Capítulo 7. Dor

A dor atingiu a todos como uma flecha envenenada e o remorso por reconhecerem a culpa, era maior que o tormento de não a terem encontrado. Zorem reconheceu que Aveline tinha toda razão de estar magoada e não querer falar com eles, seu coração doía, pensando na pobre filhote sendo atacada por lobos adultos selvagens. Passou as mãos pelos cabelos, agitado, sem saber o que dizer, pois nada que dissesse, desculparía seu abandono.

— Meu Deus! — falou, chorando, Begai — nós a abandonamos aos lobos selvagens para ser devorada. A minha filhinha.

— Agora está explicado, se for isso mesmo, ela tem toda razão de estar nos rejeitando — disse Zoren, cabisbaixo.

— E também explica porque, só agora, vendo vocês, a loba apareceu novamente. — completou Uchôa.

As mulheres saíram do quarto, Ava usava um vestido de Blanca, que olhou para nós com rancor. Pelo visto, escutaram toda a nossa conversa.

— Venha Ava, sente-se, tome um pouco de sopa, venha Blanca, vou servir vocês enquanto os filhotes estão dormindo. — Chamou Uchôa.

Elas se sentaram e Blanca puxou Shirley também.

— Eu prefiro um café se não se importar. Comi uma canja em casa. Aliás, preciso falar com vocês sobre isso, mas depois. — pediu Ava.

— Tudo bem, tem água quente e o café solúvel que Zoren trouxe ontem. — Uchôa respondeu, enquanto pegava o café e uma caneca.

— Gostaria de saber da sua história, poderia nos contar do que se lembra, filha? — pediu Shirley.

Apesar de sentir um grande aperto no coração e das lembranças seremuito dolorosas, achou melhor contar do que se lembrava.

— Sim — disse Ava pegando a caneca com o café e colocando um cubo de açúcar. — Eu me lembro que estava brincando na neve e Demétrio chamou para ir embora, quando ele se virou, desequilibrei, pois estava na beira da pista de neve e desci rolando até em baixo. Acho que desmaiei, pois quando acordei, era noite e estava coberta de neve. — contou Ava.

— Talvez não tenhamos a visto por causa disso, pois começou a nevar antes de escurecer. — falou Demétrio, que pelo visto, lembrava bem de tudo o que aconteceu naquele dia.

— Bem, quando acordei, fiquei desorientada e saí andando a esmo e não percebi que só me afastava da aldeia, ao ponto de ficar tão cansada e com frio, que me tremia toda. Foi aí que escutei uivos distantes e acho que foi isso que provocou a transformação. Em forma de loba, eu não sentia tanto frio e por ser branca, era fácil me esconder na neve. — Ava parou de contar para bebericar seu café.

— Então foi a combinação de frio e medo que a fez se transformar, sua loba sentiu o perigo e acordou cedo demais, para se proteger. Continue Ava — pediu o Alfa.

— Conseguimos nos proteger por muito tempo, acho que se passou um dia inteiro, não lembro direito, pois a loba achou uma vaga entre algumas pedras e ficou ali, escondida. Mas a noite chegou, estávamos com fome e ela resolveu sair do esconderijo para achar o que comer e foi aí que os lobos selvagens sentiram nosso cheiro. Nos encontraram e foi horrível — lágrimas caíram de seus olhos, molhando sua face e pingando no café, mas ela nem ligou. 

Todos permaneceram calados, contritos por ouvirem tal atrocidade.

— Já estava bem ferida, caída na neve, quando senti o cheiro de Demétrio e gemi, tentando chamá-lo, mas você Alfa Zoren, me abandonou lá, para ser devorada e se não fosse a ursa de Blanca chegar, eu estaria morta, agora — sua voz e sua face exprimiam raiva, rancor e mágoa pelo descaso deles, não só por ser ela, mas por terem abandonado um filhote nas mãos dos selvagens.

Demétrio deu um grito e saiu pela porta, se transformou em seu lobo e correu sobre a neve. Todos a essa altura choravam e não sabiam o que dizer. A verdade veio à tona, uma série de fatores e desencontros, que fizeram uma filhote tão linda e amada, sofrer ao ponto de quase morrer ou perder-se.

