Coração de Dragão: Chamas do Amanhecer
Coração de Dragão: Chamas do Amanhecer
Por: Pietro Pendragon
Parte 1, Ovo Chocado. Capítulo 0: Amanhecer da nova chama

                                              Parte 1: Ovo chocado

                                        0: Amanhecer da nova chama

         As montanhas de Abraghon, longe, longe do mais próximo reino habitado por quaisquer humanos ou qualquer outra raça pensante e consciente que pudesse existir no mundo, cobertas da neve mais pura e branca que podia existir. As muitas rochas abaixo, um dos poucos tipos de objetos a quebrar o clima de puro branco da neve constante, que se espalhavam pela longa extensão de chão que havia, e eram por vezes pontiagudas, espalhadas e postas de forma que parecia que alguém havia as colocado ali. Pouquíssima, ou nenhuma vegetação podia ser vista em vários e vários quilômetros da planície coberta de gelo, neve, rochas e, vez ou outra, escombros do que parecia ter sido um antigo castelo de um principado.

            Poucas formas de vida se aventuravam por ali. Animais selvagens apareciam de vez em quando, buscando fuçar a sujeira da terra ou a neve em busca de alimento, ou em busca de um animal mais fraco para se alimentarem mas raramente ficavam muito tempo, e logo se iam.

            Sempre nevava do topo das montanhas, sempre havia uma ventania horrível a soprar e levantar neve por todo o local, sempre havia nas terras Abraghon, ao pé das montanhas, um clima inóspito que desmotivava qualquer um a acampar naqueles terrenos desolados e solitários por tempo demais. Mas havia alguém ali, naquele dia. A imagem encurvada de um estranho a andar naquelas terras se evidenciava pela grande tocha que carregava numa mão, e na outra, um cajado. Suas roupas eram quase ofuscantes naquela monotonia cromática de preto, branco e cinzento: de um verde claro com laranja fogo, o estranho se destacava como uma estrela na escuridão fria. O rosto estava oculto por um fundo capuz, deixando de fora apenas uma barba pontuda. A figura andava calmamente, a borda de seu longo manto se arrastando no chão de neve e pedrinhas. Buscava algo, pois virava a cabeça e a tocha com freqüência, até que se dirigiu a um local onde o que restava de um muro do que parecia ter sido um templo ainda resistia em pé. Ele olhou para a parede, murmurando consigo mesmo sobre as inscrições que havia nalgumas faixas de tinta envelhecida e desbotada. Tocou num símbolo, murmurou alguma coisa relacionada com o símbolo em questão, e no momento seguinte estava num vasto salão escuro, onde ele era a única fonte de luz com sua tocha erguida. Agora ele realmente se sentia como uma estrela solitária. Era sempre assim quando ia ali.

            Ele sabia o que viria a seguir: um forte sopro, seguido de uma bufada de ar quente de impaciência de seu anfitrião. Agora, os olhos brilhavam no escuro, com todo seu corpo oculto em sombras mais profundas que sombras naturais. “A magia dele sempre foi assim, me pergunto se ele não se cansa de esconder”, pensou o estranho. Então, o anfitrião falou em toda a sua altura:

– O garoto é jovem, eu o vejo a distância. Logo estará maduro e forte, como os pais dele foram antes dele – Disse, a voz retumbante pelos grandiosos corredores ocultos na escuridão.

– Talvez, mas pelo que andou me contando – Respondeu o estranho – ele é bem imprevisível. Talvez por culpa do sangue miscigenado dos pais?

– Isso não importa – A voz retrucou como um total estouro de trovões – O que importa é que o garoto será forte, muito mais do que eu, no devido tempo. O sangue dele apresenta a mudança que eu havia a tanto tempo esperado para nós e nosso povo.

– É possível. Você vive me importunando com as informações que consegue a respeito.

– Infelizmente, eu prevejo um perigo no reino onde ele reside – O anfitrião ignorou aquela zombaria do homem encapuzado – Algo ruim existe lá, e sempre que eu vou visitá-lo, seja da forma que for, um cheiro de pestilência e doença que ronda aquelas ruas me persegue. Não consigo entender, não sei de onde vem, mas de uma coisa eu sei, quem quer que seja o dono desse agouro maligno, vai estar relacionado ao garoto.

– Acha que ele pode estar de volta? Que vai ter ajuda de alguma das entidades usurpadoras?

