakespeare ou Tristão e Isolda, mesmo que a primeira vez que tenha lido não compreendeu muita coisa, mas aos poucos conforme ela crescia tudo começava a fazer sentido na sua mente. Robson Crusoé era um dos seus preferidos, ela chegou a dizer certa vez ao seu pai que queria naufragar numa ilha como o personagem principal, o que fez Pedro indagar durante horas Estrela se ela tinha ideia sobre o que estava dizendo, até que Ametista se meteu na conversa quando notou que os Estrela estavam marejados de lágrimas. Ametista sempre que podia comprava um livro para Estrela e, achava natural a filha envolver-se tanto com esse mundo de fantasia, porém, Pedro via com desdém, e achava que isso era maluquice da filha. 

         Os filmes a envolviam, chegou a pensar certa vez que queria ser cineasta, porém, logo a paixão foi-se embora. Houve uma época em que Estrela amava contar histórias de terror para os primos, que se tornavam amedrontados. Certa vez um dos seus primos de tanto pavor não dormiu a noite. Então, Estrela sentiu-se culpada por tamanho pavor que causou no primo e decidiu lhe contar outra história, mas não de terror. 

         Quando Estrela completou quatorze anos de idade recordou-se de olhar-se no espelho e pensar como era feia, até que certo dia um garoto tão lindo, que possuía um par de olhos verdes, enquanto ela passava no corredor na escola a fitou, olhou tão fixamente para o seu rosto e disse “que cabelos lindos você tem”. Estrela que se sentia diferente das outras colegas, porque ainda não havia desenvolvido o corpo tanto quanto elas, olhou para aquele menino tão lindo, sentiu-se a garota mais linda da face da terra. Desse dia em diante, todo intervalo da aula, Estrela ficava no mesmo lugar do corredor esperando ele passar para lhe olhar nos olhos, até que certo dia... Ele sorriu e disse “oi”. Depois, ela ansiou ver aquele rostinho bonito outra vez. Estrela já havia lido inúmeros livros sobre paixão, ela sabia que as pessoas pensavam vinte e quatro horas quando estão apaixonadas, tudo que viam lembrava a pessoa, o coração batia acelerado, mãos suadas... Ela não pensava naquele garoto vinte e quatro horas por dia, nem tudo lembrava ele. Então, será o que ela estava sentindo era paixão? Certo dia conversou com uma de suas amigas que havia conhecido na sala de bate-papo que discute filmes e séries, então, essa lhe afirmou que isso era paixão, porque segundo a mesma, o que Estrela sentia pelo menino, era o que sentia pelo namorado. 

         Estrela também passou a usar batom e rímel nos olhos, para impressionar o menino. Ametista ficou feliz em ver que a feminidade da filha aflorando. Estrela sentia que a maquiagem nela não ficava tão bem nela quanto nas outras meninas, até que um dia Orquídea lhe disse: 

         − Está parecendo menos anêmica. Fica mais bonita assim. Estrela sentiu-se zangada com a avó, ao mesmo tempo que se sentiu bela pela primeira vez.

         Estrela passava pelo Horto Florestal quando viu que as flores próximas ao banco haviam florescido, ela entrou para registrar algumas fotos. Ela usava uma bermuda, uma camiseta, tênis, pouca maquiagem, somente batom nos lábios, mais um colar lindo com um pingente de estrela que havia ganhado dos seus padrinhos. Ela tocou o colar e, pensou como sempre amara o seu nome e, agora também os seus cabelos loiros e cacheados que usava quase sempre soltos.

          Ela sentou-se em um dos bancos e ficou olhando as fotos, amava a natureza e, se possível gostaria de casar-se com um homem que amasse a natureza também. Estrela tinha um cachorro chamado Leão, porque ele, da raça Lowchen, parecia um leão. Ele dormia com ela na ponta da sua cama, tendo que Estrela às vezes colocar os seus pés em cima dele. 

           E quantos anos gostaria de casar-se? Ela nunca havia pensado sobre isso antes. Quem sabe com trinta! Já havia ouvido que esta era a idade certa, estabilidade profissional e maturidade para ter filhos. Ela olhou para as flores e imaginou uma história. Enquanto criava na sua mente, ela ouviu alguém lhe chamar: “Estrela, Estrela...”. Ela olhou espantada e disse: “oi!”. Olhou para frente um cachorrinho poodle veio na sua direção, e começou a cheirar o seu tênis. Então, veio o seu dono, um rapaz tatuado sorrindo: “desculpa, moça!”. E pegou a cachorrinha peluda e traquinas. Quando olhou para o lado, duas crianças riam dela. 

          − Af! Levantou-se e pegou a Avenida Ernesto Geisel, para seguir para a sua casa.  

          Estrela era o nome da cachorrinha.

          Um dia o garoto da escola finalmente conversou com ela e, não foi porque se cruzaram no corredor, porém, porque um dia ele sentou-se ao seu lado, por causa de uma palestra no pátio. O nome dele era Victor, era bonitinho, entendia muito sobre basquete e tênis, e definitivamente não gostava de ler; mas gostava de filmes e séries assim como Estrela e a maioria dos seus colegas, contudo, não os mesmos que ela gostava. Ele não era exatamente o garoto dos seus sonhos, mas tinha um jeito tão lindo de jogar os cabelos para trás e, jogava basquete muito bem. Só que Estrela teve impressão que agora ele lhe parecia menos bonito que antes.  

          Sim, a partir daquele momento eles começaram a se conhecer. Victor parecia certas vezes tão exibido, mas Estrela não se importava, pois nunca tivera um namorado, ela nem sabia ao certo no decorrer que eles estavam se conhecendo o que eles realmente eram um para o outro. Então, com vergonha de dizer para mãe que estava saindo com um garoto, ela somente dizia que ia sair com amigos, os que Amestista já conhecia. 

          Ametista estava acostumando-se a ver a filha saindo com os amigos que amavam trilogias de filmes ou mesmo de mangá, ou amigos aficionados por biografias de escritores famosos. E todos Estrela havia conhecido na internet. Amestista havia ouvido muitos casos de pedófilos e sociopatas que atuavam na internet. Temia pela sua filha. No entanto, sabia da dificuldade que Estrela tinha de fazer amizade na escola e nos últimos tempos deixara de participar do grupo da igreja, assim, encontrava mais afinidade em pessoas distante dela.

          Certo dia, Estrela tomou coragem e, simplesmente disse que estava saindo com um amigo da escola. Ametista sentiu-se aliviada, pois não era um de seus amigos virtuais, ela não viu problema algum. Obviamente que houve uma pontinha de dúvida na sua mente, pois como mãe ela sempre se preocupava com a sua filha única. Contudo, recordou-se do namoradinho Ciro, um namoro inocente, de duas pessoas que estavam descobrindo o amor romântico. Riu enquanto recordava-se.

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