Zorem sorriu como um bobo, inebriado com o aroma e a beleza da fêmea.
— Minha! — Soltou o Alfa, deixando seu lobo se manifestar e olhando para Ava. — Levou uma pancada na cabeça? Tá alucinando? Eu nunca serei sua companheira! — disse ela, não levantou a voz para falar, mas estava séria e convicta. — Você não pode fugir disso, sinto seu cheiro e o lobo confirmou, você é minha companheira! — confirmou ele. — Acho melhor nós conversarmos lá fora, não faz bem para os filhotes, toda essa tensão — falou ela, saindo do quarto. Já de volta à cozinha, Ava pegou a leiteira que ela deixou sobre a beira do fogão, mantendo aquecido e serviu uma caneca para ele, que aceitou, serviu-se e sentou em uma das banquetas da mesa. — Meu nome é Zoren, sou o Alfa da Alcateia dos Zagaias, que fica a alguns quilômetros daqui. E você, quem é? — Zoren preferiu ir devagar, mas foi direto. — Meu nome é Ava — falou séria de cabeça baixa, meditando sobre o nome da Alcateia, que lhe trouxe lembranças. — Só isso? Ava? Você não tem família ou uma Alcateia? — Queria fazer muitas perguntas, mas estas estavam boas para começar. — Só. Não — respondeu por monossílabas. — O que é? Você está com medo de mim, é isso? — Zoren estava começando a ficar ansioso. — Não tenho medo de você, Zoren dos Zagaias, você, para mim, é nada. Não me interesso por nenhum laço, muito menos o de companheiros, não me servem para nada — suas palavras soaram rudes, com um peso de dor profunda que deixaram o Alfa intrigado. — Nenhum lobo sobrevive sozinho — insistiu ele, bebericando seu café. — Eu vivo. Sou sozinha desde que me entendo por gente e sempre me virei sem Alcateia. — Algo mudou naquela fala e Zoren percebeu. — Você pode ter sobrevivido sem uma Alcateia, mas não sozinha — ele estava intrigado com aquela situação e resolveu testar uma suspeita que tinha — quantos anos você tem? — perguntou. — Vinte, por quê? — Ela franziu a testa ao responder. — Porque uma criança desapareceu de nossa Alcateia, já fazem 14 anos e ela tinha seis aninhos. Nós a procuramos que nem loucos, por meses e não a encontramos. Seria você? — Ele a observava atentamente e percebeu quando ela ficou tensa e olhou para ele de olhos arregalados. Sua respiração ficou apressada e seu coração, descompassado. Ela não sabia para onde olhar, num repente, levantou e saiu pela porta, direto no ar gelado da noite. Ele imediatamente foi atrás dela. Cuidou de fechar a porta e saiu correndo, a alcançando rapidamente e segurando em seu braço, a fez parar. — Não fuja de mim, Ava. Somos companheiros. Se você for aquela menininha, seus pais ainda estão vivos e continuam esperando notícias suas. Seu irmão Demétrio, se tornou um excelente farejador, pela prática de passar meses procurando você. Nos dê uma chance, minha pequena. — Zoren falou com o maior carinho possível. Ela se soltou, abaixou a cabeça e continuou sua caminhada na neve. A lua clareava a noite, tornando a neve mais branca e a noite mais clara. Ava caminhava com pressa, entregue aos próprios pensamentos. Aquele nome, Demétrio, trouxe à tona, algo que estava escondido no profundo de sua alma. Suas lembranças do passado, eram duras demais para ela querer que surgissem e complicasse sua vida. Chegou a sua pequena cabana, que só tinha um cômodo para tudo, abriu a porta e entrou e só então percebeu que o Alfa tinha continuado a lhe acompanhar. Olhou para ele, parada na porta, sem saber o que fazer, por fim, entrou e fechou a porta em sua cara. Foi nesta hora que Zoren percebeu que tudo que já viveu de dificuldade na vida, não se comparava a luta que iria enfrentar para conquistar sua companheira. Resolveu voltar para casa e vir no dia seguinte com todas as armas que tinha disponível para esse combate. Dabia que podia contar com a familia dela e que teria que desenterrar segredos e lembranças