TODA BELEZA DE UMA NOITE DE VERÃO

Sophie sussurrou para o irmão – Não atenda – Mas ele já estava diante da porta. Do outro lado, Melinda os esperava, vestida em um leve e esvoaçante vestido esmeralda que acentuava ainda mais o vermelho de seus cabelos, sorrindo de forma encantadora para os dois irmãos. A porta de seu apartamento estava aberta, mas não havia sinal de James, talvez o famoso escritor decidira os poupar de sua presença, Sophie não acreditou. Suspirou alto, não tinha nada contra Melinda, ate mesmo, não tinha nada contra James, mas desejava Ray apenas para ela, como fora o último verão, ocasionalmente TJ se juntava a eles, mas TJ trabalhava com Ray, era impossível ignorá-lo totalmente, além da total afinidade que surgira entre os dois, Sophie ate admitia gostar de TJ, ainda assim, havia sido diferente. Sophie sentia que algo estava fora do lugar, não Ray, não ela, provavelmente nem os vizinhos, era apenas o exterior, como se la fora houvesse mais pessoas querendo entrar, desfrutar do paraíso pessoal que ela e Ray criaram, Sophie não sabia explicar, foi ate a vitrola e tirou agulha do disco, o final dança ficaria para depois.

 – E esse vestido? É seu não é Ray? – Melinda perguntou, um tom malicioso em sua voz, uma certa intimidade que quase irritou Sophie, antes que Ray tomasse folego para falar, ela respondeu para Melinda.

– Sim, meu presente de boas-vindas. – Foi nesse momento que James apareceu na porta. Emergindo como se buscasse folego, um comportamento bastante peculiar, Sophie observou mentalmente. Ela também notou que ele a olhava, poderia dizer que a bebia, aquela estranha expressão que Sophie não sabia definir, a incômoda sensação do exterior querendo entrar percorreu todo seu corpo. Ouviu a voz de James – Vamos? - Soube na mesma hora que o convite havia sido feito a ela e apenas a ela.

 Ray saiu puxando Sophie e Melinda pelas mãos em direção as escadas, a noite acabara de começar.

 – Você está linda. – Ouviu James, tao próximo que pode sentir o calor de seu corpo, quando a mão dele tocou suavemente suas costas, foi como sentir uma espécie de energia percorrendo sua coluna, seu corpo respondeu imediatamente ao toque de James. Olhou o topo da cabeça de Melinda, que ia logo a sua frente, sentiu-se desgraçadamente culpada e assim que alcançou seu irmão prendeu-se a ele como um náufrago ao salva vidas, como se o simples fato de estar nos braços de Ray, pudesse apagar a sensação que tivera quando sentira a respiração de James em seu pescoço, a estranha sensação de prazer e culpa que James dera ao seu corpo.

 Chegaram em menos de dez minutos ao bar sugerido por Ray, uma vista incrível e toda a beleza do verão francês ao redor dela. Ainda assim, a noite parecia extremamente entediante para Sophie, havia a vontade de estar a sós com Ray, a personalidade efusiva de Melinda, que em outras circunstancias seria agradável, mas que agora estava lhe causando dores de cabeça e havia James… Mudo, pior, marmóreo como uma das estátuas do Pere-Lachaise.

 É claro que tal comportamento não passou despercebido por ninguém ali, Ray tentava inclui-lo em qualquer comentário que fazia, mas já conhecia o amigo suficiente para saber que ele tinha seus momentos, já Melinda, conforme a noite passava, tornava-se mais fria com ele, irritando-se por qualquer manifestação de James, o que é claro para Sophie não fazia o menor sentido, Melinda se irritava porque ele não falava e se irritava quando ele parecia querer falar. Aquilo provava um ponto a Sophie, casais são um pé no saco na grande maioria das vezes, ali estavam aqueles dois para provar.

