Exatamente oito dias depois da tragédia que abalou toda a pacata cidade de Folhagem, Germano e Beatriz saíam abraçados, tristes e cabisbaixos da igreja.
Foram prestigiar a missa de sétimo dia das vitimas de tão bárbaro acontecimento.
No final das contas, não fazia diferença os motivos, as causas ou a maldade de cada pessoa envolvida.
A morte é sempre um momento triste e solene independente de quem esteja morrendo.
Toda a cidade estava enlutada e atônita.
Não tinha como não ficar surpreso com toda aquela onda de violência que havia tomado de assalto a pacata cidade.
E a aura de mistério que o caso havia ganhado era inevitável.
Afinal, quem na verdade matou José Carlos?
Teria sido Joelma com todo seu ódio incontido?
Ou teria sido Aníbal tomado pela paixão e vendo a morte dos irmãos como principal estratagema para possuir seu grande amor?
Talvez ninguém nunca saiba com certeza a resposta.
-Nada disso importa mais. Os cul
Germano empurrou a porta e deixou que Beatriz pas-sasse primeiro como mandam os bons modos e o cavalheirismo.Ela se demorou um pouco receosa. Afinal, não é agradável para uma mãe ver um filho naquele estado.-Ele está horrível – falou chorosa.Germano, como de costume, permaneceu em silêncio.-Horrível – repetiu Beatriz – A gravata está torta e o nó está todo errado!-Mãe, por favor! – protestou inutilmente Miguel.Três longos anos se passaram e as feridas que pareciam que nunca iriam cicatrizar, finalmente estavam fechando.E iriam cicatrizar.Não tão rapidamente como o ferimento causado pelo tiro que acertou o ombro de Miguel, mas seriam cicatrizadas.A vida continuou e Miguel pôde finalmente sepultar os mortos e exorcizar seus fantasmas. E agora tentaria novamente ser feliz no dia do seu próprio casamento.-Beatriz – falou finalmente Germano – deixe o garoto se arrumar em paz. Só concordei em vir até o quarto por que vo
Muita coisa acontecera naqueles últimos dez anos.Havia se afastado completamente da família e dos amigos desde que se mudara para o interior de Minas Gerais.No principio trocava cartas com seu pai, sua mãe e, principalmente com seu irmão gêmeo, Zeca.Que seus pais nunca soubessem disso, mas, sem sombra de dúvidas seu mano era a pessoa mais querida do mundo para ele.Mas mesmo de Zeca, com o passar do tempo, acabou se distanciando.Vida corrida essa de trabalhador assalariado.Não lhe sobrava muito tempo para as pessoas queridas que estavam distantes.Saía de casa de madrugada e voltava à noite. Nesse momento o cansaço lhe vencia e aquela carta ou aquele telefonema acabava ficando pra amanhã.Por esse motivo passaram a ser raros.Toda a família reclamava do aparente abandono por parte dele.-Você esqueceu sua família, Miguel! – queixava-se sua mãe nos raros telefonemas que ele podia atender.Apenas Zeca compreendia s
Nem seria necessário dizer que,naquele momento, Miguel sentiu-se um perfeito idiota.Preferiu então não tocar mais no assunto da união de seu irmão com aquela criatura fascinante.Desviou o assunto, deixando para mais tarde o inevitável.Enquanto isso, Joelma falava e falava deixando-o cada vez mais extasiado com o delicioso som de sua voz.A rota do ônibus agora entrava na pequena cidade tão familiar.O chão já não era de barro indicando que o progresso, de alguma forma, havia chegado ali.Mas a sorveteria, a escola de ensino fundamental e o mercadinho da praça central continuavam lá.A igreja lembrou-o das divertidas manhãs de domingo e daquele tormento para que todos estivessem pontualmente no local antes da última badalada do sino.O desespero de sua mãe para que os dois estivessem devidamente apresentáveis ou pelo menos com os cabelos penteados e os pés calçados.Isso sem contar o trabalho para os tirarem das camas.Tu
