Capítulo 1

Tudo que eu tinha que fazer ao passar por esta porta, era dançar. Mais nada. Caso alguém quisesse alguma coisa a mais — como me tocar, por exemplo — deveria negociar com o dono. A decisão era sempre minha, e os valores eram altos. Como Pfeiffer (o dono) disse, eu era valiosa!

Aqui eu sou a Annie. Há em mim uma placa dizendo isso. Usei esse nome, porque é uma abreviação de Annésio, sobrenome de meu pai.

— Olá, Annie! — Alguém disse para mim enquanto eu seguia para a pista de dança próxima do bar. Não olhei para a pessoa. Entrei no meu círculo (Um espaço circular mais elevado, reservado para as ‘funcionárias’ da boate, marcados com uma numeração.) Comecei a dançar.

Homens e mulheres se aglomeravam ao redor. Uma espécie de letreiro ficava bem abaixo do elevado onde eu pisava e marcava alguns valores de gorjeta dados pelos clientes, só pela minha performance. Eles tinham um aparelho nas mãos por onde faziam seus pedidos, propostas e pagamentos. Estavam gostando da dança que eu permanecia fazendo, a julgar pelo fato de os números não pararem de atualizar. Mesmo eu encontrando-me absolutamente envergonhada por estar tão exposta. Entre estranhos. Naquele ambiente indecente e proibido.

Parece que eu estava ali só fisicamente, ou vivendo uma vida paralela. Não era pra menos. Eu não tive tempo de ter um luto pelo meu pai. Não tive mais gana de chorar. Tiraram tudo isso de mim. Até minha pureza, minha inocência, tudo. Eu ainda sou virgem! Nem namorado tive! E estava aqui, aos poucos me prostituindo. Cedendo a cada minuto para vender-me por dinheiro. Eu precisava de muito, Deus sabia. Por isso, eu me concentrei no que estava fazendo e deixei para chorar depois.

Estava cansada. Havia trabalhado em casa o dia todo, pois Diana não conseguia fazer muita coisa. Dancei por quarenta minutos e, após isso, segui para o momento de descanso. Horário em que Dany, codinome da Vanessa, aproveitava para conseguir clientes para o sexo.

Eu não me sinto pronta para isso ainda. Até porque, como eu disse, ainda sou virgem! Não tenho vergonha de admitir isso, contudo. Sou virgem aos 22 anos. Sei que preciso de dinheiro, mas necessito digerir a ideia aos poucos. Não é fácil! Ao menos para mim, não.

— Annie! — Um homem virou-se para mim e proferiu meu nome. Meu corpo arrepiou. Era alto, forte, bem-vestido. Sua boca era carnuda. Seus olhos eram azuis, mas era notório que usava lentes de contato.

— Olá! — Respondi. Tímida, sem muito sorriso. Era como se ele me visse além daquele tecido preto que cobria meu rosto inteiro. E que fosse me reconhecer em qualquer lugar.

— Gostei de você! Seu corpo é lindo, mas me encanta esse ar inocente e inibido. É como se... — Ele buscou as palavras com gestos e completei-as.

— Sou nova aqui. Meu primeiro dia, hoje. — Explico-lhe e sorrio. A peruca loira me incomoda um pouco, por isso ajeito-a.

— Oh! Okay! Agora entendi. — Ele sorri. Seu riso é lindo. — Também sou novo aqui. Primeira vez que venho para a Sex Privê de New York. — Ressaltou, me levando a crer que já havia ido nas outras boates da rede espalhadas pelos EUA e mais alguns países. — A propósito, me chamo Mark. — Ele estende a mão. Aceito o cumprimento.

— Prazer, Mark. Seja bem-vindo!

— Obrigado! Está um pouco triste! — Observou. — Aceita uma bebida?

— Não! Eu bêbada costumo falar além do normal. Te conto toda minha vida em 15 minutos. Melhor evitarmos isso! — Aviso. O cliente ri.

