O som do clique foi suave, quase imperceptível. Mas para Natália, soou como um trovão surdo.A chamada havia terminado.A tela escureceu. O reflexo de si mesma voltou a aparecer no monitor, agora sem a presença de Matteo. Sem os olhos verdes dele fixos nos dela. Sem sua voz grave atravessando as defesas que ela passou anos erguendo.E então, veio o vazio.Natália fechou lentamente o laptop, o som do fecho metálico soando como o fim de um capítulo. Sentada ali, no centro do quarto escurecido apenas pela luz fraca do abajur, ela permaneceu imóvel por alguns segundos. As mãos ainda repousavam no colo, os dedos trêmulos em cima do tecido do roupão.Foi quando sentiu a primeira lágrima.Escorreu sem permissão, quente, silenciosa, arrastando consigo lembranças, saudades, ausências.Ela não chorava com facilidade. A mulher por trás de Perséfone aprendeu a endurecer, a calar as dores, a sorrir com os lábios e silenciar com os olhos. Mas agora… agora o peito parecia pequeno demais para conter

Sede da VIP Rooms 23h48A noite caía sobre Paris como uma cortina de veludo negro cravejada de luzes distantes. A cidade, mesmo em seu ritmo noturno, pulsava com o charme indomável dos apaixonados, dos insones e dos pecadores. No alto do edifício mais discreto da Rue de Rivoli, oculto por cortinas internas de vidro fumê e protegida por um nível de segurança digna de chefes de Estado, brilhava a sede central da VIP Rooms.Ali, em meio a decorações opulentas e minimalistas, tecnologia de ponta e arte antiga dialogavam. O passado e o presente se encontravam. Tal qual seus frequentadores, homens e mulheres de poder, desejo e segredos.Na ala mais reservada do edifício, com vista direta para a imensidão da cidade, Vittoria Médici permanecia sentada em uma poltrona de veludo vermelho escuro, com um cálice de vinho tinto em uma das mãos e os olhos fixos na tela holográfica suspensa diante dela. Seus dedos, bem cuidados, envolviam com naturalidade a haste fina da taça. Havia algo de hipnóti

Cobertura de Andrews Smith — Manhattan, Nova York23h16A cidade abaixo respirava com o ritmo frenético dos corações que não conhecem o silêncio. Carros, buzinas, letreiros piscando. Mas na cobertura de Andrews Smith, o mundo parecia suspenso. Congelado em um tempo só dele.O homem estava ali, diante das janelas imensas de vidro, como uma estátua esculpida em aço e sombra, segurando um copo pesado de cristal, onde o uísque escocês refletia as luzes da noite como sangue dourado. O líquido tremia levemente em sua mão, denunciando uma vibração quase imperceptível em seus músculos.Não era nervosismo, era excitação, desejo. Voracidade contida demais, por tempo demais.Ele tinha esperado por isso. Por Anos.O celular repousava sobre a mesa de mármore. A notificação já havia sido lida há minutos, mas Andrews ainda relia mentalmente cada palavra. Cada letra.VIP Rooms – Notificação PrioritáriaPrezado Cliente X ,Confirmamos o seu encontro presencial com Afrodite.Data: dois dias a partir de

VIP Rooms – Corredores Privativos10h45 da manhãO som dos saltos de Natália ecoava nos corredores silenciosos e impecavelmente limpos da sede da VIP Rooms. O mármore negro polido refletia sua silhueta como se o chão tentasse contar a história que ela carregava no olhar, um misto de encantamento, medo e inquietude.Sua mente ainda fervilhava com a conversa que havia acabado de ter com Vittoria. As palavras da CEO continuavam girando em sua cabeça como um disco em rotação lenta: “Talvez até mesmo Evan Médici possa se surpreender…”Mas Natália não conseguia se agarrar apenas ao otimismo.Ela conhecia Irina melhor do que ninguém. Sabia do brilho puro e vulnerável que existia por trás da sensualidade meticulosamente encenada da performer Afrodite. Sabia da menina que nasceu numa vila esquecida do interior, que perdeu os pais cedo demais, que chorou no colo da avó até que ela também partisse. Sabia da adolescente que se viu sozinha no mundo e ainda assim teve coragem de sonhar. Sonhar com

Irina SmithO céu começava a escurecer quando ouvi o interfone tocar.Parei por um instante, bem em frente ao espelho. Meus olhos fixos no próprio reflexo. Um frio percorreu minha espinha, e a respiração se tornou mais lenta, não de medo, mas de antecipação. O coração disparava em um ritmo estranho, como se soubesse que dali em diante, não haveria mais como voltar.— A senhorita está pronta? — a voz do motorista soou do outro lado da linha, polida, profissional.Engoli em seco antes de responder.— Estou descendo.A máscara prateada já estava entre minhas mãos. Leve, fria ao toque. Um acessório que me protegia… e ao mesmo tempo, me revelava. Como se usar algo sobre os olhos me libertasse do resto do mundo. Como se ocultar o olhar me autorizasse a ser tudo que eu sempre reprimi.Mas, naquele momento, eu tremia.Peguei minha clutch pequena e saí do apartamento. O corredor parecia mais silencioso que o normal, como se até os sons do mundo respeitassem a tensão que me atravessava o corpo.