- Sou Alfredo Nascimento, advogado e fiscal do concurso. Que Deus lhe dê em dobro o que fez por mim.
Jheniffer estendeu a mão.
- Amém. Prazer, sou Jheniffer Stuart, estudante de Direito e, se passar nessa prova, talvez uma funcionária do INSS.
Nascimento riu. Ela bateu no ombro dele com a palma da mão, uma de suas manias.
- Pode rir. Sei que meu nome remete a personagens de livros de romance americano ou daquelas séries policiais. Acho que foi de onde meus pais tiraram meu nome.
- É um nome forte, diferente. Você se expressa muito bem. Já comprovei que é uma pessoa gentil e bondosa. Trabalha onde?
-Era garçonete mas fiz um acordo. Forneci o traseiro, a empresa forneceu o pé. Fui despedida por me atrasar. Estou desempregada. Preciso de um emprego pra ajudar meus pais a pagarem minha facul.
Nascimento tirou um cartão do bolso.
- Nascimento e Gomes Advocacia. Passe lá, na segunda feira. Temos uma vaga de secretária, se quiser. Poderá também me auxiliar nos processos.
Ela tremia ao pegar o cartão.
- Legal. Dizem que o universo devolve em dobro todo bem que fazemos aos outros. Eu creio nisso. Perfeito. Estudar direito e trampar num escritório de advocacia. Estarei lá, doutor Nascimento.
Tempo depois, quando Jheniffer concluiu o curso de Direito, Nascimento lhe deu um anel de brilhantes na formatura. Foi preciso contratar outra secretária pois Jheniffer passou a trabalhar como advogada no escritório. Dois anos depois, com a aposentadoria de Gomes, Nascimento lhe propôs uma sociedade. O escritório passou a se chamar Nascimento e Stuart Advocacia. Eles formaram uma bela dupla. Nascimento preparava os processos, Jheniffer analisava-os minuciosamente, encontrando caminhos para a solução desses.
- Você tem se dedicado muito, Jheniffer. Estou orgulhoso.
Nascimento estava satisfeito com a destreza da jovem advogada. Ela tinha vocação e garra, além de ser muito perspicaz. O número de clientes crescia a olhos vistos.
- Um amigo está vendendo um apartamento no Morumbi. Quer se mudar para Curitiba e pede uma pechincha pra se desfazer do apê. É um apartamento simples mas está localizado no Morumbi, o que o valoriza sobremaneira. Excelente oportunidade pra você.
Jheniffer se assustou. Ela morava com a amiga Stefany.
- Eu?! É o meu sonho ter um cantinho pra chamar de meu. Até consigo pagar as prestações mas não tenho a grana da entrada, dos documentos do cartório e prefeitura. Essa papelada e burocracia toda.
- Eu tenho. Eu lhe empresto e você me paga, em suaves prestações. Não podemos deixar escapar essa ótima oportunidade.
Ela pulou no pescoço dele, quase o derrubando.
- Você não existe. Meus pais ficarão felizes ao saber.
- É o mínimo que posso fazer. Triplicamos o número de clientes, graças a você. Eu relutei em aceitar defender aquele jogador de futebol, no processo de divórcio com a cantora mas você me convenceu. Agarrou o caso com unhas e dentes. Vencemos. O caso saiu na mídia, nos deu projeção e notoriedade.
- Minhas aulas de retórica e oratória me auxiliaram nas audiências e tribunais. Não basta conhecer a lei e ter uma bela voz, meu caro. Estou louca pra conhecer o meu apê.
E foi assim que nasceu a bela amizade entre eles.
Jheniffer ligou para Stefany.
- Amiga. Vou me atrasar um pouco. Sei que é a despedida da Lorraine, a professora de zumba. Marcela me ligou, aflita. O Nascimento está no hospital Redenção. Teve um princípio de infarto, ao sair do trabalho. Quero passar lá.
- Puxa. É grave, então. Mande um abraço pra juíza Marcela.
