- Mas o que é que você está fazendo aqui? Como você descobriu onde Joelma estaria?
-Isso não é óbvio Miguel?
-Não, não é - interrompeu Joelma – Apesar de todas as provas apontarem para mim, por que se você está aqui é por ter encontrado minha carta que Zeca deve ter escondido, eu não fui a au-tora dos disparos. Quem matou seu irmão foi ele! Eu gostaria muito de ter puxado aquele gatilho, mas não fui eu. Foi ele!
-Uma ridícula tentativa de se salvar de sua condenação por homicídio. Que motivos eu teria para assassinar Miguel?
-O motivo dele – gritava Joelma – foi o mais mesquinho possível! Sabendo dos meus planos e de que toda a culpa recairia em mim, ele simplesmente atirou em Miguel para depois poder me chantagear e conseguir o que mais quer na vida: eu mesma!
Todos olharam para o homem que estava parado ali a sorrir de forma cínica.
-Ridículo! Como eu disse, essa é uma teoria absurda. Uma tentativa de se eximir da culpa e escapar da provável con
- Muito interessante, mas impossível de ser provado – atalhou Aníbal.-A essa altura isso não interessa mais.E unindo as palavras à ação, Joelma efetuou um disparo em direção ao delegado Aníbal acertando-lhe o peito. E num movimento rápido, virou-se e disparou mais um tiro em Miguel para logo depois ela própria ser alvejada pelos policiais que ali estavam.E assim terminava uma longa trilha semeada por ódio, tragédias e ressentimentos.Terminava da única forma que poderia terminar: com sangue e sem vencedores.Aníbal, o obsessivo delegado fôra morto pela mulher que era o objeto do seu desejo.Joelma morria amargurada sem ter certeza de ter alcançado sucesso em sua sinistra empreitada.E Miguel caía vitimado pelos seus próprios erros e por aqueles que nem sabia que cometera.E perdia também a cidade de Folhagem. Perdia sua imagem e seu aspecto de cidade pacata e pacífica que tanto seu povo se orgulhava.
Exatamente oito dias depois da tragédia que abalou toda a pacata cidade de Folhagem, Germano e Beatriz saíam abraçados, tristes e cabisbaixos da igreja.Foram prestigiar a missa de sétimo dia das vitimas de tão bárbaro acontecimento.No final das contas, não fazia diferença os motivos, as causas ou a maldade de cada pessoa envolvida.A morte é sempre um momento triste e solene independente de quem esteja morrendo.Toda a cidade estava enlutada e atônita.Não tinha como não ficar surpreso com toda aquela onda de violência que havia tomado de assalto a pacata cidade.E a aura de mistério que o caso havia ganhado era inevitável.Afinal, quem na verdade matou José Carlos?Teria sido Joelma com todo seu ódio incontido?Ou teria sido Aníbal tomado pela paixão e vendo a morte dos irmãos como principal estratagema para possuir seu grande amor?Talvez ninguém nunca saiba com certeza a resposta.-Nada disso importa mais. Os cul
Germano empurrou a porta e deixou que Beatriz pas-sasse primeiro como mandam os bons modos e o cavalheirismo.Ela se demorou um pouco receosa. Afinal, não é agradável para uma mãe ver um filho naquele estado.-Ele está horrível – falou chorosa.Germano, como de costume, permaneceu em silêncio.-Horrível – repetiu Beatriz – A gravata está torta e o nó está todo errado!-Mãe, por favor! – protestou inutilmente Miguel.Três longos anos se passaram e as feridas que pareciam que nunca iriam cicatrizar, finalmente estavam fechando.E iriam cicatrizar.Não tão rapidamente como o ferimento causado pelo tiro que acertou o ombro de Miguel, mas seriam cicatrizadas.A vida continuou e Miguel pôde finalmente sepultar os mortos e exorcizar seus fantasmas. E agora tentaria novamente ser feliz no dia do seu próprio casamento.-Beatriz – falou finalmente Germano – deixe o garoto se arrumar em paz. Só concordei em vir até o quarto por que vo
Muita coisa acontecera naqueles últimos dez anos.Havia se afastado completamente da família e dos amigos desde que se mudara para o interior de Minas Gerais.No principio trocava cartas com seu pai, sua mãe e, principalmente com seu irmão gêmeo, Zeca.Que seus pais nunca soubessem disso, mas, sem sombra de dúvidas seu mano era a pessoa mais querida do mundo para ele.Mas mesmo de Zeca, com o passar do tempo, acabou se distanciando.Vida corrida essa de trabalhador assalariado.Não lhe sobrava muito tempo para as pessoas queridas que estavam distantes.Saía de casa de madrugada e voltava à noite. Nesse momento o cansaço lhe vencia e aquela carta ou aquele telefonema acabava ficando pra amanhã.Por esse motivo passaram a ser raros.Toda a família reclamava do aparente abandono por parte dele.-Você esqueceu sua família, Miguel! – queixava-se sua mãe nos raros telefonemas que ele podia atender.Apenas Zeca compreendia s
