Capítulo 5: Por um triz!

Laura Martins:

Pago a minha passagem e me sento no banco mais alto, o ônibus começa a se locomover, repouso a minha cabeça na janela, fitos as luzes urbanas se desdobrarem à medida que o ônibus segue para a estação. A minha mente começa a vagar de volta para o restaurante, os olhos do senhor Duarte, antes gélidos e sem vida, estavam cheiros de terror e desespero, nem pareciam pertencer a mesma pessoa. O que será que aconteceu para que ele ficasse nesse estado?

Para!

Já tenho problemas demais para ainda ficar tomando conta de problemas alheios.

Resolvo buscar refúgio nos meus fones de ouvido, na playlist seleciono à música: Dias Melhores | Jota Quest; deixo-me levar pela melodia enquanto meu olhar se perde nas ruas movimentadas.

                        “🎶Vivemos esperando dias melhores. Dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás. Oh oh, vivemos esperando o dia que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor, melhores em tudo... 🎶”

Baixinho cantarolo a letra, meus olhos enchem de lágrimas, mas pisco para afasta-las. Eu sou egoísta demais, quando paro para pensar em tudo o que ele já fez por mim, ninguém nunca fez antes, mas mesmo assim, apenas ajo de forma insensível com ele. No início, eu o apelidei de ogro por ele ser mal-educado, porém, mesmo não me conhecendo, ele foi tão gentil comigo e sempre que eu me lembro me dá uma tremenda vontade de chorar...

Olha só como é a vida, eu queria reencontrar o ogro para poder devolver a ele o paletó, mas jamais pensei que a situação seria aquela. Jamais imaginei que ele seria a minha porta de escape da morte.

Ontem, quando Ana falou sobre a mãe está desesperada para salvar seu filho, fiquei tocada, mas vendo-o hoje, vulnerável, em pânico e todo se tremendo e chorando, meu coração apertou de um jeito... senti uma extrema vontade de abraça-lo, porém me segurei, não éramos próximos, então a minha única alternativa foi agir daquela forma, provocando-o. Mesmo não o conhecendo bem, dá para notar que ele é o tipo de pessoa orgulhosa que gosta de guardar tudo para si, não o julgo. Eu também não saio por ainda dando confiança para qualquer pessoa contado os meus problemas.

De repente, o ônibus freia bruscamente, sacudindo os passageiros e lançando-me para frente e para o lado, bato a minha cabeça na janela, meus fones são arrancados e a música é substituída pelos gritos dos passageiros assustados. O veículo balança descontroladamente. Olha na direção do motorista e o vejo tentar manter o controle, meu coração acelera.

O veículo sacoleja perigosamente, e minha mão instintivamente se a barra de apoio. Olho pela janela e vejo carros se movendo caoticamente ao nosso redor. Diante da possibilidade de um acidente me matar antes da minha doença me faz entrar em pânico, eu não quero morrer.

Que droga!

É sério que vou morrer aqui? Quando finalmente tenho chance de conseguir ganhar do câncer?

O som do pinéu cantando no asfalto enquanto o ônibus tenta parar a todo custo faz o meu corpo tremer e os meus olhos encherem de lágrimas. Fecho os olhos com força, depois de longos segundos ouvindo os gritos e o barulho dos carros, de repente, o meu corpo é lançado com força para frente, bato a lateral da minha testa no banco da frente, fico zonza por alguns segundos, o ônibus para de si movimentar.

Com o coração disparado, o interior do ônibus parece diminuir ao ponto de me sufocar, preciso sair.

Abro caminho entre os passageiros em pânico e desço do ônibus. Pego meu celular e para o meu desgosto, sem sinal, começo a caminhar pela calçada, a rua movimenta e confusa, gritos por todas as partes. Atravesso o cruzamento tumultuado, afim de achar sinal, e, nesse momento, a luz forte do foral do carro pinta a minha visão periférica, viro o rosto e o carro vem descontrolado em minha direção, com o grito preso na garganta, corro para o meio-fio.

Com a adrenalina ainda pulsando em minhas veias, percebo que estou ilesa. O carro passa por mim e consegue frear antes de se chocar com o ônibus. Suspiro aliviada, agradecendo por não ter sido atropelada. Então, meu foco volta à busca por um sinal.

