Capítulo 11 - Adivinha quem ganhou a corrida?

Sentir os cabelos voando ao vento dava uma grande sensação de liberdade. Respirei fundo, deixando o ar corrido entrar em minhas narinas, aproveitando aquela sensação maravilhosa. O cavalo negro que eu montava parecia estar conectado a mim de uma forma extraordinária. Pelo menos obedecia meus comandos sem hesitar.

De repente me ocorreu que eu ter vindo treinar com as Guerreiras foi a melhor coisa da minha vida. A rotina que antes eu estava tão acostumada parecia ter sido deixada para trás e confesso estar gostando desse tipo de mudança radical. Nunca havia experimentado essas coisas e agora... Tudo parecia bom demais para ser verdade.

Nossa instrutora de equinos pediu para mostrarmos nossas habilidades através de uma corrida entre nossos cavalos. Eu podia não estar em primeiro, mas ficava feliz por a Karen estar realmente mostrando no que era boa. Ela liderava o grupo de vinte cavalos. A garota do segundo lugar tentava incessantemente alcança-la, mas minha colega se demonstrava muito superior a ela.

Milena estava dando seus jeitos de tentar se manter no cavalo, por isso, era a última do grupo. Eu me encontrava no quinto lugar. Não era nada mal e eu fazia de tudo para me manter nessa posição, afinal, tinha gostado da experiência de poder montar um cavalo.

— MAIS DUAS VOLTAS, INCIANDAS! — gritou nossa instrutora.

As garotas continuaram correndo com seus cavalos, ainda disputando boas colocações. Apesar de estar concentrada, cheguei a pensar no dia em que Karen salvou Milena. Havia quase uma semana que isso tinha acontecido e as duas não tinha estabelecido uma “conexão” como equipe. Na verdade, Karen fez questão de jogar todo crédito do ato heroico em mim, então isso acabou fortalecendo a amizade que eu estava começando a ter com Milena.

Quanto aos poderes sobrenaturais que tinha descoberto da Karen, nem eu nem ela fizemos questão de tocar no assunto. Milena nem sonhava com esse tipo de coisa, mas mesmo assim me perguntava vez ou outra se ela também tinha poderes. Bom, a ninfa disse “duas filhas da noite”. Apenas duas, pensei. De qualquer forma, não dava pra chegar numa conclusão sozinha.

— ÚLTIMA VOLTA, INCIANDAS! — o grito da instrutora ecoou por todo campo. Ela estava no centro da forma oval gigante em branco.

Nós fazíamos os cavalos obedecerem o centro de duas linhas brancas no chão. Uma espécie de pista para que não nos perdêssemos no ritmo e as voltas pudessem ser contadas. Uma linha vermelha também pintada no chão demarcava o início e fim de cada volta.

Dei um pequeno sorrisinho quando ultrapassei a linha pela última vez, conquistando o quinto lugar. Fui desacelerando o cavalo e quando o mesmo se acalmou do ritmo intenso, desci e acariciei sua cabeça, murmurando agradecimentos. Abri a bolsa de couro presa na cintura e lhe dei três petiscos.

— Levem seus cavalos para o estábulo e retornem para encerrarmos juntas a aula — pediu a instrutora, utilizando um alto tom de voz para que todas pudessem ouvir.

Assenti por costume e pelas rédeas, levei meu cavalo calmamente ao terceiro estábulo onde o havia pego. Tinham outros quatro estábulos, cada um com uns dez cavalos. A instrutora explicou que mantinham essa quantidade para garantir que nunca faltaria cavalos para o treinamento. Onde estavam os cavalos usados para guerra? Ficavam em outro lugar. Bem, a instrutora não quis revelar o local, mas existia.

Acariciei um pouco o cavalo que me dera uma boa colocação antes de deixá-lo para trás. Logo estava reunida com as outras garotas. Mais algumas chegaram antes da instrutora voltar a ter a palavra:

— Dou o parabéns para as três primeiras colocadas. — Sua expressão não revelava uma verdadeira parabenização às meninas. — Uma porção de comida extra será entregue no quarto de vocês como recompensa.

Lancei um pequeno sorriso para Karen. Ela merecia. Não tínhamos longas conversas — na verdade, quem ainda mais falava era Milena —, mas sua habilidade com os cavalos recompensava qualquer palavra não dita por ela.

— Porém, aquelas que ficaram com as cinco últimas colocações, peço que fiquem um tempo a mais. Uma verdadeira Guerreira nunca pode ser a última num grupo. Precisamos ser as melhores. Se alguém fica para trás, a deixamos para trás. Precisam entender que numa guerra não se pode perder tempo.

Como símbolo de respeito, nenhuma Inicianda abriu a boca. Todas concordavam, inclusive eu. Dentro de mim, orgulho estava entre meus sentimentos. Pelo menos na cavalaria, havia conquistado o que a instrutora desejava. Estava entre as consideradas "adequadas" para fazer parte das Guerreiras numa guerra. Esperava que esse feito pudesse fazer com que elas esquecessem a primeira punição que eu havia ganhado no primeiro dia por chegar atrasada.

— O restante está liberado. Podem seguir para seus quartos.

Todas concordaram com a cabeça e aos poucos foram se dispersando. Karen meneou a cabeça na direção dos dormitórios e eu assenti, começando a andar com ela. Quando estávamos mais afastadas, arrisquei olhar para a instrutora e notei que sua expressão tinha ficado ainda mais rígida. Duas garotas olhavam assustadas para ela.

— Com certeza estão levando um sermão — apenas a fala da Karen me fez perceber que também olhava para elas.