Passamos um par de horas jogando conversa fora, em sua maior parte falamos sobre a própria boate. A música, a decoração, as danças. Ele me dizia sobre seu estilo musical preferido. Sobre o comportamento de alguém específico. Foi legal. Mas eu precisava fazer dinheiro, então me pus de pé e pedindo licença, voltei a dançar no meu círculo.

Mark me encarava de lá do bar. O lugar estava cheio de pessoas. E o letreiro mostrava a todo momento que valores estavam sendo lançados. Graças a Deus! Eu precisava de muita grana.

A boate só abria às sextas e sábados. Então eu carecia de aproveitar esses dois dias para fazer dinheiro. Muito dinheiro. Eu só consegui cinco mil com a venda das coisas e precisava de 20 mil para dar ao Brenner. Era o mínimo que ele aceitava por mês!

— Me encantaria poder ser o seu primeiro cliente, Annie. — Mark disse atrás de mim, após quinze minutos de dança. Virei-me em sua direção. Nervosa! A maneira que aqueles olhos me encaravam, parecia um tigre diante da presa. — Você tem um traseiro incrível! Você é volumosa, coxas grossas, cintura fina, seios grandes. Eu gosto! Mais ainda porque você é natural em seus movimentos. Não está à caça. Não parece uma garota de programa. E odeio pagar por sexo. Isso me fascina em você! — Suas palavras sujas e seu olhar predador eram fascinantes. Uma de suas mãos estava enfiada no bolso da calça jeans, a outra segurava um copo com bebida. Aquele homem emanava sensualidade.

— Não me sinto pronta ainda. Agradeço aos elogios, contudo! — Respondo. Meu rosto está quente e se estivesse destampado, estaria vermelho. Ele sorri novamente e bebe do líquido em seu copo, me olhando demoradamente em partes consideradas impróprias.

— Serei paciente! — Respondeu e após digitar no aparelho sem tirar os olhos de mim, retornou ao banco do bar e continuou a me encarar de lá, enquanto bebia.

Uma hora depois, ele sumiu do meu campo de visão.

Às duas da manhã, deixei aquele lugar.

Este sábado foi apenas o primeiro da minha vida dupla.

Na segunda-feira eu estaria na J’Passión e ninguém sequer ia desconfiar que a secretária do CEO se prostituía duas vezes na semana. Assim esperava!

Para completar, também neste dia o meu chefe passará a ser o filho do Senhor Hernandez. Ethan Johnson — lindo pra caramba! — assumirá seu lugar de direito. Mário, o vice-diretor que estava interino no cargo desde o acidente, era péssimo e eu estava rezando para que o herdeiro da marca fosse menos intragável. Que fosse igual ao seu pai, tranquilo e justo. Estava de bom tamanho!

Apesar de meu pai e Sr. Hernandez terem sido muito amigos, eu não tive muito contato com seus filhos. O Ethan, por exemplo, vi pessoalmente quando ainda éramos crianças. Depois apenas por fotos. E Lauren, via poucas vezes na empresa. Mas a dona Bettany, viúva do meu antigo chefe, era muito próxima. Graças a ela eu ainda estava empregada, pois se dependesse do Sr. Mário, ele já teria me demitido.

Lavei meu corpo como quem tirava uma camada de pele. Me sentia suja.

Saí do banho, enrolei-me com a toalha e me joguei na cama. Chorei deitada e toda encolhida.

Lembranças de momentos felizes de minha vida me veem à cabeça. Em todos eles o meu pai estava lá. Ainda não superei a sua partida. Eu não sentia raiva pelos problemas que ele deixou, porque eu sabia que se fez tudo isso, foi na melhor das intenções. Eu era o mundo dele, como sempre me dizia. E ele era o meu.

Nunca conheci minha mãe, pois ela morreu me dando à luz. Entretanto, fui muito amada pelo velho Augusto e por Diana, a mulher com quem meu pai se casou. Eu tinha 7 anos quando ele a conheceu. Diana não teve filhos, mas sempre me fez sentir como uma filha biológica. Sempre fomos amigas. Ela cuidou de mim, puxou minha orelha, me deu conselhos. E ainda faz isso até hoje. Ela é o que restou de meu pai. É o que eu conheço como família, como mãe, como amor fraternal. Por isso, lutarei para que eu não a perca também. É desesperador pensar nisso. A simples ideia me arde o peito.