Sophie notou que os olhos de James iam e vinham entre ela e Melinda, aquilo a irritou, lembrou da ousadia de James – Ousadia? - sua mente se agitou – Como se você não tivesse desfrutado… - Sophie focou os olhos na vista – Talvez eu tenha, ainda assim foi ousadia – disse para si mesma. Sentia vontade de sair dali, m****r o casal a merda e se trancar com Ray no apartamento ate que o sol explodisse. Estava exausta, pela diferença do fuso, pela viagem de 13 horas, pelo fato de não estarem apenas ela e Ray ali, já estava de saco cheio, e quando pensou em manifestar sua vontade de ir embora, Ray se levantou pegando Melinda pela mão, por que vira um designer conhecido e que há tempos queria apresentar a ela. Antes que Ray se afastasse Sophie lhe pediu.

 – Daqui a pouco vamos, certo? Treze horas de viagem… – sorriu, demonstrando o cansaço.

– Claro minha Sophie, deixa só eu cumprimentar o Marc e apresentar pra Linda.

 Observou os dois se afastando de mãos dadas, Melinda era uma mulher interessante, e apesar de o mau humor de Sophie ter impedido que ela desse a Melinda a atenção esperada, notara o quão doce e inteligente era a amiga de seu irmão. Sophie se perguntou se o interesse de Ray estava sobre Melinda, não seria uma novidade, como já constatara, Melinda era exatamente como as garotas que perseguiam Ray desde que Sophie se lembrava, não havia nada de diferente na história.

Então se deu conta que estava sozinha com James, e que talvez fosse ele o interesse de Ray. Ela conhecia o irmão suficientemente bem para saber que o casal não estaria ali naquela noite se não fosse do interesse de Ray. E assim foi, Sophie e James, sentados um em frente ao outro, uma garrafa de champagne vazia e um desconforto do tamanho do Centre Pompidou entre os dois.

 James tentou puxar papo, o que fez com que Sophie entrasse no modo automático e lhe respondesse sem grande interesse. Ouviu-o limpar a garganta, sua expressão impassível irritou-a um pouco, mas como parecia que o homem faria uma pergunta ela sentiu-se, nem que fosse em nome da boa educação, obrigada a encará-lo. James seguiu – Literatura certo? O que mais?

 Sophie o olhou com uma expressão meio irritada meio sonolenta, estava cansada, que tipo de pergunta era aquela? - O que significa? – ela baixou os olhos até a taça vazia a sua frente, observou a mesa e reparou nas mãos de James, estavam sobre a mesa, relaxadas, grandes mãos com seus dedos longos e excessivamente delicados, amarelados pelo cigarro, pareciam não combinar com o homem a sua frente, mãos jovens em um corpo cansado – Mãos atraentes – pensou consigo – Mãos que me tocaram – ergueu os olhos para seu interlocutor – Literatura é suficiente para mim, por enquanto. – Notou que, sem hesitar, James retribuiu seu olhar, seus olhos pareceram estranhos – talvez esteja bêbado, talvez eu esteja – pensou, ainda encarando o autor. Estaria estudando o homem a sua frente? – James Graham, quem diria? - o pensamento atravessou seu cérebro.

 Sophie tinha dúvidas ainda, se achava James atraente ao ponto de considerá-lo o novo interesse romântico de seu irmão, ela sabia que Melinda era extremamente atraente, observou o homem a sua frente como quem compra uma peça de arte, como mais da metade da população mundial masculina, ele usava uma barba que o deixava com a aparência de um revolucionário comunista, os cabelos castanhos e encaracolados batiam no ombro, era alto, mais alto que Ray, mas não fazia o tipo magro, na verdade era um cara bem comum, exceto pelos olhos, os olhos azuis eram os mais tristes olhos azuis que ela já vira. Que idade teria? Não saberia dizer. Pensou na época que não sabia quem realmente era James Graham, lembrou do livro dentro da bolsa, agora jogada no chão branco do apartamento de Ray. Lembrou do episódio que acontecera a pouco, da voz dele próximo a sua orelha, da sensação quente, e da agonia que sentiu ao perceber o prazer que percorrera seu corpo. E perdida em seus pensamentos como sempre fizera a vida toda, deixara escapar a pergunta.

