Capítulo 2. Dura Realidade

Eram muitas coisas para pensar e analisar e a mente dos rapazes estava cansada. O Alfa, percebendo isso, os dispensou para que fossem descansar e também se retirou para sua casa. Ele passou vários dias preocupado com eles no frio, à mercê dos caçadores e também se preocupava com os filhotes que estavam com a alimentação escassa, mas eles chegaram bem e com leite para alimentar os filhotes. Agora podia descansar um pouco.

**

Todos dormiram até o entardecer, coisa normal para os lobos, que são animais noturnos. Porém, no momento, foi pelo cansaço mesmo, pois o mundo humano funciona de dia e a Alcateia têm negócios com os humanos. Forneciam serviços de vigilância e limpeza de neve com seus caminhões, alguns trabalhavam nas lojas da cidade mais próxima e até em cargos públicos. 

A Alcateia ficava afastada da cidade, cerca de uma hora e meia de carro. Uma estrada asfaltada cortava a floresta, permitindo o transporte de pessoas e materiais. Infelizmente, também de caçadores. O que fazia Zoren lembrar que precisava avisar ao delegado sobre os caçadores. O delegado também era um shifter, só que de urso.

A aldeia dos Zagaias, como se denominavam a centenas de anos, parecia uma pequena cidade. Quem chegasse de carro, entrava por uma rua central, contendo casas e lojas, assim como uma pequena delegacia, uma loja mecânica e uma clínica médica. Havia uma escola para as crianças, mais afastada e os adolescentes iam estudar na cidade maior.

Os telhados das casas eram altos e bem íngremes, para facilitar o deslizamento da neve. Pintados de vermelho, se destacavam em meio a neve branca. Cercada por uma vasta floresta de coníferas, tinham o ambiente perfeito para lobos brancos poderem correr e caçar e um rio caudaloso, próximo, fornecia água que chegava à Aldeia, através de tubulação subterrânea.

Zoren havia investido muito em uma engrenagem moderna para aquecimento da água e proteção da tubulação, desta forma a água não congelava antes de chegar à aldeia. Também tinham dois geradores potentes, fornecendo eletricidade para todos. Uma represa estava sendo construída um pouco distante dali, mas o governador do Estado prometeu que em breve teriam luz direta, mas Zoren pensava na energia sustentável. Só que, com a escassez de alimentos, teve que esperar  ter capital para investir.

Lobos vivem de caça e se não houver, podem definhar e morrer. Os caçadores clandestinos, embora não soubessem, fizeram um estrago na fauna local e na vida dos shifters.

Zoren se alongou ao levantar e se cuidou como toda manhã, olhando seu rosto no espelho, resolveu aparar a barba que já estava disforme. Ligou o aparelho na tomada e um estalo apagou a luz de toda a casa, puxou o fio, removendo o aparelho. Passou a mão na cabeça e foi olhar os disjuntores para ver se desarmou algum. Realmente, religou e a energia voltou, teria que trocar aquela tomada.

Usou a tomada da cozinha e enquanto passava o barbeador no rosto, preparou a cafeteira para ir passando o café. Separou ovos e bacon e terminou de aparar a barba, desligando o aparelho. Olhou para o chão e estava salpicado de pontas de barba. Essa era a vantagem de não ter uma companheira, ninguém para reclamar da bagunça que estava fazendo.

Zoren saiu depois de comer e foi direto ao depósito, encontrando o delegado que observava todo o material recolhido no acampamento dos caçadores. Ele olhou com tristeza para as peles, ainda congeladas e sem tratamento, provavelmente vieram de carcaças que foram largadas em qualquer lugar. Carne preciosa para os lobos. Ainda bem que os ursos preferem peixe e hibernam no inverno, se não, eles passariam fome também. 

— É muita coisa, Zoren, muita crueldade, se aqueles infelizes não estivessem mortos, eu mesmo os mataria — o delegado exprimiu sua revolta.