Sete horas da manhã de um domingo. Era a terceira vez que meu despertador tocava. Eu estava exausta para levantar-me agora, mas precisava fazer isso. Tinha que preparar o café para Diana, porque seu braço direito permanecia imóvel, mesmo após 3 meses de fisioterapias e medicações. Ergui-me, fui lavar meu rosto com água fria para ver se o sono dava uma trégua.

Café pronto, peguei uma xícara e provei um pouco dele. Diana ainda não havia levantado. Fiquei sentada na janela, avistando a rua, sorvendo meu líquido negro e fumegante, enquanto pensava na boate. Lembrei-me de Mark. Aquele homem, quem seria? A camisa de algodão prendia-se ao seu corpo. Musculoso, alto, como um lutador de MMA. Quem sabe ele realmente não fosse um? Aquele lugar não era ambiente para qualquer pessoa. Pfeiffer fora claro ao dizer que a sua casa noturna era ambiente para público selecionado.

Eu não duvidava daquilo. Em uma noite fiz 3 mil dólares, apenas dançando. Metade do que arrecadei vendendo boa parte dos nossos eletrodomésticos, roupas caras em um brechó e móveis antigos no antiquário.

Diana apareceu na cozinha. Assustei-me com o barulho de sua bengala batendo nos pés da cadeira de ferro.

— Bom dia, querida! Não carecia de levantar-se tão cedo! — Ela disse, sentando-se em seguida.

— Bom dia, Nana! Precisava, sim. Não pode tomar seus remédios de barriga vazia. — Alertei-a.

— Obrigada! Você é um anjo! — Sorrimos uma para a outra. — E... Como foi? — Me perguntou, sem jeito. A culpa a corroía e sei que se ela também soubesse que havia outra maneira de sanar nossas dívidas, não permitiria o que estou fazendo.

— Não tão ruim quanto acreditei ser. Assustador de início, lógico. É estranho me vestir daquela maneira. Porém de alguma forma, foi bom. Foi como sair para dançar.

— Sei. E... — Ela suspirou. — Alguém te tocou? Meu Deus, Alice. Não acredito que esteja tendo que fazer isso e que eu seja conivente. Me sinto muito mal.

— Não, Diana. Não sinta. Sabe bem que essa dívida tem relação com a minha faculdade. Se não fosse isso, a pensão e meu salário estariam dando conta das despesas. Você não é um fardo, é minha família. E, respondendo a sua pergunta, não. Ninguém me tocou ainda, preciso de tempo. Ainda assim, fiz mais de três mil só ontem à noite. Preciso fazer cinco mil por semana se eu quiser cumprir com meu acordo com o tal Brenner.

— De verdade que não precisou? — Perguntou. Consenti com a cabeça. — Que bom. Isso me alivia. Se continuar recebendo esse valor por noite, sem ser tocada, conseguiremos pagar esse débito sem maiores danos.

— É! — Concordei. — E você? Tudo certo?

— Tudo! — Ela gesticulou. — Me conta mais, Alice. Quero saber, como é um lugar como esse? — Perguntou, mudando rápido de assunto.

Sentei-me à mesa com ela e me pus a contar sobre tudo o que vi. Contei do Mark. Do que conversamos, do que senti sobre ele. Eu e Diana não tínhamos segredos e conversávamos sem pudores ou julgamentos. Me senti livre para confessar sobre como aquele olhar selvagem atingiu meu corpo em cheio, sem meias palavras.

O dia estava bucólico, cinza e frio. Após fazer a comida da semana e estocar no freezer da geladeira, deitei-me e voltei a dormir. Mais tarde, peguei a minha agenda e fiz o “dever de casa” para aguardar o novo chefe em seu primeiro dia. Ainda estudei um pouco para a prova de quinta-feira, antes de pegar novamente no sono.

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