Capítulo 3: Tormento

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Fernando Duarte:

No meu relógio marca 19 horas e 30 minutos, e a minha paciência diminui a cada segundo. Se essa mulher se atrasar um minuto sequer, estou fora. Eu nem queria está aqui para começo de conversar, só estou aqui porque a minha mãe ameaçou colocar fogo em sua própria casa.

Impaciente, dedilho a mesa, viro o rosto para a janela e começo a observar os carros passando apressados pela frente do restaurante escolhido por minha mãe.

Só mais trinta segundos...

— Senhor Duarte? — Ouça a voz da recepcionista, se ela está aqui só pode significar uma coisa.

Merda!

Respiro fundo e controlo a raiva, só faltavam trinta segundos para que eu pudesse estar livre e usar a desculpa de que a tal mulher não apareceu me deixando no vácuo.

Desvio minha atenção dos carros e olho para a moça que me chama. De baixo pra cima, observo a mulher que está ao lado da recepcionista.

Dentro de um vestido tubinho de cor preta, os meus olhos percorrem o seu corpo, observando as curvas suaves e delicadas marcadas pelo vestido que se ajusta perfeitamente em sua imagem um pouco esguia. O tecido abraça cada centímetro de sua silhueta, ressaltando com o decote o seu busto avantajado que acrescenta uma sensualidade notável. Subo as vistas até encontrar sua boca, que exibe um leve franzir de lábios, mas consigo ver bem o quão bem desenhado são os seus beiços, grandes e levemente rosados.

No entanto, é o par de olhos castanhos, arregalados e fixos em mim, que me deixam atônito. Não pode ser ela. O choque percorre meu corpo, desencadeando uma onda de perplexidade enquanto tento processar a presença dela diante de mim. Como pode ser possível?

— O que está fazendo aqui? — Indago, sem esconder da minha feição o meu descontentamento.

— O ogro continua de mau humor — ela diz provocativa, e revira os olhos.

Se antes eu tinha alguma dúvida, agora tenho certeza que é ela mesmo. Essa pirralha petulante.

— Sua fedelha...

Antes que eu termine de falar, a pirralha vira de costas, os cabelos esvoaçando com o movimento repentino, e começa a se afastar, deixando-me falando sozinho. Um impulso instintivo toma conta de mim, como se algo dentro de mim se recusasse a deixá-la partir assim tão facilmente. Sem pensar duas vezes, levanto-me abruptamente do lugar onde estou sentado e estendo minha mão envolve seu antebraço com firmeza, detendo seu avanço repentino. O contato é instantâneo, a sensação da sua pele macia sob meus dedos envia uma corrente elétrica através de mim.

Ela se vira para encarar-me, surpresa estampada em seus olhos, uma mistura de indignação e curiosidade brilhando em seu olhar. Nesse instante, percebo a gravidade do que acabei de fazer. Segurá-la assim, de forma tão impulsiva, pode ter sido um erro. Mas já é tarde demais para voltar atrás.

— Você é a senhorita Martins? — Pergunto, só pra confirmar a minha certeza. Ela puxa o braço para fora do meu aperto.

— Para que quer saber, seu troglodita? — Retruca de queixo erguido, por que essa garota tem o dom de me tirar do sério?

— Como conseguiu marcar um encontro comigo? — Indago, realmente curiosos de como ela e a minha mãe se conhecem.

— Eu não sabia que era você, jamais iria querer um encontro às cegas com um ogro feio como você.

Ah que garota irritante, por que sempre que nos vermos essa pirralha tem que ser assim? E por que eu me importo? Duvido que ela tenha mais do que dezoito anos de idade, apesar de hoje ela está com muito mais corpo do que quando nos conhecemos.

— Não pensei que passaria de mendiga para rameira em tão pouco tempo... — ofendo-a, sem entender exatamente o porquê de dizer isso tem um gosto tão amargo em minha boca, mas a minha voz some ao sentir o meu rosto virar para o lado abruptamente e um pequeno ardor formigar a minha bochecha.

— Não vou aceitar nem mais um insulto seu, idiota, lave a sua boca antes de falar comigo — ela proclama com a voz firme, por alguma razão me sinto arrependido e atordoado.

Sinto o olhar de todos sobre nós, ao encara-la fecho as minhas mãos em punhos na tentativa de conter a minha raiva e frustração.

— Como você ousa... — começo a proferir, mas, mais uma vez, ela vira de costas e começa a andar.

Observo os seus passos começarem a ficar vacilantes, ela começa a cambalear. De repente, como em cena de filme, as coisas acontecem em câmera lenta diante dos meus olhos, vejo o corpo dela pendendo para o lado, se desequilibrando e caindo.

Meus pés ganham vida própria e começam a correr em direção a Laura, sem entender, movido por um instinto, deslizo meus joelhos no chão e a seguro em meus braços antes que a sua cabeça choque no piso. Olho para o seu rosto desacordo e escuto o som do meu coração acelerado.

— O que aconteceu com ela? Ela caiu do nada! — As vozes dos outros clientes no restaurante me trazem de volta a realidade.