Nem seria necessário dizer que,naquele momento, Miguel sentiu-se um perfeito idiota.Preferiu então não tocar mais no assunto da união de seu irmão com aquela criatura fascinante.Desviou o assunto, deixando para mais tarde o inevitável.Enquanto isso, Joelma falava e falava deixando-o cada vez mais extasiado com o delicioso som de sua voz.A rota do ônibus agora entrava na pequena cidade tão familiar.O chão já não era de barro indicando que o progresso, de alguma forma, havia chegado ali.Mas a sorveteria, a escola de ensino fundamental e o mercadinho da praça central continuavam lá.A igreja lembrou-o das divertidas manhãs de domingo e daquele tormento para que todos estivessem pontualmente no local antes da última badalada do sino.O desespero de sua mãe para que os dois estivessem devidamente apresentáveis ou pelo menos com os cabelos penteados e os pés calçados.Isso sem contar o trabalho para os tirarem das camas.Tu
Zeca mirou-se no espelho.-Acha ele parecido comigo?Joelma ficou tentada a não responder. Fingiu estar concentrada em sua tarefa habitual, mas por fim suspirou cansada ao comentar:-Todos nós trazemos conosco marcas por dentro e por fora. O tempo passou para os dois.-Não queria vê-lo.-Mas, por quê? Sempre falam dele pra mim com tanto carinho, tanta admiração... Tenho certeza que Miguel vai ficar muito feliz ao revê-lo.-É... Talvez tenha razão...Contemplou o rosto pálido novamente no espelho.Miguel já sentia os efeitos da viagem longa e cansativa: a cabeça latejava e estava um pouco impaciente.Suas respostas tornaram-se monossilábicas e ficara muito difícil fingir o entusiasmo inicial.Sentiu uma grande vontade de beber algo mais forte que água ou refrigerante.O cheiro da cerveja, da caipirinha e do licor estava o deixando louco por um gole.Começou a suar.Pediu licença a uma prima que contava entu
MIguel aspirou o delicioso aroma de alfazema. Era o que mais lhe lembrava sua cidadezinha durante o tempo em que morou em Minas.Ao deixar a pequena cidade anos atrás, levara lembranças de rostos molhados, olhos marejados e sorrisos já cheios de sauda-des.E também aquela indefinida sensação de esperança carregada de sonhos.Agora sabia que era uma necessidade de se libertar.Mas nunca quis esquecer-se da única coisa que o ligava a terra natal: a doce fragrância das arvores frondosas de sua querida ci-dadezinha.Balançou a cabeça afastando os pensamentos.Tinha que voltar para a festa.Afinal, não poderia passar tanto tempo fora. Seria uma indelicadeza.-Miguel.Não ouvira sua aproximação, mas... Aquela voz após tantos anos ele ainda guardava nitidamente na memória.Sentiu um conforto no coração. Algo que a muito não sentia.Virou-se rapidamente para abraçar seu irmão e redimir-se de todo o tempo em que fora tão egoís
Foi o abraço mais demorado que já tinham dado. Os dois estavam ofegantes e choravam copiosamente. A saudade sufocante pôde, enfim, ser aliviada. Porém, a magia da troca de olhares em consonância com o furor daquele tórrido abraço era suficiente para entender que ambos escondiam no disfarce sombrio daquele instante, algo de misterioso.Ficaram em silêncio contemplativo por um bom tempo. A emoção falava por si só.À volta para casa foi rodeada de novidades: Miguel contava a seu irmão sobre a vida no interior de Minas, sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e sobre como tinha sido a viagem de volta à velha cidade de Folhagem.- Mano você ainda não me contou exatamente o que te motivou a sair daqui, há dez anos – indagou Zeca, curioso.- Oh Zeca, tenho muita coisa para te contar. Muita coisa mesmo.- Desde que você partiu, nosso pai mudou muito. Passa a maior parte do tempo sozinho. Trabalha incansavelmente, como se tentasse fugir da realidade ou com