O chicote da Luna estalou em minhas costas! Eu sentia o sangue respingar para os lados, a dor aguda nas minhas costas.
Minha carne parecia estar sendo arrancada. — Vamos, cinco chibatadas não são suficientes, Mary feia? “Mary feia” era como todos me chamavam na alcateia Anoitecer. — Diga, quem pegou o meu doce? — a voz da Luna Isis soou, e eu podia ouvir seus dedos apertando o chicote. Eu estava de joelhos no chão frio do pátio da vila da alcateia. Via os lobos caminhando, fazendo suas tarefas, seus olhares de desprezo e incômodo sobre mim. Era sempre aqueles olhares. Mas no meio deles havia um que não me desprezava: meu pequeno irmão Nico, com seus olhos infantis me olhando com medo e preocupação. Quando a Luna ergueu novamente o chicote, Nico ameaçou dar um passo, mas eu gritei: — Eu comi o doce, Luna! Fui eu! Me castigue! Não precisei implorar mais, e fechei os olhos enquanto era golpeada mais de vinte vezes pela loba. O suor escorria pela minha testa; meu corpo estava trêmulo com a dor que me partia ao meio. Vários minutos depois, quando tudo terminou, a Luna estava ofegante. Eu permanecia de joelhos, minhas mãos no chão frio, meu corpo trêmulo. Ouvi a Luna se aproximar; seus dedos mergulharam em meu cabelo, puxando-o para trás. Em meu ouvido, a loba sussurrou: — Eu sei que não foi você, Mary feia. A Luna me soltou com um chute em minhas costas, e meu rosto bateu contra o chão frio. Tudo ao meu redor se apagou, enquanto a dor me envolvia. . . . Minha boca estava seca, e quando me movi percebi que estava deitada no chão, com apenas a manta como cama. Estava na construção decrépita que, há cinco anos, eu chamava de casa, construída para que eu dormisse longe da casa da alcateia. As goteiras caíam ao nosso redor, e o frio nos castigava. — Finalmente você acordou. — disse a velha escrava Sisi. Ela estava preparando algo na panela velha, na fogueira. Eu era uma escrava, e, segundo a Luna Isis, não merecia eletricidade ou gás, nenhum conforto moderno. — Onde está Nico? — sentei-me em um rompante, todas as lembranças voltando de uma vez. Eu havia sido chicoteada para que Nico não fosse. Sisi olhou para o colchonete fino e velho que eu havia feito para ele. Ele dormia, mas seu rosto estava marcado por lágrimas. Suspirei. — Ele dormiu chorando. Estava preocupado com você e arrependido de ter comido o doce da Luna. — revelou Sisi e colocou a sopa rala no prato. — Ele só tem cinco anos. Não devia ficar arrependido de sentir curiosidade sobre um doce. — falei, minha voz amarga. Sisi caminhou em minha direção e entregou o prato com a sopa. Apenas um caldo com vegetais. — Ele é um escravo. Escravos não têm curiosidades.— ela tentou me corrigir e se sentou em uma cadeira que rangeu sob seu peso. — Ele é filho do Alfa Hunter. Ele não é um escravo. — falei, e minha voz tremia de ódio e dor pelas chibatadas. Eu sabia que a velha Sisi havia colocado alguns unguentos nas minhas costas para curar, mas eu ainda não havia recebido meu lobo, e não havia cura. — Amanhã a marca de companheiros irá aparecer em minha mão. O nome do meu companheiro será o de um alfa que não vai medir esforços para me tirar da escravidão. E então eu irei criar Nico como ele devia ser criado, se não fosse… — falei, mas minhas palavras morreram no ar. Meu sangue fervia ao lembrar. Minha cabeça doía com a lembrança do som grotesco do Shifter Dragão destruindo todos que eu amava. — Coma, Mary feia, e talvez amanhã seu companheiro salvador tire você da escravidão. Ou talvez você descubra que a deusa concedeu um companheiro escravo como você.— Sisi escarneceu. Desviei o olhar para a sopa rala e comi, pensando no amanhecer. Ou melhor, no anoitecer, quando a lua subisse alta no céu e a deusa marcasse o nome em minha mão. . . . A Luna me deu tarefas pesadas durante todo o dia, fazendo-me percorrer toda a enorme casa da alcateia, limpando, lavando, sem permissão para parar nem mesmo para comer. — Não pense que irá escapar daqui apenas porque hoje recebe o seu lobo e seu companheiro. Não me importo com quem ele seja, você será para sempre escrava da alcateia Anoitecer. — Isis jurou e jogou no chão o café que bebia. — Limpe isso, Mary feia. Apenas mais algumas horas para a lua cheia. Horas depois, eu já havia terminado todas as tarefas, e a lua já estava alta. Fazia horas que iluminava o céu. Corri em direção ao pátio, deixando que meu corpo fosse banhado pelo luar. Fechei os olhos. Vamos, deusa Selene, por favor, mude meu destino para que eu mude o do meu irmão. Implorei em minha mente. Então senti o calor percorrer meu braço até minha mão. Olhei para as costas da minha mão direita e um nome queimou: Darius Evehart. Eu quis morrer no mesmo instante. Tão rápido quanto o nome queimou, ele desapareceu. — Qual era o nome, Mary? — Sisi perguntou atrás de mim. Minha boca tremia e meu coração batia descompassado. Eu precisava fugir. Antes que pudesse segurar a mão de Nico, lobos guerreiros surgiram. — A Luna exige que todas as lobas vão para a alcateia agora! Fomos levadas, arrastadas até a enorme construção onde as alcateias se encontraram para debater assuntos. Todas as lobas estavam presentes, e, no centro, cercado de lobos guerreiros com suas armaduras pretas, estava o maior homem que já vi. Seus cabelos castanhos escuros, suas roupas pretas e seus óculos escuros. Ele moveu a cabeça em minha direção assim que cheguei ao recinto. Não… Por favor… ele não. Apertei a pequena mão de Nico. O príncipe Darius Evehart me olhou com desprezo, enquanto seu nome queimava em minha mão novamente ao estar tão próxima dele. Não podia ver realmente seus olhos com os óculos escuros que usava, mas sabia que ele me desprezava. Ele acabara de descobrir que sua companheira destinada era uma escrava. Todos na alcateia Anoitecer me olhavam como se eu fosse um verme, mas eu nem sempre fui. — A deusa Selene só pode estar brincando comigo… — o príncipe Darius anunciou diante de todos na alcateia. Todos na assembleia me olhavam incrédulos. — Já descobriu quem da alcateia Anoitecer é sua Luna, príncipe? — Isis perguntou, sua voz doce e prestativa. O Alfa Thorne estava ao lado da Luna, ambos ansiosos para saber quem era a loba de sua alcateia que iria se tornar a Luna do príncipe Darius Evehart, o Shifter de Dragão que nunca saía do Palácio e era conhecido por queimar qualquer servo que o desagradasse. Dentro de mim, minha loba que se apresentou como Nyra gritou ao vê-lo: Companheiro… Não. Assassino. Assassino da minha alcateia e dos meus pais. O príncipe Darius Evehart se moveu, e eu tive que segurar o impulso de fugir. Ele caminhou em minha direção, e eu ouvia os murmúrios incrédulos, quando finalmente parou na minha frente e cruzou os braços. — Você cheira como uma maldita escrava. — exclamou para mim. — Eu o rejeito como companheiro. — anunciei.