– Eu penso nisso, e em outras possibilidades. Mas por hora... – O som de algo grande se movendo ecoou brevemente pelo salão, e agora o som de algo se arrastando pelo chão tomou conta do local. Uma sacola fora jogada pelo chão liso e escorregava aos pés do encapuzado – Vai precisar disso. Dê isso a ele, mas não sem ter certeza de que é o garoto certo.

– Farei como pede, velho amigo – Ele se curvou educadamente e começou a sair, mas antes de cruzar o limiar do que parecia ser uma porta, se virou e disse – Não acha uma boa idéia colocar algumas lamparinas por aqui? É bem escuro.

         A resposta recebida foi um resmungo impaciente e um último olhar do anfitrião, como sempre acontecia quando o velho sugeria aquela besteira, e depois o encapuzado estava do lado de fora novamente, mas longe das terras de Abraghon, e próximo a uma cidade pantaneira mais quente e mais hospitaleira que as terras vazias e congeladas das montanhas. Os sons de festa que vinham de lá, de suas estalagens, eram atraentes, e o velho homem foi até lá.

            Seria uma longa viagem até Mekkingard, mas ele daria um jeito. Ele sempre dava um jeito.

                                               -----

            Era tarde da noite na ferraria de Altruz, um homenzarrão de sorriso largo e enormes músculos que tomava conta do menino Perryk. O garoto, com seus treze anos agora, era pouco mais velho que a filha de Altruz, a pequena peste (aos olhos de Perryk) Grivian. Não se davam muito bem, pois ele gostava de ler, estudar antigos tomos que conseguia pechinchar em lojas de usados e livrarias antigas que pretendiam jogar os volumes no lixo (os vendedores desistiam de jogar os livros fora e faziam bons preços neles), enquanto ela preferia aprender o ofício do pai, carregando para todos os lados os baldes com pedras, carvão, ferramentas, sempre suja de graxa ou fuligem. Por vezes sua cabeleira cacheada ficava tão cinzenta e imunda que era difícil dizer se a garota era de fato a ruivinha sardenta filha do ferreiro. Ambas as crianças brigavam constantemente, mas, mesmo assim, tinham de se comportar na presença de Altruz. Para Perryk aquilo estava bem, que sempre fora prestativo com qualquer outra tarefa menos braçal (não que não estivesse disposto a demonstrações gratuitas de força, afinal, era um garoto, mas sua especialidade se dava com os projetos que elaborava cuidadosamente), então era comum ver o garoto enterrando a cabeça em cadernos e livros, com uma pena sempre suja de tinta e se movendo velozmente enquanto ele escrevia suas idéias.

            O garoto, no momento, lia um livro que conseguira há alguns dias depois que uma caravana viajante veio de muito longe, de muitos reinos além de Yongard. Trouxeram várias bugigangas, jóias, tecidos, armas, roupas completas, bizarras peças de artes, brinquedos, curiosidades e atrações. Ficaram em Yongard por uma semana, o rei até mesmo permitiu que fizessem uma apresentação artística no anfiteatro da Praça Redonda da Pérola, logo ao lado do castelo. Considerou-se que os altos parapeitos e sacadas das torres fossem assentos de honra para o rei e sua família.

            Durante a estadia da caravana, Perryk vasculhou tudo o que pôde das várias e várias barracas de muitas cores, até achar alguns bons livros que lhe interessaram. Não só isso, mas também uma pedra, redonda e perfeitamente verde: o dono dos livros disse que, se o garoto pudesse comprar todos os livros, lhe daria a pedra de presente.

– Mas... – Perryk contava suas moedas cautelosamente – Eu só tenho o suficiente pra um desses livros.

– Oh, uma pena, meu garoto... – Disse o velho. O homem, sentado e de rosto oculto num capuz fundo, só deixava sua longa e pontuda barba e sobrancelhas enormes aparentes. Do nada, estalou os lábios como quem tem uma idéia repentina – Escute, posso lhe dar a pedra, ela vai ser muito útil. Mas...

– Mas? – A desconfiança do menino apitava.

– Terá de responder a um enigma...

– Um enigma... – Coçou o queixo por algum tempo, até que decidiu – Fechado.

– Ótimo. Muito bom... Vejamos se consegue responder – O velho estalou os dedos longos, de unhas escuras e pontudas, até que espirrou duas vezes e bufou – Essa alergia vai me matar... Onde estávamos? Ah, sim. O enigma. Qual é o seu nome?