— É, amigo, a crueldade nunca para de me surpreender — respondeu Zoren — por outro lado, havia uma boa quantidade de mantimentos no acampamento, não entendi para quê tanto leite em pó.

— Alguns ursos estão para ter seus filhotes e um filhote de urso no câmbio negro, vale uma boa grana. — explicou o delegado.

— Vou levar essas caixas para o refeitório, Arlon. Quer vir comigo? — Sorriu para ele, insinuando que certa pessoa estaria lá. 

— Claro, Alfa, ajudá-lo é meu dever — respondeu sorrindo e pegando uma das caixas de leite em pó.

— Acaso você está sabendo de uma fêmea que caça na Floresta de Pinheiros. — perguntou Zoren ao delegado Arlon.

— Na verdade, este assunto é um tabu entre os ursos. — Arlon respondeu, mas fechou a cara.

— Como assim, pelo que ouvi de meus homens, foi uma mulher com uma besta quem matou os caçadores. — Insistiu o Alfa.

— Você tem certeza? A caçadora das sombras desceu a floresta para pegar os caçadores? Ela devia estar preocupada com os ursos. — O delegado refletiu em voz alta, sem perceber.

— Quer dizer que ela existe mesmo, é protetora dos ursos e se chama caçadora das sombras, interessante — brincou o Alfa.

Os dois entraram no depósito e Zoren não tinha mais como perguntar nada para o urso apaixonado. Sua docinho ainda era muito nova para acasalar, mas ele já não se aguentava de paixão. Sophia avistou o urso, veio correndo e se jogou no colo dele.

— Estás pesada, minha ursinha, isso é um bom sinal. — Segurava ela pelas costas, apoiando-a, já que o agarrava com as pernas pela cintura. 

— Obrigada, meu ursão, meu aniversário é no mês que vem, farei meus dezesseis anos e entrarei na maioridade. Você virá a minha festa? — perguntou a jovem com rostinho de menina, tranças no cabelo e olhar inocente.

— Não estou sabendo desta festa, convidam o delegado e esquecem do Alfa, muito bonito isso… — falou Zoren, enciumado.

— Calma, Alfa Zoren, a sua companheira já está chegando, aí será a sua vez. — falou a menina petulante.

—Sabe tudo de companheiros, essa metida, agora virou vidente. Desce daí, e vai separar o leite das crianças. — Ele foi grosso, mas ela nem ligou, já estava acostumada.

— Isso é muito bom, Alfa, já vou separar. Com licença — deu um beijo na bochecha do delegado e saiu saltitante.

— Viu isso? — Zoren olhou para o delegado — quer um babador aí, se não, a baba vai molhar sua roupa.

O delegado sorriu e deu um soco leve no braço do Alfa.

— Vamos lá, pegar as outras caixas. — Saiu andando, o ursão. 

— Não será necessário, aquelas eu vou levar para o Uchôa, soube que a Blanca está para dar a luz. — Informou o Alfa.

— Isso será muito bom, pois eles tiveram que parar de pescar por conta do congelamento das águas e como Uchôa está acordado quando devia estar hibernando, não está com o humor e a disposição dos melhores. — Informou o delegado.

— Será que ele conhece a caçadora? Seria o direito dela ficar com os despojos. Nós, praticamente, recebemos pelo trabalho que foi ela quem fez. — Zoren jogou a isca, mas Arlon é pescador nato e não mordeu o anzol.

— Você pode tentar, mas lhe digo uma coisa, aqueles dois cuidam daquela menina desde os seis anos e não deixam nenhum lobo chegar perto dela. — Foi um aviso de amigo, dado por Arlon.

— Mas ela é uma loba, deveria estar entre os seus, em uma Alcateia — resmungou o Alfa.

— Isso não é comigo, melhor você conversar com ele mesmo, quem sabe ele confie em você. Vou indo, farei um relatório com o que vocês contaram e vou pedir um perito para ir até o local, examinar tudo — colocou o boné de lã, com protetor de orelhas e se foi.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App