Zeca mirou-se no espelho.-Acha ele parecido comigo?Joelma ficou tentada a não responder. Fingiu estar concentrada em sua tarefa habitual, mas por fim suspirou cansada ao comentar:-Todos nós trazemos conosco marcas por dentro e por fora. O tempo passou para os dois.-Não queria vê-lo.-Mas, por quê? Sempre falam dele pra mim com tanto carinho, tanta admiração... Tenho certeza que Miguel vai ficar muito feliz ao revê-lo.-É... Talvez tenha razão...Contemplou o rosto pálido novamente no espelho.Miguel já sentia os efeitos da viagem longa e cansativa: a cabeça latejava e estava um pouco impaciente.Suas respostas tornaram-se monossilábicas e ficara muito difícil fingir o entusiasmo inicial.Sentiu uma grande vontade de beber algo mais forte que água ou refrigerante.O cheiro da cerveja, da caipirinha e do licor estava o deixando louco por um gole.Começou a suar.Pediu licença a uma prima que contava entu
MIguel aspirou o delicioso aroma de alfazema. Era o que mais lhe lembrava sua cidadezinha durante o tempo em que morou em Minas.Ao deixar a pequena cidade anos atrás, levara lembranças de rostos molhados, olhos marejados e sorrisos já cheios de sauda-des.E também aquela indefinida sensação de esperança carregada de sonhos.Agora sabia que era uma necessidade de se libertar.Mas nunca quis esquecer-se da única coisa que o ligava a terra natal: a doce fragrância das arvores frondosas de sua querida ci-dadezinha.Balançou a cabeça afastando os pensamentos.Tinha que voltar para a festa.Afinal, não poderia passar tanto tempo fora. Seria uma indelicadeza.-Miguel.Não ouvira sua aproximação, mas... Aquela voz após tantos anos ele ainda guardava nitidamente na memória.Sentiu um conforto no coração. Algo que a muito não sentia.Virou-se rapidamente para abraçar seu irmão e redimir-se de todo o tempo em que fora tão egoís
Foi o abraço mais demorado que já tinham dado. Os dois estavam ofegantes e choravam copiosamente. A saudade sufocante pôde, enfim, ser aliviada. Porém, a magia da troca de olhares em consonância com o furor daquele tórrido abraço era suficiente para entender que ambos escondiam no disfarce sombrio daquele instante, algo de misterioso.Ficaram em silêncio contemplativo por um bom tempo. A emoção falava por si só.À volta para casa foi rodeada de novidades: Miguel contava a seu irmão sobre a vida no interior de Minas, sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e sobre como tinha sido a viagem de volta à velha cidade de Folhagem.- Mano você ainda não me contou exatamente o que te motivou a sair daqui, há dez anos – indagou Zeca, curioso.- Oh Zeca, tenho muita coisa para te contar. Muita coisa mesmo.- Desde que você partiu, nosso pai mudou muito. Passa a maior parte do tempo sozinho. Trabalha incansavelmente, como se tentasse fugir da realidade ou com
Anoiteceu. As poucas estrelas riscavam suavemente a escuridão do céu. Entre o silêncio estridente das poucas palavras, os dois irmãos caminhavam de volta para casa. Ao chegarem, perceberam a movimentação das pessoas. Enquanto uns iam saindo, outros vinham cumprimen-tar Miguel, desejando-lhe boas vindas. Entretanto, eis que ao longe, Zeca avista uma pessoa correndo, num frenesi tal, que aos olhos de um policial, parecia que acabara de matar alguém. Estava num ritmo tão alucinante – com duração de alguns ínfimos segundos – que Zeca não conseguiu enxergar o que na mão ela segurava, ao embrenhar-se pelas espessas árvores daquele bosque inóspito e sinistramente encoberto pela opacidade daquela noite sem luar.Zeca não se atentou para o fato. A alegria estampada no rosto das pessoas - em especial, no de Miguel – era o que interessava agora.
A essa altura, Miguel já mirava – de longe – aquele rosto velho e cansado que vinha em sua direção. Era seu pai, Germano, que de tão distante e introspectivo não havia dado um abraço no filho.- O bom filho a casa torna – disse ele, profuso no sarcasmo na-tural do seu humor negro.- Oh pai, dá-me um abraço – suplicou Miguel, já com os olhos i-nundados pelas lágrimas que, teimosas, já caiam.Os vizinhos já se despediam, e a velha cidade de Folhagem, podia agora, dormir sem a euforia inicial da chegada de Miguel.Dona Beatriz, cansada, já fazia a cama para dormir. Sentia em si, um acréscimo radiante de felicidade, pois seu filho estava, enfim, nos seus braços novamente.Miguel dirigiu-se a seu quarto, exausto. Ao adentrar, acometeu-se de uma forte emoção ao ver a exatidão dos objetos, minima-mente alocados do mesmo jeito que deixara. Aquela velha cama o fez lembrar-se do tempo em que ainda sonhava e das maravilhosas noites, que há muito, não ti