dolorosas do passado,as seria necessário, para que todos fechassem essa janela do passado e continuassem com suas vidas. Voltou para a aldeia sem se despedir de Uchoa e Blanca. No dia seguinte, explicaria o que aconteceu e pediria que contassem como conheciam Ava e o que sabiam sobre ela. Quando o dia seguinte amanheceu, as notícias não eram boas. O delegado ligou informando que o grupo de caçadores mortos, era um pequeno contingente de uma grande equipe que se dividia para explorar áreas de reserva. Se consideravam acima das leis de proteção ambiental e tinham costas quentes no meio político. O delegado Arlon, em uma tentativa de chamar a atenção das autoridades (in)competentes, chamou equipes de mídia e contou o que estava acontecendo com os animais da reserva. Estavam noticiando direto na televisão e na internet e o receio agora, era com os desavisados que adoram ver para crer. Zoren estava mais preocupado com Ava. Sua companheira vivia sozinha no alto da Floresta dos Pinheiros, em uma cabaninha pequena, fria e precária. Mesmo sendo uma loba e caçadora, ainda era uma fêmea sozinha. Depois de verificar as contas da Alcateia e a organização dos mantimentos, foi à casa dos pais de Ava e Demétrio. Zoren tinha certeza de que Ava era a filha desaparecida deles, teria que contar-lhes sobre ela, tentar descobrir o máximo de informações sobre o ocorrido e levá-los para vê-la. Precisava solucionar o mistério do desaparecimento dela, pois pela sua reação quando conversaram, suas lembranças eram muito ruins e a traumatizaram. Ele estava com 16 anos na época e fez parte das buscas. Lembrava-se muito bem das noites de frio intenso que passaram, correndo na neve entre os pinheiros, procurando qualquer sinal que fosse, da pequena. O mais incrível é o fato de que agora, ela está tão perto deles e eles nem desconfiavam. Chegando a casa dos Begay, bateu a porta e esperou, logo a porta foi aberta por uma sorridente fêmea, que depois de cumprimentá-lo, o convidou a entrar. — Bom dia, Shirley, gostaria de falar com toda a família presente, pode ser? — Zoren perguntou. — Claro Alfa, eles já estão descendo, sente-se que vou buscar um café. — Enquanto ela ia até a cozinha, pai e filho chegaram à sala. — Bom dia, Alfa, estávamos vendo o noticiário sobre os caçadores e parece que o Greenpeace está vindo para cá, o senhor viu isso? — perguntou Begay. — Pare de me chamar de senhor, homem. Fico me sentindo um ancião. Eu soube das notícias pelo Arlon, mas apesar de precisar tomar algumas providências, preciso lhes falar sobre outro assunto — Shirley chegou com o café e todos se serviram. — Em que podemos lhe ajudar, Alfa? — perguntou Demétrio. —Primeiro, eu gostaria que me contassem, principalmente você Demétrio, o que aconteceu exatamente no dia do sumiço da filha e irmã de vocês — perguntou Zoren, sendo bem direto. Eles o olharam espantados e depois se entreolharam e Begay perguntou: — Mas por quê isso agora, Alfa? — Contem, por favor — Zoren foi insistente. — O inverno estava rigoroso naquele ano, mas houve um dia que amanheceu com o céu limpo e azul. A neve estava firme e todas as crianças correram para descer a montanha em suas pranchas ou pequenos trenós, inclusive Aveline. Passaram o dia brincando, mas logo o tempo virou e todas voltaram, Demétrio estava cuidando dela, então não me preocupei — narrou Shirley, a mãe. — Então, você não estava com ela, Shirley? Onde estava? — perguntou Zoren. — Eu estava arrumando a casa e cozinhando. Mas quando percebi a mudança de tempo, fui até a porta para mandar que as crianças entrassem, Demétrio estava com dez anos e Aveline com 6. Vi Demétrio brincando e perguntei-lhe pela irmã e ele respondeu que ela já tinha vindo, que devia ter entrado. Mas procurei pela casa e ela não estava. — Estavam todos emocionados e Demétrio começou a chorar.