Dianna
Dois anos, ainda faltam dois anos para que eu seja livre novamente. Mas “livre” é uma palavra estranha para mim, pois não há liberdade quando você não possui determinadas coisas, e quando eu comecei a adquirir essas “coisas” a vida me deu uma rasteira e me derrubou de cara com a lama.
Eu já tinha uma casa, que agora, a essa altura dos acontecimentos, já deve ter sido vendida por aquele idiota que um dia confiei a minha vida e felicidade. Sem dinheiro e lugar onde dormir, não há liberdade. Mas no momento, queria estar longe daqui. Se um dia consegui viver sem nada nas ruas, quando ainda era uma pirralha, agora aos vinte e três anos de idade, não será difícil.
Um guarda se aproxima da minha cela, o que eu acho muito estranho, pois eles quase nunca vêm aqui.
— Visita pra você, Dianna! – Ele anuncia com a voz sem emoção e sai, dando lugar a uma figura muito estranha.
Aproximei-me das grades, segurei em duas delas de forma paralela e me encostei nelas, curiosa. Os olhos piscavam, era a primeira vez que via alguém, além dos guardas, em anos...
— Quem é você? – Questionei
O homem se aproximou mais. Decidi que era um homem pela altura e jeito de andar, era masculino, um andar masculino, postura masculina e...
— Tudo bem com você, Dianna?
... a voz era masculina também, mas estava abafada com algo.
O homem vestia um capuz escuro de boa qualidade, o tecido era grosso e bem trançado. Dava para ver que não estava gasto, ele não era alguém pobre.
— Melhor agora em te ver... – Falei de modo debochado. – Por que não mostra esse lindo rosto?
— Não há um belo rosto a se mostrar. – Ele se aproximou mais, mas manteve uma postura ereta.
— Não me importo com essas coisas, mas me diz o que veio fazer aqui?
— Curiosa!
— Você não sabe o quanto! – Apoiei meu quadril na grade.
— Eu tenho uma proposta para fazer a você.
— Vai me mostrar seu belo rosto? – Insisti.
— Isso não será possível, querida. – Observei o estranha à minha frente.
— Então nada feito. Não caio nessa mais.
Afastei-me da grade de braços cruzados, e sentei na beira de meu catre com toda dignidade que me restava.
— Mas você ainda não ouviu minha oferta.
— Você pode me oferecer o que quiser, se no fim o que me restar for isto aqui... – Girei o dedo ao redor, mostrando o local onde eu havia vindo parar por conta de um acordo com estranhos. – De nada sua oferta valiosa me servirá.
Concluo convicta.
— Mas se você for recompensada antes de realizar o feito, não haverá esse tipo de problema. – A fala do estranho me deixa atordoada.
— Como poderei realizar qualquer feito ainda estando atrás destas grades? E se você não sabe, querido, ainda faltam dois anos para que eu saia daqui. E quando isso acontecer, não cairei em furada. – Digo convicta, me levantando de onde estava e andando em sua direção.
As roupas da prisão eram deploráveis, o cabelo mais sujo e seco que capim velho, mas ainda assim me colocava a altivez de uma rainha.
— Sei de tudo isso, querida. – Pela primeira vez ele apoiou-se na grade e eu achei que veria a cor de sua pele, mas ele usava uma luva. – E se como seu primeiro prêmio eu lhe tirasse daqui? Então você faria o serviço que tenho pra você e ainda receberá muito dinheiro... mais do que receberia pelo serviço que te colocou aqui. – Ele girou o dedo ao redor como eu havia feito antes.
— Você vai me tirar daqui? Como? Quando?
Ele riu e aquela risada me soou familiar, eu já havia ouvido, mas quem poderia ser?
— Calma, Dianna. Preciso saber se aceita o serviço?
— Que serviço? – Por melhor que seja a oferta, aceitar sem saber o que devo fazer é loucura.
Ele estalou a língua.
— Pra você é um serviço muito fácil: roubar uma joia.
— Roubar uma joia? – Fiquei intrigada. Girei a cabeça, pendendo-a de lado lentamente. – Vai me tirar daqui, me dar muito dinheiro, por uma joia?
— Exatamente. É o que ela é: uma joia.
Afastou-se novamente, cruzando os braços na frente do corpo. Não dava para ver nada: nenhum pedaço de pele nem de roupas, apenas a túnica com capuz.
— Muito obrigada, mas sem mais detalhes eu não aceito. – Disse olhando onde deveriam ser seus olhos.
