— Viviane? Você também está aqui? — Olhei para trás e vi Catarina, a médica do hospital da alcateia, com expressão preocupada. — Você tem...
Antes que ela terminasse, eu interrompi. Não queria que ninguém soubesse que minha vida estava por um fio, especialmente Davi. Se ele soubesse, pensaria que eu estava fingindo estar doente para chamar sua atenção, e isso só aumentaria seu desprezo por mim. Logo eu partiria, não queria mais discutir com ele.
— Eu... eu estou acompanhando o José na competição esportiva. — Falei, olhando para Catarina de forma contida, puxando José comigo, ansiosa para sair.
— Viviane, seu companheiro não está com você aqui de novo? — Disse Catarina, com o rosto cheio de compaixão.
Eu sempre ia sozinha às consultas. Era realmente uma situação lamentável.
Davi, ao ouvir, desviou o olhar instintivamente.
— Meu companheiro saiu da alcateia há muitos anos. Ele está bastante ocupado, sem tempo para cuidar de mim ou de José. — Sorri de maneira contida, tentando parecer leve:
Davi, ao ouvir isso, olhou para mim com surpresa, como se não esperasse minha compreensão e o fato de eu esconder a verdade por ele. Seu olhar carregou um pouco de ternura e culpa. Ele se lembrou de todos os anos de frieza comigo e de negligência com nosso filho, e seu coração se encheu de arrependimento. Ele me olhou de forma significativa. A imagem de mim, cheia de artimanhas e calculista, que ele tinha guardado durante todos esses anos, já havia mudado.
Ele planejava arranjar um tempo para ter uma conversa séria comigo. Se eu reconhecesse meus erros passados e prometesse ser mais bondosa e sincera no futuro, ele consideraria revelar minha identidade como Luna.
Enquanto eu mergulhava em tristeza, José apertou minha mão.
— Mesmo que papai não esteja aqui, o amor da mamãe por mim não diminuiu nem um pouco. Ter a mamãe comigo é suficiente. Não vou incomodar o papai.
Ao ouvir isso, meus olhos se arregalaram. Vi José cabisbaixo, com o rosto tomado pela tristeza.
Davi olhou para ele e mostrou um leve sorriso de aprovação. Ele achou admirável a maturidade de José, sem perceber o desespero profundo nos olhos do filho.
O olhar de Davi para mim também transmitia satisfação, ele parecia contente por eu ter ensinado o nosso filho a ser tão consciente e sensato. A culpa o corroía por dentro, ele não deveria ter tratado José daquela forma. Ele era apenas uma criança. O que ele fez? Ele empurrou o próprio filho e fingiu indiferença.
Enquanto nos preparávamos para sair, Davi sentiu uma angústia intensa. Percebeu que o olhar de José era de decepção, não mais de adoração. Sentiu uma dor aguda no peito, como se tivesse perdido algo muito importante, como se nunca tivesse conhecido o próprio filho.
— Viviane, o que aconteceu com José? Por que ele disse algo assim? — Perguntou, preocupado.
Não respondi. Segurei José e nos dirigimos aos assentos dos espectadores.
Nós nos sentamos na plateia e ele permaneceu abatido.
Quando chegou o momento da premiação, a professora anunciou que José havia conquistado o primeiro lugar na competição de caça e pediu para ele subir ao palco. Mas José recusou-se. O regulamento exigia que o prêmio fosse entregue por seu pai, e seu pai não estava lá.
Após a cerimônia, pai e filho deveriam posar para fotos juntos, o que tornava tudo ainda mais cruel.
Davi sempre se recusou a reconhecer José como seu filho, e professores e colegas sabiam que seu pai vivia no território do norte, sem voltar à alcateia há anos. Mas a verdade era que seu pai estava ali, assistindo à competição acompanhado de outro filhote.
Após a competição, fui embora com José. Ao chegarmos à entrada, encontramos Davi esperando.
Ele estava fumando, pensativo, caminhando devagar de um lado para o outro, com um sorvete quase derretendo nas mãos.
José o viu, mas, pela primeira vez, não correu para os seus braços. Ficou parado, como se estivesse observando um estranho.
— Coma logo, vai derreter. — Disse Davi, aproximando-se rapidamente e estendendo o sorvete a José.
Acariciou sua cabeça de forma quase suplicante, tentando confortá-lo. José hesitou, mas pegou o sorvete. Sua sobrancelha, que tinha passado o dia franzida, finalmente relaxou.
Davi então se aproximou de mim, com a expressão de preocupação.
— Viviane, Lucas quer participar da competição infantil de caça, mas, para isso, ele precisava ter vencido na categoria júnior. Ele não ficou entre os três primeiros, mas José conquistou o primeiro lugar. Pelo que sei, José não pretende participar da categoria infantil. Então podemos ceder a vaga dele para o Lucas?
José, surpreso, deixou o sorvete cair. Ele não esperava que o gesto de Davi de esperar por ele e lhe trazer o sorvete não fosse por arrependimento ou culpa, mas apenas para ceder sua vaga na competição.
— Tio Davi, se o Lucas quer, eu deixo para ele. De qualquer forma, não vou precisar da vaga... — José olhou seriamente para Davi.
Davi fixou o olhar em José, percebendo algo estranho nas palavras do filho. Mas, antes que pudesse perguntar, seu telefone tocou.
— Davi, Lucas está com febre. Estamos na sala de fisioterapia. — Disse Sofia, do outro lado.
— Não se preocupe. Esperem por mim, chego rápido. — Ele respondeu.
Antes que Sofia pudesse terminar, Davi correu para o estacionamento, nos abandonando.
Quando passou de carro por nós, José gritou:
— Papai, tchau!
Ao ouvir, Davi parou abruptamente. Olhou para José e, por um instante, imaginei que ele iria ficar. Mas, no segundo seguinte, arrancou o carro.
— Voltem cedo para casa. Tenho algo para dizer a vocês. — Disse.
E desapareceu.
Naquele dia, ao ouvir José chamá-lo de "papai", ele não se irritou. Talvez tivesse percebido que era a última vez que ouviria isso.
À noite, eu e José fomos para o aeroporto. Levamos apenas roupas básicas, não precisávamos de mais nada.
Quando o avião estava prestes a decolar, enviei a Davi uma última mensagem:
[Nosso relacionamento termina aqui. Até nunca mais.]