– O meu... Nome? – Perryk retrucou em genuína confusão.

– Sim, seu nome.

– Bom... O Altruz, o cara que cuida de mim, ele me chama de Perryk.

– Perryk... Um nome interessante, devo dizer. Mas, me diga, como você se chama?

– Que tipo de enigma é esse?

– É parte do enigma, garoto – O velho se justificou, pomposo em sua altura mirrada pela idade – Agora me diga. Como. Você. Se. Chama?

            O garoto parou para pensar naquilo. Parecia ser uma pegadinha, algum tipo de trapaça. Que raio de pergunta estranha era aquela? Tinha de haver alguma solução diferente, mas parecia óbvio, não? Como ele se chamava a si mesmo, essa era a pergunta. Não parecia tão difícil de responder, então... Onde encontraria a resposta?

            Ele pensou, pensou, tentou puxar da memória qualquer apelido que um amigo ou ele mesmo pudesse ter dito em algum dia passado, qualquer coisa poderia servir, mas àquela altura a importância do nome parecia algo mais profundo. Se desse um apelido, não receberia a pedra, e ela parecia importante para alguma coisa. E queria mesmo a pedra? Serviria para quê? Decoração? Parecia um maldito malmelão maduro sem listras que poderia jogar na cabeça de Grivian se ela o importunasse, então, tinha certa utilidade. Mas valia mesmo todo esse esforço? Ou queria apenas provar para o velho que sabia responder àquela pergunta louca?

            O velho, estalando os lábios como o tique taque irritante de um relógio, fez com que Perryk puxasse da memória um estranho sonho que teve, numa noite anos e anos atrás. Não sabia quanto tempo, mas sabia que para a maioria gritante das pessoas, um momento tão antigo assim não seria possível de se recordar. Era apenas um bebê, dormindo num berço de ferro polido e firme, feito por Altruz, e este conversava com um casal que deveriam ser seus pais. A memória foi para o seu sono, num sonho antigo que voltava à memória vez ou outra. No sonho uma enorme sombra púrpura e negra, pontilhada de luzes amarelas, olhava para ele do alto com grande realeza, murmurando coisas que ele não entendia. Mas uma palavra, uma única palavra, nunca saiu de sua mente.

– Drageskala – Perryk disse em voz alta, desafiando o velho que parou de estalar a língua.

– Drage... Skala... Tem certeza disso, rapaz? – O velho retrucou com grande curiosidade.

– Tenho, tenho sim. Drageskala.

– Interessante... Muito interessante, mas me intriga que tenha puxado esse nome de um sonho – Perryk ficou sem ar quando ouviu aquilo, mas o velho ergueu a mão pedindo paciência – Esse nome lhe pertence, de fato. E esses livros também... – Jogou o livro que fora pago ao menino – Mas os outros dois serão dados a você quando eu voltar. A pedra, por sua vez... Não tem muita utilidade, pra mim, pelo menos. Pode ficar com ela.

– Mas... – Perryk estava sem palavras, não sabia o que pensar daquela situação.

– Eu lhe perguntei seu nome por questões maiores, e estou satisfeito com o que ouvi. Eu vou voltar, prometo, mas recomendo que volte pra casa, ou vai perder o jantar. Sinto cheiro de ovos azuis com carne de javaporco salgada. Agora vá, Perryk, seu livro te aguarda pra ser lido.

            O garoto piscou de surpresa, tudo escureceu, e do nada, estava em casa novamente, sem saber como viera parar ali do nada. Altruz cozinhava alegremente com seus dois metros e meio de altura no novo conjunto de frigideiras de cobre que comprara, além dos suprimentos que conseguiu no mercado de Yongard. Como o velho prometera, eram ovos azuis, fritos, com carne salgada e macia de javaporco. Perryk levou alguns segundos para entender o quê acontecera até poder sentir apetite de forma apropriada.

            Ele pensava naquilo, naquela noite, depois de fechar o livro e ficar avaliando a pedra verde que descansava sobre uma almofada em seu criado mudo. Não exibia nenhuma mudança significativa, não que tivesse percebido. Distraiu-se por um momento e nem notou quando a pedra verde foi substituída por uma bola de couro marrom, toda costurada e suja de poeira. Ouviu o som de algo se quebrando no chão, e então, a voz de Grivian vinha pela janela:

– Desculpa!! – Alta e desesperada para parecer sincera e arrependida.