— Não se precipite – Alertou, mas eu sei que ele precisa mais de mim que eu dele.
— Eu tenho todo o tempo do mundo, na verdade eu tenho dois anos pra esperar você me contar exatamente o que é essa joia. – Escorei-me despreocupArloente na grade, joguei os cabelos para um lado e os enrolei nos dedos. – Mas acredito que você não tenha todo esse tempo.
— Mas você pode sair daqui hoje mesmo.
— Já fiquei cinco anos, um dia... uma semana... um mês... não fazem muita diferença para mim. – Ele suspirou pesadamente e eu só esperei.
— Esteja preparada pela manhã – Ele virou as costas para sair, mas antes de deixar a câmara virou-se para falar. – Você vai roubar para mim a Relíquia do oceano.
Arya
A noite foi cansativa, foi noite de penitência e eu e as outras sacerdotisas precisamos passar horas clamando aos deuses por misericórdia por nós e pelo povo. Os deuses tem mandado sinais de que algo grande vai acontecer, mas ainda não sabemos o que é. O mundo está em desequilíbrio, uma das joias está mal guardada.
Aproximo-me mais da joia que é a minha responsabilidade: a Relíquia da Terra. O templo no qual ela está guardada pertence ao deus Arcos, o que controla o solo desde terremotos até a colheita. A relíquia possui o poder de controle de seu elemento, e ela deve ser protegida. Dentro do templo, cercada de guardas e com sua guardiã a todo momento a observando, ela está em segurança, mas nem todas estão.
Observo a pedra cercada por sua redoma, ela parece um diamante bruto de cor âmbar. Ao receber luz do Sol, um brilho dourado é projetado e há quem diga que o poder de cura da pedra pode até tirar uma pessoa da beira da morte, curar a pior das feridas, desde que ainda haja um fôlego de vida. Com sua aparência rústica, ela possui sua beleza. A toco, pois gosto da sua sensação em meus dedos.
Afasto-me deixando a câmara na qual ela está guardada. Subo o capuz do meu manto, cobrindo meus cabelos loiros. O manto sem adornos de cor creme com uma faixa marrom na cintura é tudo o que uso desde que tinha 12 anos de idade. Eu era a escolhida, todos sabiam desde o meu nascimento e com orgulho meus pais me traziam ao templo para ser ensinada. Quando atingi a idade exigida, fui entregue ao templo para substituir a antiga guardiã da relíquia, mas é claro que antes que ela deixasse a responsabilidade para mim, fui treinada por três anos e os ensinamentos tornaram mais intensos, aos quinze anos assumi definitivamente a responsabilidade pela joia.
Exausta pela noite sem dormir, mas com a obrigação de ir em busca de materiais para o Ritual da Lua Cheia que aconteceria em dois dias, eu deixo as muralhas do templo.
Depois de andar por algumas horas sob o Sol quente e ainda mais cansada do que estava quando saí do templo, retorno com os itens de que precisava, mas antes de atingir as muralhas do templo sou surpreendida por um sujeito.
— Posso falar com você?
Observei o indivíduo de alto a baixo. Ele era moreno, olhos castanhos dourados, cabelos castanhos bagunçados. Magro, parecia alguém que não come nem toma um banho há dias.
— Quer comida? – Questiono. – Há um alojamento onde poderá tomar um banho, comer e descansar antes de tomar seu caminho novamente.
Ele parece surpreso, seus olhos arregalados estavam fixos aos meus.
— Não era o que ia pedir, mas eu aceito. – Sua voz é cautelosa, agora é ele que me observa.
— O que iria pedir?
Seu sorriso é tímido e ele passa a mão nos cabelos alisando-os.
— Para te conhecer, você é muito bonita.
Fiquei sem saber o que responder, nunca um homem demonstrou interesse por mim, até porque nossos trajes escondem muito.
— Enquanto estiver na posição de guardiã, este é meu principal dever. – Respondi simplesmente. – Vou pedir que um guarda o guie até o alojamento dos homens.
Tratei de acelerar o passo e não ouvi mais o que o rapaz falava.
Fui até o guarda, indiquei o rapaz a espera que pedi que lhe desse um lugar para descansar, que desse a ele comida e lhe indicasse o local dos banhos. Sem olhar para trás, subi as escadas, adentrando o templo e segui para minhas obrigações. Mas aquele rosto, olhar e sorriso ficaram em minha mente.