(Ponto de Vista de Aria)
Uma semana depois, o mordomo Beta trouxe Mason e Maya de volta à casa principal, após o fim do acampamento de treinamento.
Os dois filhotes invadiram a casa e correram direto para a cozinha, com os rostinhos iluminados pelo orgulho e pela vontade de se exibir.
— Mamãe! — Gritou Maya, cheia de alegria. — Você sabia? A titia Isabella torceu o tornozelo enquanto liderava nossa provação, e o papai ficou tão preocupado!
Mason completou com entusiasmo, com o tom carregado de adoração por Isabella e desprezo por mim:
— O papai chamou toda a equipe médica da alcateia e ele mesmo limpou o ferimento da titia Isabella, aplicou o bálsamo de orvalho lunar mais precioso! Até adiou uma reunião emergencial da alcateia só para ficar ao lado dela, acalmando-a com seu cheiro de Alfa!
Permaneci diante do forno, ouvindo em silêncio as provocações irritantes dos filhotes, enquanto colocava lentamente as luvas térmicas.
— Mamãe, você está nos ouvindo? — Maya bateu o pé, impaciente, provocando um baque surdo. — O papai é tão melhor com a titia Isabella do que com você…
O timer do forno emitiu um som suave, cortando a ladainha naquele instante.
Ao mesmo tempo, um aroma forte e doce de mel com aveia espalhou-se pela cozinha.
Os olhos dos dois se acenderam de imediato.
E sentindo o cheiro com entusiasmo, correram para perto.
— Bolinhos de aveia com mel! — Exclamou Mason, ficando na ponta dos pés para tentar enxergar a assadeira. — É a oferenda tradicional do Festival da Lua Cheia! Eu quero!
Ao retirar a assadeira do forno, notei vários bolinhos dourados sobre ela, mas um, em especial, chamava atenção por estar com a borda queimada e a forma torta.
Franzi o cenho e, sem hesitar, descartei o bolinho no lixo ao lado.
— Ah! — Gritou Maya, a voz aguda e estridente. — Por que jogou fora? Esse era um presente da Deusa da Lua!
— Estava com a borda queimada e o formato errado. Sendo assim, não poderia ser oferecido à Deusa da Lua, nem aproveitado de outra forma. — Expliquei com calma. Era uma tradição da alcateia.
— Está mentindo pra gente! — Gritou Mason, esticando a patinha, furioso, prestes a chutar o lixo.
No entanto, acabou se queimando levemente e recuou de imediato, lançando um olhar ainda mais feroz.
— Você fez de propósito! Só porque gostamos mais da titia Isabella, está com ciúmes e não quer nos dar bolinhos! É uma mãe horrível! Não merece o dom de cura!
O rosto de Maya ficou rubro, revelando até traços de um rosnado lupino.
— Nossa alcateia não tem uma mãe como você! A Deusa da Lua também não vai te abençoar!
Enquanto tirava as luvas, uma sensação sufocante me invadiu, como se uma garra invisível de lobo apertasse meu coração com força implacável.
Ainda que a dor do vínculo de companheirismo fosse intensa no passado, agora ela havia se tornado estranhamente entorpecida…
Então, olhei para aqueles dois filhotes, nascidos do meu corpo, formados com meu sangue e minha alma, e, apesar disso, eles se mostravam tão frios, tão distantes, tão impiedosos quanto qualquer estranho.
— Ótimo. — Murmurei. — Eu também não tenho filhotes como vocês.
— A partir de agora, vão procurar sua perfeita titia Isabella. Que ela faça os bolinhos de aveia com mel que agradam a Deusa da Lua.
Sem lhes dirigir mais um olhar, virei-me em direção às escadas que levavam ao meu quarto lateral.
Atrás de mim, vieram os gritos histéricos e os rosnados ameaçadores dos filhotes.
— A gente te odeia! E vai ser para sempre! Vamos contar para o papai que você insultou a Deusa da Lua!
Minhas pernas vacilaram por um breve instante, contudo permaneci firme, sem me virar.
No exato momento em que meu pé tocou o terceiro degrau, uma força brutal me empurrou com violência por trás…
— Morra! Ômega inútil! Você não serve pra ser Luna! — Rugiu Mason, tomado pelo ódio.
De forma repentina, ele se transformou em sua forma lupina de filhote e me golpeou com a cabeça, fazendo tudo girar à minha volta.
O impacto foi tão forte que perdi o equilíbrio e caí do topo da escada, que era alta e perigosa.
A dor que percorreu meu corpo foi lancinante, e o sangue quente de loba que escorria da minha testa embaçou minha visão.
No alto, os dois filhotes, ainda semi-transformados, me observavam com sorrisos distorcidos e cruéis, sem qualquer traço de arrependimento.
— Bem feito! — Gritou Maya, com a voz estridente, repleta de satisfação.
— Isso é o que você ganha por não dar os bolinhos perfeitos! É o que merece por magoar a titia Isabella! — Rosnou Mason, mostrando os dentes de lobo.
Tentei me levantar, porém a dor aguda nas costas me impediu de mover o corpo.
Enquanto isso, o sangue escorria até meu queixo, pingando e manchando o piso frio.
Encarei aqueles dois demônios em forma de filhotes, sem conseguir associá-los às criaturas frágeis que, um dia, nutri no ventre, alimentei noite e dia com meu dom de cura e pelas quais lutei incansavelmente para trazer ao mundo.
Foi então que a porta principal da casa se escancarou de repente.
— O que está acontecendo? Que barulheira é essa!
A voz baixa de Ethan soou, carregada de irritação.
Atrás dele vinha Isabella, com um sorriso doce nos lábios.
Assim que viram a cena diante deles, os lobos congelaram.
— Papai! — Os dois filhotes deixaram cair o teatro feroz num piscar de olhos, voltando à forma humana e correndo para os braços de Ethan, chorando. — A mamãe... A mamãe jogou fora os bolinhos da Deusa da Lua, não deixou a gente comer e ainda disse... Disse que não quer mais a gente, buááá!
O olhar de Ethan recaiu primeiro sobre o bolinho queimado no lixo, depois se voltou para mim, ensanguentada e arrasada.
— Aria, qual era a necessidade de implicar com dois filhotes? Eles são apenas crianças!
A voz dele estava gelada, me julgando.
— Dizer esse tipo de coisa para os próprios filhotes, a ponto de machucá-los… Como pode, ainda assim, se considerar uma mãe?
Com dificuldade, apoiei-me na parede gelada e me levantei lentamente, sentindo o esforço pesar sobre cada músculo.
O sangue, por sua vez, escorria e manchava meu vestido de vermelho.
Então, encarei Ethan. Aquele rosto belo, mas indiferente, estava ali diante de mim... E, de repente, sorri.
— Aos seus olhos, eu nunca fui digna de nada.
Minha voz saiu fraca por causa da perda de sangue, mas mais clara do que nunca.
— Agora eu entendo… Eu entendo meu lugar nesta alcateia.
As pupilas de Ethan se contraíram, como se não esperasse tamanha franqueza.
— Já que a Luna que você quer é Isabella. — Limpei o sangue do rosto.
A cada palavra, a dor no peito aumentava.
— E já que os filhotes só querem ela como mãe, então eu me retiro. Assim, sua família Alfa perfeita ficará completa.
Diante do meu comentário, o ar pareceu congelar no mesmo instante…
Como se até o vento tivesse parado de soprar.