– Menina! Eu vou acorrentar você no porão pra não ficar chutando bolas e quebrando vasos! – Altruz gritou da cozinha, onde preparava uma refeição modesta para as crianças. Sempre ameaçador, não falava sério, mas surtia o efeito desejado na filha espoleta.

            Perryk ouviu os passos da colega correndo pela casa, para o andar de cima, até seu quarto, e ouvia seus desesperados pedidos de desculpa (ela não queria saber se a ameaça do pai era real, melhor se desculpar), mas o menino ignorou a tudo, pois, no lugar da pedra, estava uma criatura.

            Não era uma pedra. Era um ovo. E no lugar onde antes existia o ovo, agora estava um estranho animal parcialmente peludo e com escamas.

– É um ratagarto! – Perryk exclamou num prazer bizarro.

– Eca! Que porcaria é essa? – Grivian já ia pegando uma vassoura para bater no animal.

– Nem se atreva a bater nele! – Perryk a impediu agarrando a vassoura antes.

– E por que não?

– Ratagartos são animais raros, trazem boa sorte. São animais que estão relacionados aos antigos dragões.

– Hah, tonto, dragões não existem mais. Há cem anos não se vê um por aí, quanto tempo acha que essa coisa – Ela apontou para o anima que começara a comer as cascas de seu ovo – vai viver sem um de seus “senhores” dragões?

– Não é da sua conta. Um velho me deu esse ovo, junto com um livro que conta a origem dos 14 Dragões e do nosso mundo. É um sinal.

– Um sinal de quê? De que você é um idiota?

            Ao ouvir o insulto, o ratagarto ficou irritado de imediato e começou a avançar para cima de Grivian. Fosse qual fosse o motivo, o animal decidira que não gostava dela, e assustou ambas as crianças no quarto. A menina ficou realmente com medo e tentou recuperar a vassoura de Perryk para bater no bicho, mas ele não deixou.

– Calma, amiguinho... Calma, não precisa fazer nada de mal – Ele falou num tom amistoso, que foi bem recebido e deixou o ratagarto mais manso – Viu? Não tem problema, tá tudo bem... – Ele se virou para Grivian e a expulsou do quarto, ignorando os protestos da menina – Pronto, ela já foi. Agora, provavelmente, vou ter que pedir pro Altruz pra poder ficar com você...

– Eu permito! – Por trás da porta ouviu-se a voz do grande ferreiro, grossa e profunda como um tambor – Se for responsável o bastante pra alimentar esse... Ratagarto, ou o que quer que seja, e não permita que ele ataque a Grivian.

– Ei! Vai deixar ele ficar com aquela maluquice? – A menina protestou, sapateando de raiva no chão – Então eu quero uma galinha!

– Se você não comer a galinha... – Altruz deu de ombros e já ia saindo. Não precisava de uma resposta do garoto, sabia que ele faria a coisa certa.

– Como vou chamar você? – Depois de alguns minutos sozinho, rindo, Perryk se virou para o ratagarto que dormia em sua cama – Sabe, uma vez o Altruz teve um cavalo aqui, pena que precisou vender. Ele gostava do animal, como era mesmo o nome...? Agrur! Vou te chamar de Agrur!

            Como o ratagarto não fez nenhum som de objeção, Perryk considerou que o nome fora aceito. Era bom, um começo interessante para um animal de estimação. O problema é que com toda a confusão, ele se perdera na leitura, esquecendo-se de onde estava. Só soube dizer que o animal era um símbolo de boa sorte, pois lera momentos antes sobre. Mas como não soube que a pedra verde era um ovo? Não havia nenhuma menção a ovos de ratagarto no livro, não que ele pudesse ver.

            Perryk ainda se lembrou do estranho velho que lhe deu a “pedra”. Ele era misterioso, quase assustador, e havia algo nele que intrigava o garoto, a típica curiosidade de um menino que queria saber de tudo antes da idade onde poderia se preocupar com tais coisas, mas, levaria anos até que fosse ver o velho de novo, ou, como imaginava, talvez o velho morresse pela idade em algum momento, e nunca saberia quem ele era, e talvez nunca pusesse as mãos nos outros livros. Mas quem sabe?

            Dando de ombros, pegou o livro novamente e começou a ler, desde o primeiro capítulo. Viraria a noite lendo.

