Capítulo 4: É sua Culpa!

Fernando Duarte:

Após deixar o restaurante, dirijo com pressa tendo o caminho iluminado pelas luzes amarelas dos portes. Seguro tão firme o volante do carro, sentindo o metal gelado contra a palma da minha mão, que sinto as falanges dos meus dedos doerem e as veias do dorso das minhas mãos saltarem.

 De onde a minha mãe conheceu Laura? E por que diabos a minha mãe achou que seria uma boa ideia arranjar um encontro com essa pirralha irritante?

A frustração e a raiva se acumulam dentro de mim. Com raiva, desfiro um golpe no volante. — Porra! Por que tinha que ser logo ela? Ela era a última pessoa que eu queria encontrar. — Sussurro para mim mesmo.

Os faróis dos carros se misturam em um borrão de luzes, espelhando meu estado de espírito tumultuado. Minha respiração está tensa, e os pensamentos sobre Laura, sobre o meu passado, giram furiosamente na minha mente.

Ao estacionar em frente à casa da minha mãe, respiro fundo, saio do carro e aperto a campainha. Ana, o braço direto da minha mãe, libera a minha passagem. Ao entrar na sala, dona Cristiane aparece com um sorriso genuíno em seu rosto e os olhos brilham em expectativas.

— Como foi o jantar, meu filho? Laura é uma moça encantadora, não é? Vamos, conte tudo para a mamãe, vocês se deram bem, né?

 Tento manter minha expressão impassível, mas dentro de mim, a raiva fervilha.

— Foi um saco! — Respondo sem rodeios, as sobrancelhas dela se arqueiam em surpresa. — Pare de tentar arrumar a minha vida.

— Mas, o que deu errado? Laura, ela é tão...

— Tão o quê, mãe? Conhece ela de onde? — Indago furioso. — A senhora não sabe absolutamente nada sobre ela!

— E por um acaso você sabe? — Ela retruca carrancuda.

Sei!

Quero responder, mas não acho que preciso relatar a situação em que eu e ela nos conhecemos e nem como ela gentilmente me agrediu só porque a chamei de dragão.

— Fernando, meu filho, eu me preocupo com você, você não pode se isolar para sempre, você ainda está vivo, mas age como se não estivesse, não pode ser assim, você precisa tomar um jeito e...

— Pare de tentar agir como se fosse uma psicóloga! — Grito irritado, fecho as mãos em punhos.

— Ah, meu filho — ela fala cabisbaixa. — Você precisa superar, não pode ficar para sempre preso no passado, aquilo não foi sua culpa, pare de si...

— Chega, mãe! — Falo exaltado, cortando-a. — Isso não é da sua conta, pare de se mete onde não é chamada, eu não preciso da sua ajuda.

Minha mãe não esconde a sua expressão magoada com o que eu acabei de falar, mas não me importo. Não posso permitir que ela invada esse território da minha vida, preciso manter as pessoas à distância, e isso a incluí.

Dou as costas para minha mãe e vejo Ana no canto da sala observado discretamente, consigo ver em seu olhar que ela desaprova o meu comportamento, mas foda-se.

Saio da casa da minha mãe com passos apressados e entro novamente em meu carro, começo a dirigir, agora a caminho da minha casa. 

As palavras da minha mãe ecoam em minha mente: “Meu filho, você precisa superar.” No entanto, a voz, que outrora eu apreciava tanto, soa áspera e rouca, arranhando meus ouvidos internamente como garras afiadas, proclamando: “É sua culpa!” A voz agonizante me acusa, mas minha mãe intercede: “Não fique preso no passado; aquilo não foi sua culpa.” A voz agonizante não se silencia: “Você não merece seguir em frente!” No entanto, minha mãe persiste: “Você precisa seguir em frente, você está vivo!” A voz desafia: “Como ousa pensar em seguir em frente se nos matou!? Assassino!” A voz grita, ecoando a dor e o ódio.

Nesse momento de quase transe, as vozes aumentam, gritando que sou um assassino, que não mereço estar vivo, que era eu quem deveria estar morto. As memórias do passado distorcem-se diante dos meus olhos, as imagens de chamas, gritos e desespero tornam-se quase tangíveis. Sinto-me sendo arrastado de volta àquele momento fatídico, me causando sufocamento e fadiga.

O suor começa a escorrer pela minha testa. As luzes da cidade começam a se misturar, a boca seca e o meu peito aperta, as minhas mãos tremem sob o volante e por mais que eu o aperte, não é firme o bastante.

Ao aproximar-me de um semáforo, as luzes vermelhas se transformam em uma miragem surreal, e minha mente é arrastada para outro lugar. As vozes distorcidas ecoam novamente, mas agora, ao invés de gritos, são sussurros agourentos. Como se o fogo do inferno estivesse vindo em minha direção, pisco os olhos e o fogo vermelho se transforma no farolete do carro à minha frente, o veículo desvia do meu carro, seus faróis parecendo estrelas cadentes fugindo de uma colisão celestial. Eu, alheio ao mundo real, mergulho nessa visão distorcida.

O som de pneus girando no asfalto traz-me de volta. Novamente, estou à beira do precipício, o cruzamento das memórias e da realidade. Estou em um mar de luzes ofuscantes, como se o meu carro fosse um navio prestes a colidir contra as rochas.

Num instante de clareza aterradora, com o som de várias buzinas, percebo a realidade à minha frente. Meu pé pisa no freio com força, minhas mãos giram o volante desesperadamente. Consigo desviar dos outros carros por um triz, evitando a colisão iminente.

Quando a fumaça do quase acidente se dissipa, vejo-me à beira da estrada, o coração martelando no peito. O suor frio escorre pelo meu rosto, e as minhas mãos ainda tremem. Estou à beira do precipício psicológico. Respiro fundo, tentando recuperar o fôlego.

Esses fantasmas do passado, essas lembranças, estão sempre à espreita, prontos para me arrastar de volta para o inferno que vivi. Depois de longos dois anos, pensei que conseguiria superar, mais a cada dia, é uma luta para sair de casa e segurar o volante do carro.

A voz distorcida que me acusa agora é apenas um sussurro distante. As sombras do passado persistem, aguardando pacientemente o próximo momento de fraqueza. A vida continua à minha volta, mas dentro do carro, o eco da quase tragédia ressoa como um lembrete cruel.

— Maldição... — murmuro, sentindo a pressão em meu peito. Apenas eu sei o quão quebrado estou por dentro, mesmo que por fora eu aparente ser inabalável.

As sombras do passado continuam a me assombrar, não dando trégua às cicatrizes que carrego, mesmo já tendo se passado dois anos.

“Não ouse nos esquecer.” Escuto a voz novamente, pressiono os lábios e não consigo evitar as lágrimas de caírem, como se voltasse no tempo, deito minha cabeça no volante e caio no choro, os soluços machucam a minha garganta, sinto vontade de gritar, mas não consigo encontrar a minha voz, não tenho direito de ser feliz, eu sou o culpado, somente eu. 

“toc-toc”, saio dos devaneios com o som de batidas no vidro do meu carro, ergo a cabeça e olho para a origem do som, estou delirando? Me pergunto enquanto olho para o rosto de Laura atrás do vidro fumê. Abaixo o vidro.

— O está fazendo aqui? — Questiono.

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