Bem, não dava para saber se de fato estavam levando um sermão, mas parecia. O problema disso era que todas nós havíamos aprendido que junto com um sermão sempre vem uma punição. Com o passar do tempo, fomos percebendo também que as punições iam ficando piores. E eu não fazia ideia do que poderia acontecer caso levássemos uma quantidade considerável de punições.

Um caminho silencioso levou eu e Karen ao nosso quarto. Respirei fundo e desabotoei minhas botinas ao sentar na cama da Milena. Elas estavam com lama por causa do dia anterior chuvoso. Naquele dia de treinamento, muitas garotas ficaram nesse estado, então nos foi liberado o banho semanal. O banho só era liberado uma vez por semana porque diziam que numa guerra, banhos não eram necessários pois não tinham tempo de se darem esse tipo de "luxo".

Assim que terminei de desfazer o laço do cadarço, ouço um estômago roncar. Obviamente era o da minha colega de quarto, mas o meu em seguida acabou roncando, parecendo uma resposta a ela. Nós duas trocamos olhares.

— Ridículo o que fizeram — ouvi ela murmurar, desviando o olhar em seguida.

— É pra criar resistência em nós — utilizei mesmo argumento das Guerreiras.

— Criando resistência através da fome? — disse ela inconformada.

— Foi o que falaram. — Dei levemente de ombros. — Numa guerra não se pode esperar que todos os dias tenhamos um jantar, lembra? Vamos passar fome quando estivermos na linha de frente.

Karen solta um suspiro audível.

— E quem disse que eu estarei nessa maldita linha de frente? — percebi que acabou utilizando um tom grosseiro. — Não se pode colocar novatas lá.

Um silêncio se instalou por alguns instantes. Enquanto eu olhava para ela, a mesma desviava o olhar, focando apenas em suas botinas. Ela as desamarrava.

— Parece... que você odeia esse lugar — comentei depois de um tempo.

— Só parece? — sua pergunta carregava deboche e sarcasmo. — Se eu pudesse escolher, juro que jamais teria vindo pra cá.

— Mas por quê? Não está feliz de ter sido escolhida? Muitas garotas dariam tudo para estar no seu lugar.

Não entendia a tamanha aversão que a Karen sentia de todo o sistema das Guerreiras. Nos primeiros dias, a sua fala ousada com a oficial me assustara, mas agora, em partes já tinha me acostumado com seu jeito. Hoje era o último dia da segunda semana, como tinham nos dito no café da manhã.

— Acha que eu não sei que muitas dariam para estar no meu lugar? — Suspirou. — Eu fiz de tudo para não vir pra cá, mas é uma fase obrigatória para todas as garotas, você sabe disso.

— Podia então ter ficado presa na primeira fase de propósito... — sugeri.

— Eu tentei também. Não sei porque diabos me passaram, mas aqui estou eu.

Seus olhos voltaram aos meus. Os hematomas da punição que levara nos primeiros dias ainda marcavam seu rosto. Estavam mais escuras e as vezes eu achava que ainda doíam. Algumas Iniciandas olhavam para ela assustadas. Porém, outras duas garotas que andavam por aí também tinham marcas parecidas no rosto. Me perguntava se tamanha violência era assim tão necessário.

— Sinto muito — é a única coisa que consigo dizer por ela.

— Não sinta. Só estou acatando todas as ordens porque não quero que aconteça o pior comigo.

Ela se levantou da própria cama, caminhando descalço por nosso quarto até chegar na janela. O pôr-do-sol daquela tarde enchia o quarto com a luz dourada. Antes de vir ao treinamento, aquela cor me dava nos nervos. Era o momento que a maldição começava a se mostrar.

— O que foi que fizeram com você aquele dia? — decidi perguntar.

Os momentos que passava sozinha com a Karen, eram os únicos em que estabelecia uma conversa mais longa. Ela parecia guardar muitos mais segredos do que eu e isso me intrigava. O que mais me incomodava era o fato dela odiar tanto tudo que envolvia as Guerreiras.

— Elas me levaram pra um lugar mais reservado e me bateram, Cia — disse, sem olhar para mim. Estava distraída com a paisagem do lado de fora. — Me bateram até sangrar. Falavam o tempo todo que era pra eu aprender a ter mais respeito.

Enquanto ela me falava, meu corpo estremecia de medo. Tinha medo de errar em alguma parte do treinamento e sofrer alguma punição desse nível. Não queria descobrir a sensação de apanhar por ter desobedecido. Mamãe nunca precisou fazer isso comigo pelo menos.

— Eu imaginava que esse lugar não era nada receptivo — completou sua fala.

— Mas por quê? Por quê? — continuei insistindo.

A garota apenas balançou a cabeça, como se estivesse negando em me responder. Pelo jeito não é hoje que você vai obter respostas de alguma coisa, Cia, pensei, soltando um suspiro. Meu estômago roncou.

— Não aguento mais isso — declarou repentinamente, virando-se na minha direção. — Vamos conseguir mais comida.

— É, eu sei. Elas vão trazer o seu prêmio e...

— Não estou falando disso — ela cortou minha fala. — Quero mais, Cia. Acha mesmo que me dariam um prato de comida fácil assim?

Apenas a encarei, querendo descobrir onde queria chegar com essa conversa. Não fazia ideia de como poderíamos arranjar mais comida. Qualquer forma que eu tentava imaginar parecia ser bem errado. Esperava que o seu plano não envolvesse nada ilegal.

— Ainda não entendeu o que eu quero? — questionou ao perceber meu silêncio.

Continuei sustentando uma expressão duvidosa por causa de suas palavras. Um pequeno sorriso traquino brincou em seus lábios. Era a primeira vez que via ela numa expressão diferente da neutralidade e da raiva. Então as próximas palavras escaparam com facilidade da sua boca:

— Quero roubar comida.

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