– Que idade tem? – Quando se deu conta as palavras já estavam no ar e James sorria para ela, um largo e franco sorriso que a deixou mais aterrorizada do que ter perguntado sua idade ou ter constatado que sentira prazer com o sutil toque de seus dedos em sua coluna, percebera, ao ver seu sorriso, que James era realmente muito bonito. Antes que o sorriso de James de desfizesse, Sophie agindo rapidamente remendou sua questão – Desculpe, é que Linda disse que já publicou um livro, só fiquei curiosa. Conheço muitos bons escritores que ainda estão correndo atrás de sua primeira publicação. - Sophie não reparou mas o sorriso de James se transformara novamente naquela escultura diagonal, meio diabólica, meio santa.

 – É uma questão interessante, não precisa se desculpar, tinha 28 anos quando fui publicado, quase três anos atrás, por isso pode acalmar seus amigos do colegial, se eles forem bons terão pelo menos, se me usar como referência, uns dez anos para prepararem algo que preste para ler. Obviamente que primeiro terão que aprender a escrever. Você sabe, não é com curso superior que eles encontrarão o caminho, ser escritor vai além de saber repetir nomes do mainstream ou frequentar as cafeterias do Brooklyn.

 Sophie sentiu-se mortificada, por instantes não conseguiu esboçar reação alguma, quando começava a recuperar o folego, Ray e Melinda voltaram para mesa. Ray sentou-se ao lado dela, colocando o braço ao redor de seu pescoço, finalmente perguntou.

 – Minha Sophie… Vamos?

A proposta foi a melhor coisa que Sophie escutara até então. Saiu de lá sem olhar para os lados, principalmente, sem olhar para James, concentrava toda a sua atenção no irmão, que retribuía, caminhavam abraçados como um casal apaixonado, e pelo caminho de volta até chegar em casa Sophie conseguiu não pensar em James.

 Mas infelizmente, moravam no mesmo prédio, no mesmo andar, e antes que pudesse saltar para dentro do apartamento e sumir Melinda correu até ela e abraçando-a desejou boa noite, Sophie sentia-se desconfortável, mas tentou de tudo para não transparecer – Boa noite Melinda, foi uma noite muito agradável – sorriu fracamente, mas todos sabiam que ela estava cansada depois da viagem, então não se preocupou com o quão falso poderia soar seu sorriso ou suas palavras.

 Assim que Ray abriu a porta, Sophie se apressou em entrar no apartamento, desejando uma boa noite a todos sem olhar para trás.

 Enquanto se preparava para dormir, repassou a noite, tao estranhas eram as sensações. James sorrindo, James surtando, Ray de mãos dadas com Melinda, seu cansaço após horas de voo. Sophie decidiu encerrar as questões, culparia o fuso e a estranha coincidência de seu irmão ser vizinho de um de seus ídolos literários – agora nem tao ídolo assim, constatara um tanto decepcionada – pela estranheza da noite. Amanha esqueceria de tudo e seriam apenas ela e Ray.

Quando Ray se deitou ao seu lado na cama, tinha uma ruga na testa e ela sabia que havia uma pergunta rodando em sua cabeça. O irmão virou-se de lado para encará-la, respirando fundo perguntou.

 – O que houve? - Parecia mais sério que o habitual

 – O que houve… o que?

 – Quando voltei para a mesa você parecia… estava - Ray tentava escolher as palavras com cuidado – …pálida. Talvez ligeiramente confusa? Você diria… atordoada?

 Sophie riu para disfarçar o desconforto, como se conseguisse disfarçar algo para Ray, todas as palavras que ele usara se encaixavam bem em seu estado de espírito naquele momento.

 – Não houve nada.

 – Sério?

 Sophie balançou a cabeça afirmativamente. Ray abraçou-a, quase deitando em cima dela, apoiando a cabeça no peito da irmã. Sem encará-la perguntou outra vez.

 – O que houve?

 – Nada, Ray eu já disse… – Sophie suspirou, empurrando-o de cima dela de forma não muito delicada – Boa noite Ray. - disse enquanto dava as costas ao irmão.