Levanto do chão e carrego Laura no colo, ela é tão leve que nem parece que estou carregando o corpo de uma mulher adulta. Olho para a recepcionista que também tem a feição preocupada.

— Por aqui — a mulher diz e eu a sigo até uma sala que tem uma placa que diz: “área restrita, apenas funcionários”. — Aqui é o local de descanso dos funcionários, coloque-a ali.

Caminho com ela em meus braços e suavemente a deito no sofá de couro preto, Laura permanece com os olhos fechados. Fixo meu olhar em seu rosto, a cor morena de sua pele ficando cada vez mais pálida.

— Vocês podem ficar aqui até que ela acorde, se passar trinta minutos e ela não acordar, chamarei a ambulância — ela avisa.

— Certo — concordo, a mulher sai e fecha a porta.

Será que ela desmaiou com fome? No dia em que a gente se conheceu, a barriga dela estava roncando...

As sobrancelhas dela franzem, uma expressão de dor toma conta de seu rosto. O silêncio é quebrado apenas pelos murmúrios distantes do restaurante. Uma vontade toma conta de mim e ergo a minha mão, toco em seu cabelo e sinto a maciei dos cachos negros, traço uma rota com a ponta dos dedos até a bochecha dela e a sinto gelada, de repente, como se um interruptor fosse ligado, enxergo sangue em minha mão, assustado me levanto e dou passos para trás, com um zunido em meus ouvidos imagens começam a invadir a minha mente.

Aquela noite escura, o barulho ensurdecedor da batida e depois da explosão, os olhos verdes desesperados, os gritos de socorro, as lágrimas, o sangue... O braço não estava mais lá..., as pernas também não. Tudo ao meu redor está vermelho, o som da sirene sendo abafado pelo zumbido em meu ouvido.

Ao perceber que estou perdendo a conexão com o presente, uma gota de suor frio desliza pela minha testa. Meu coração b**e descompassado, e as vistas embaçam, prestes a retornar ao meu passado, as lágrimas começam a escapar involuntariamente dos meus olhos, os meus joelhos enfraquecem e caio no chão.

O rosto momentos antes furioso, agora transformou-se em um rosto marcado pela dor e sofrimento. Eu vejo chamas, sento o calor do metal retorcido, consigo ouvir os gritos de várias pessoas se aproximando. A linha entre o passado e o presente agora está borrada.

O suor escorre pelo meu rosto, meu coração b**e violentamente em meu peito, tão rápido que me sinto sem ar. De novo, eu estou preso no passado.

— Não, por favor — sussurro desesperando, já não sei se estou pedindo para eles não irem, ou se estou pedindo para essa dor parar. As memorias persistem como sombras dançando nas bordas da minha consciência, me fazendo perder o sentindo de onde estou. Um gosto amargo e metálico invade minha boca, trazendo consigo a sensação de impotência.

— Ogro? Ei, ogro — de longe, começo a ouvir uma voz suave, o ogro sou eu? É comigo? De quem é essa voz?

Subitamente, todos as vozes se calam, as imagens desaparecem e tudo fica em silêncio. Sinto minha respiração se normalizando. Abro os olhos e miro os olhos de Laura que estão fixos nos meus, sem o desafio habitual, nesse momento, não a vejo como a pirralha irritante que me chama de ogro, mas nesse instante, a luz dos olhos dela me tiram do tormento. Sinto o calor da mão dela sobre a minha. O meu coração vai acalmando.

— Você está bem? — Ela questiona, com seus olhos castanhos atentos em mim. Pisco inúmeras vezes para me nortear, e como se a mão dela fosse feita de larva, afasto a minha do seu toque. — Ah, já sei, você estava chorando de preocupação comigo, não é? Eu não esperava por essa, você é mesmo um ogrinho fofo — ela diz, num tom provocativo enquanto segura o riso e bagunça os meus cabelos com a mão. Me afasto e levanto, ela também se levanta. — Não precisava chorar, cara, eu só... foi só... foi só uma queda de pressão, isso, foi uma queda de pressão.

— Eu não estava chorando! — Exclamo exasperado, e fecho as mãos em punhos, por alguma razão, me sinto mais incomodado do que o normal, e me sinto envergonhado por ela ter me visto nessa situação.

— E o que é isso aí molhado nas suas bochechas? — Questiona e arqueia uma sobrancelha de forma sarcástica, reviro os olhos.

— É suor! — Respondo rápido. — Fiquei nervoso, você estava tão pálida que achei ter morrido.

— Hanram, sei, lágrimas agora tem outro nome — ela diz e morde o lábio, novamente segurando o riso.

— Chega, isso não é da sua conta! — Exclamo irritado e caminho para a porta da área dos funcionários.

Merda! Merda! Merda!

— Você também tem seus demônios, não é? — ela profere suavemente assim que seguro na maçaneta da porta, mas não tenho certeza se isso foi um questionamento ou uma afirmação.

Fecho os olhos e engulo seco, sem dizer mais nada, apenas saio.

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