                                                           ----

            O grande castelo Lovedyge, cujo nome significa “a Virtude do Leão”, cintilava timidamente naquela noite de poucas estrelas. Toda sua estrutura construída em ricos detalhes dourados e prateados exibia a formidável realeza de seu brasão nas bandeiras ao redor das janelas, o Leão do Sol, cuja estátua se apresentava na fonte do pátio externo, próximo ao jardim.

            Pelos corredores, os poucos empregados ainda acordados faziam uma modesta limpeza, enquanto a família, na grande sala de jantar, se servia de forma modesta. Lá, o rei Madrolan e sua esposa Aggrive discutiam sobre os festejos do aniversário da filha dele, Liriel, enquanto a menina pegava todos os pãezinhos salgados recheados de carne que podia e ia os comendo um a um. Aggrive a olhava com grande reprovação, enquanto Madrolan ria consigo mesmo.

– Menina, não coma tão rápido – A esposa do rei repreendeu a princesa – Vai acabar se engasgando e fazendo a maior sujeira pela mesa. Já pensou nisso?

– Querida... – Madrolan chamou a atenção da filha – Coma com mais calma, por favor.

– Sim, papai – Liriel respondeu alegremente enquanto diminuía o passo de sua gula.

– Por que ela só responde a você? – Aggrive fingiu ciúmes.

– Ora, sou o “papai” – Madrolan brincou, conseguindo uma risadinha da filha – E quando é que você, querida vai me dar algum filho pra me chamar de papai também?

– Nem pensar – Liriel comentou para irritar Aggrive.

– Bem, querido – Aggrive, vermelha de raiva, fingiu que não ouviu aquele comentário da menina – Você sabe que eu tenho uma estranha doença, eu contei a você, não é? Que me impede de conceber... – Ela mentia, é claro, mas Madrolan não suspeitava daquilo.

– Bem, eu já recomendei que chamássemos um curandeiro especial – Madrolan respondeu pacientemente – Conheço um que uma vez curou meu tio, a anos atrás, e ele ainda mantém contato comigo.

– Já conversamos sobre isso, não é? Não posso receber curandeiros...

– A cultura de seu povo, blá blá blá... – Madrolan retrucou, já sem paciência – Já que é assim, a minha menininha será a herdeira do trono, então.

– Eu não quero nenhum irmãozinho vindo dela, papai – Liriel respondeu, fazendo careta para a madrasta. Ela começou apegar todos os pães salgados e recheados que pôde e os colocou numa tigela de bronze que havia ali, onde deveria ser servido o ensopado – Posso ir pro meu quarto, papai?

– Volte quando a sopa for servida, mocinha – O rei respondeu com um sorriso, enquanto Liriel saía correndo e rindo – Não corra tanto ou vai derrubar seus pães!

– Não deveria mimar a menina tanto, Madrolan – Aggrive o censurou com aquela fala cínica que sempre usava com relação à filha dele.

– Já conversamos sobre isso, Aggrive – O rei respondeu bufando o ar para fora dos pulmões – Não vamos discutir sobre isso de novo.

– Querido... Você sabe que eu só quero o melhor para a menina. Ela tem tanto futuro pela frente, oportunidades grandiosas. Mas fica difícil, quando ela me trata dessa forma.

– E você, Aggrive... Você sabe por que nos casamos. Eu não me esqueço, e você também não deve se esquecer. Então deixe minha menina fora disso – Ele se levantou, pediu à empregada que passava por ali para avisá-lo sobre a sopa quando viesse, e saiu da sala de jantar.

            Aggrive sentou-se sozinha à mesa de jantar, pensativa. Difícil manter as aparências quando seu maldito marido nunca esquecera o motivo de terem se casado. Mas, ao menos, isso lhe dava uma pequena brecha para continuar com seus planos. Se Madrolan não conseguia tolerar sua esposa, então ela poderia agir secretamente sem que o mesmo desconfiasse de nada quando de sua ausência.

            Resolveu que teria de conversar com seu irmão, Madrik, a quem ela empurrou para o rei quando se casaram e o fez conselheiro. Um claro ato de nepotismo, mas serviu muito bem aos seus objetivos. E Madrolan, obviamente, de nada suspeitava, o tolo que sempre mimava aquela pestinha insuportável...

            Aggrive podia esperar o tempo que fosse necessário para concluir seu plano de tomar todas aquelas riquezas do reino. Mesmo que tivesse de arrancar a cabeça do rei para isso, ela o faria.

            Cedo ou tarde, ela o faria, e ninguém iria impedi-la.

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