Jheniffer chegou ao hospital. Marcela estava na recepção. Jheniffer a abraçou.
- Como ele está?
- Está na UTI, a Unidade de Tratamento Intensivo. O médico disse que foi apenas um susto, um princípio de infarto. Sorte ter sido socorrido a tempo. Nada será como antes.
Jheniffer estava aliviada.
- Vamos pensar no melhor. Ele vai sair dessa. Você o viu? Ah, Stefany lhe mandou um abraço e votos de melhoras para o Nascimento.
- Stefany é uma fofa. Não cheguei a entrar, só vi meu esposo pelo vidro. Um médico me disse que faz parte do procedimento. Ele deverá ir para o quarto ainda hoje.
João Carlos e Simone, de doze e quinze anos respectivamente, vieram até elas. Eles abraçaram a mãe. Estavam na capela do hospital. Eles também abraçaram Jheniffer.
- Tia Jheniffer, o papai terá que obedecer os médicos, cuidar da alimentação e abandonar as extravagâncias. Pra vigiar o gordinho, contamos com você.
- Pode deixar, Simone. Vou levá-lo pra academia também. O Brasil sempre teve ótimos cardiologistas, disso não precisamos nos preocupar.
- O pior já passou. Nascimento vai passar por uma bateria de exames. Ele sempre foi sedentário, amante do cigarro e uísque. Totalmente relapso quanto a alimentação. Espero que aprenda com esse susto. Terá que mudar a rotina se quiser levar uma vida normal. Preciso de alguém pra ficar de acompanhante dele, hoje a noite.
Jheniffer se prontificou.
- Eu virei, com todo prazer, Marcela. Vou pra academia agora mas voltarei, às dezoito. Vocês precisam descansar.
Marcela concordou.
- Você é um anjo em nossas vidas, Jheniffer.
- Essa frase é minha.
Pouco tempo depois, Jheniffer e Stefany chegaram a academia FitnessUp.
- Não pude ver o Nascimento mas a Marcela garantiu que estava estável, após o apagão. O médico a tranquilizou. Foi um susto, Stefany.
Elas cumprimentaram as atendentes e os instrutores da academia. A música eletrônica alta. O vai e vem de alunos. O barulho dos halteres e aparelhos de ginástica.
- Uau. Vamos começar nossa rotina ao som de Alok. Sabia que o rapaz, que canta com ele, é brasileiro?
- Sério? Jurava que era americano, Stefany. Tem um inglês perfeito. Bora trabalhar a panturrilha. Nosso segundo coração, como sempre diz o instrutor Guilherme.
Após uma série de exercícios, elas se admiraram nos grandes espelhos.
- Vou fazer dorsal, bíceps e abdômen, Jheniffer. Tenho que passar no mercado, não tenho abacate pra fazer guacamole. O que resultou o processo da HDM?
Jheniffer estava aérea, com o pensamento em Nascimento.
- Você está no mundo de Nárnia. O processo da HDM, lembra?
- Me desculpe. Vencemos em todas as instâncias. Não cabe mais nenhum recurso pois surgiu uma prova conclusiva, de uma testemunha chave. O Almeida abriu o bico.
- Bafo. O Almeida, aquele arrastava um caminhão por você?
- A priori, sim. Saímos duas vezes, pra jantar. Nem sabia que era diretor da HDM. Estava com a corda no pescoço, envolvido em maracutaias e suborno de fiscais. Crime ambiental e mais. Apenas o convenci a me dar as provas.
- Assim, de graça?
- Claro que não. O Almeida me queria e eu queria as provas. Além do mais, o Nascimento exigiu esforço total no caso pois nossa comissão chegaria perto da casa do milhão. A HDM contratou ótimos advogados. O Almeida se demitiu e vazou pra Europa. Exigi que assinasse um contrato de privacidade total. Ninguém pode saber disso, nem o Nascimento.
- Entendi. Sei ler nas entrelinhas. Você é top das tops.