Enquanto caminho, avisto um carro estacionado à beira da estrada. Fico hesitante, consciente dos perigos da cidade à noite, mas a possibilidade de alguém estar precisando de ajuda supera meu receio. Avanço com cautela, e ao lado da porta do motorista, bato no vidro da janela, ela abaixa e para a minha surpresa é ele. Ele me olha com os olhos arregalados, tão surpreso quanto eu.

— O que faz aqui? — Ele questiona, arqueando uma sobrancelha. Eu suspiro, incrédula com mais esse encontro.

— Por que será que sempre nos trombamos? — Respondo com um sorriso irônico, enquanto a surpresa ainda se reflete em seu rosto.

— Não nos trombamos, você que sempre me segue, garota — ele alega, reviro os olhos.

— E o que eu ganharia seguindo um ogro feio como você? Poupe-me — Devolvo a provocação, mantendo meu tom de voz firme.

— Quer mesmo que eu digo tudo o que você ganhou segurando minha camisa por trás?

Estreito meus olhos com as lembranças, droga...

— Você sabe bem como ser desagradável com uma dama — murmuro me sentindo envergonhada, mordo o lábio para tentar disfarça.

— Essa dragão fica uma graça quando está com vergonha — ele pronuncia me encarando com um pequeno sorriso no canto da boca. O que foi isso que eu ouvi?

— Quê? — Indago sem acreditar no que acabo de escutar.

— Que foi?

— O que você acabou de dizer?

— Eu não disse nada.

— Você acabou de dizer que eu fico uma graça quando estou com vergonha — relembro a ele.

Um silêncio paira no ar, percebo que ele disse isso sem se dar contar que falou em voz alta.

— Então você acha essa dragão aqui uma graça? — Provoco, o rosto dele começa a ficar vermelho só então se dando conta do que falou, seguro o riso, parece que o jogo virou.

— Você ouviu errado! — Ele tenta negar, mas já é tarde demais, o constrangimento está estampado em seu rosto.

— Não, eu ouvi direitinho.

— Então agora você já aceita ser chamada de dragão? — Ele indaga, até parece que vou deixá-lo virar esse jogo.

— Aceito, desde que você admita que me acha uma gracinha — sorrio.

— Garota irritante — ele murmura e revira os olhos. — Você não me respondeu.

— O que eu não respondi?

— O que está fazendo aqui? Estava me rastreando?

Ergo as sobrancelhas diante a audácia dele, olho-o de cima para baixo com um evidente desdém enquanto franzo o meu lábio superior.

— Você é todo cheiro de si, em? — Comento, deixando que a ironia impregne minhas palavras. — Estou procurando sinal no meu celular.

— Achou? — Questiona.

Olho para a tela e ainda nada de sinal, balanço a cabeça de forma negativa, o observo suspirar e tirar o próprio celular do porta-luvas.

— Para quem quer ligar? — Ele pergunta desbloqueando o celular

— Ninguém — respondo.

— Então para que quer sinal? — Ele questiona com uma feição irritada encarando-me.

— Para chamar um Uber — digo sem me importa.

— Você saiu do restaurante até o meio da BR à noite para chamar um Uber? — Ele indaga me olhando como se eu fosse alguma idiota.

 — Agr! O ônibus onde eu estava sofreu um acidente e eu quero voltar para casa.

— E por que não falou antes!? — Ele indaga impaciente.

— Apenas respondi o que me perguntou.

— Engraçadinha. Bora, entra aí que eu te dou uma carona. Você agora já tem uma casa, né? Ou é para eu te levar para o abrigo mais próximo?

— Agr! Por que você sempre faz isso? Quando acho que você vai evoluir de um ogro para sapo amaldiçoado, você vai e se mostrar um verdadeiro ogro, seu idiota! — Xingo-o com raiva sentindo-me humilhada. — Não quero a sua ajuda, deixa que eu me viro.

Saio de perto do carro dele e volto a caminhar com o celular erguido em busca do bendito sinal 4G, contudo, sou puxada pelo meu antebraço e ao virar, bato no peito do ogro, ergo meu olhar e os nossos olhos se encontram. Tudo ao nosso redor parece ter desaparecido, sinto-me estranhamente conectada com essas safiras gélidas.

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