 – Boa noite, minha Sophie. – Ele aproximou os lábios da orelha dela – Se divertiu?

 Sophie virou de frente para o irmão, olhá-lo de perto era como olhar o próprio céu, era paz e também beleza, o homem mais bonito que já vira. Colocou os braços ao redor do pescoço de Ray, com um meio sorriso respondeu.

 – Muitíssimo… - sorriu de canto e deu-lhe um beijo de esquimó.

 – Mentirosa.

 – Como se atreve! – fingiu ficar ofendida – eu sempre me divirto quando estou com você.

 Ray sorriu, sabia que era uma pilheria, mas também sabia que havia sinceridade ali.

 – Desculpe tê-la deixado sozinha, mas to tentando descolar um estagio para Linda com o Marc e…

 – Não me deixou sozinha, James estava lá.

 – Estava? Estranho por que pela falta de fala dele achei que era uma reprodução em tamanho real. – fez uma careta cômica, Sophie sorriu. - A não ser, que ele tenha resolvido falar apenas com você – Ray ergueu uma sobrancelha – Seria possível?

 – Bom – Sophie suspirou – Ele estava la…

 – E…

– E?

– Ele já a perdoou por não conhecer sua magnífica obra?

– Oh, esqueci-me de perguntar – Sophie simulou afetação.

 Ficaram em silêncio por alguns minutos, o sono abandonara os olhos de Sophie, algo a perturbava, mas ela não conseguia definir.

 – Ray… - Sophie pareceu hesitar, era como algo em sua garganta, estava arranhando, logo começaria a doer.

 – Sim? - Ray já sonolento ainda não se dera conta de que havia algo errado com ela.

 – Por que eles saíram conosco essa noite?

 – são meus amigos e…

 – Serio? - Sophie parecia a ponto de chorar, Ray abriu os olhos e a encarou, sorrindo docemente.

– Sophie… Eu te amo, não esqueça… É o amor da minha vida.

 Sophie piscou algumas vezes, como se afastasse as lágrimas – seria apenas ciúme? - era mais que isso, era uma sensação. Ray suspirou, dando um suave beijo nos lábios da irma. Sophie respirou fundo, Ray não responderia suas perguntas e ela já se cansara, não queria mais pensar sobre James, Melinda ou qualquer coisa daquela estranha noite. Virou de costas novamente para o irmão, ele a abraçou, sua mão quente pousada na cintura dela – Também te amo Ray, mais do que a própria vida.

 Sophie acordou languidamente, o sol invadindo o quarto, sentiu o calor da manha e o perfume do irmão, como um filtro doce e aconchegante, tateou sem olhar, tentando encontrá-lo, a cama ao seu lado estava vazia. Se espreguiçou daquela maneira peculiar dos gatos, sorriu, ela estava com Ray. Levantou e vestiu uma camisa de seu irmão, grande o suficiente para tocar-lhe o meio do quadril, eles eram praticamente da mesma altura, Sophie já se acostumara a nunca caber em camisas masculinas como garotas perfeitas em propagandas sexistas.

Caminhou pelo apartamento, havia luz por todos os lados e um recado na máquina de café “reunião, volto logo, te amo babe”. Sophie fez uma careta, torceu os lábios – Reunião… Ele acha que é o maldito Putin? – Soltou uma risadinha e revirou os olhos. Bocejando ligou a máquina de café. Quando a máquina deu sinal, pegou a xícara com o precioso líquido escuro e quente e se encaminhava de volta para o quarto. Então ouviu batidas na porta.

 Por um instante achou que fosse Ray, já de volta, então se deu conta que o irmão não bateria a porta. Praguejou, sabia, por instinto ou pela obviedade geográfica, que só poderiam ser os vizinhos de Ray, provavelmente Melinda – fez uma careta ao pensar na mulher – caminhou ate a porta, meio resignada, meio indignada. Parou por um instante, poderia apenas dar meia volta e não abrir… Ela devia ter feito isso.

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