Capítulo 8. Migração 

Algo muito estranho estava acontecendo, enquanto Demétrio corria pela Floresta de Pinheiros e subia a montanha de Neve, observou uma revoada de pássaros, que não tem o hábito de migrar, mas estavam em fuga de seu habitat natural que é a costa rochosa do mar.

Os pássaros voavam em bando, sem saber aonde ir, alguns pousavam na floresta e outros caíram pelo caminho, por não serem pássaros de grandes voos, cansam facilmente e o frio os fazia cair. Outros animais de maior porte, corriam pela floresta, caíam na neve fofa e não levantavam, com as patas quebravam. Todos esses animais vinham da Costa. 

Demétrio precisava avisar ao Alfa, pois não demoraria muito e aquele lugar estaria infestado de pessoas e animais que não habitam no local e muitos morreriam por não resistirem às intempéries. Alguma coisa aconteceu na Costa e estava assustando os animais.

Demétrio correu de volta a casa do urso e arranhou a porta com as garras até que alguém o atendeu. Era Uchôa e trazia uma capa de frio nas mãos, imaginando que fosse o lobo. Demétrio logo voltou a forma humana, vestiu a capa e entrou. Todos perceberam sua agitação, Zoren levantou-se e foi em direção a ele, estendendo uma cadeira para que sentasse.

— Respira fundo, Demétrio e conta o que aconteceu — mandou o Alfa.

Mas Demétrio só sabia olhar para a irmã e lembrar tudo o que fez contra ela. Deixando as lágrimas caírem, olhou bem fundo nos olhos dela e pediu o quê sua alma ansiava fazer a muitos anos:

— Perdão, minha irmã, por favor, me perdoale. Eu te amo tanto, mas fui um fraco egoísta e não soube cuidar de você. Agora, acho que nunca mais seremos uma família unida…

— Pare com isso, menino! É claro que voltaremos a ser uma família unida, o importante é que Ava está aqui e viva, muito viva, graças a Deus — Shirley cortou a fala de Demétrio.

— Mesmo assim, me perdoe Ava, não foi minha intenção. Eu procurava, aliás nós, — olhou para o pai e para o Alfa. — procurávamos por uma menininha, não fazíamos ideia de que você havia se transformado. Sei que não é desculpa, mas me perdoe.

Ava olhava para ele de maneira inexpressiva e não respondeu, foram muitos anos de mágoas pelo abandono, sentiu-se rejeitada e se não fosse Blanca, teria sido devorada pelos selvagens. Só o tempo poderia dizer se a ferida curaria. A lembrança dos dentes afiados entrando e arrancando pedaços de sua carne, enquanto via seu irmão indo embora, doía demais.

— Hoje cedo encontrei um fradinho preso em uma de minhas armadilhas e achei muito estranho, creio que, pelo jeito que entrou por estas portas, apavorado, deve ter visto algo estranho também. O que foi? — Ava perguntou sem responder ao irmão.

Demétrio ficou triste ao ver que Ava não lhe respondeu, mas daria tempo a ela e achou melhor falar sobre o que viu.

— Sim, quando saí correndo daqui, entrei pela Floresta de Pinheiros e subi a montanha de Neve e quando olhei para o alto, vi bandos de aves diferentes vindo da direção da Costa. Também vi alces que não costumam vir para essa área e carneiros daqueles de chifres curvos que gostam das montanhas rochosas que têm na costa, passando pela floresta. Entre as aves, havia uma águia e até corujas, todas fugindo da Costa e entrando pela Floresta de Pinheiros — contou Demétrio.

Todos ficaram quietos, meditando no que haviam acabado de escutar. Eles, como moradores da área mais fria do Alasca, sabiam muito bem o que significava esta revoada de pássaros e estes animais vindos da Costa. 

Provavelmente, algum acidente ambiental ocorreu na costa. O Alfa, agora, precisava saber qual a gravidade deste acidente para poder tomar providências e proteger a sua Alcateia. Já Uchôa, estava preocupado com seus amigos ursos e com sua fêmea que acabou de parir seus três filhotes.

Precisavam se reunir urgentemente, para traçar uma estratégia de proteção a toda aquela área de reserva dos shifters.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App