Os Princípios do Amor
Os Princípios do Amor
Por: Nayla Quill
01

Ele acorda com o barulho do despertador.

Seis da manhã de segunda-feira.

Aquele som estridente do aparelho lhe enchia os ouvidos, o irritando profundamente por tê-lo acordado tão cedo.

O relógio ainda tocou por mais alguns segundos, antes do rapaz de dezesseis anos esticar preguiçosamente a mão até o criado-mudo e o desligar. Mas, como estava desorientado e muito cansado, ele simplesmente socou o relógio com um grunhido frustrado, o derrubando no chão e o desligando. Provavelmente o quebrando também.

Bufou.

Sua cabeça doía, assim como seu corpo. Mas o que ele esperava? Depois de uma saída com os amigos para um bar local na noite passada, não era surpresa que estivesse naquele estado. Claro que foi divertido, afinal, ele era assim.

Dante Martinez era o que alguns poderiam considerar um aventureiro. De origem francesa, ele tinha alguns atributos que muitos de seus colegas brasileiros não tinham. Uma beleza estonteante, carisma, charme e muita autoconfiança.

Algumas pessoas, no entanto, sabiam que ele podia ser um pouco agressivo e cabeça-dura as vezes. Seus amigos mais próximos, que eram bem poucos aliás, sabiam que quando ele queria algo, ia até o inferno para conseguir.

E, nesse exato momento, ele queria mais alguns minutinhos na cama.

Mas sabia também que, se não se apressasse, seu irmão mais velho entraria no quarto, dizendo que ele estava atrasado para a escola. E desde quando ele ligava para escola? Infelizmente tinha que passar de ano, ou teria que aturar mais um ano infernal naquela escola infernal. Isso era a única coisa que motivava ele a estudar, mas, ainda sim, de modo desleixado. Suas notas estavam péssimas naquele ano, e, com todas essas escapadas do rapaz por festas e garotas, sua educação e a paciência de seu irmão iam por água baixo.

Não querendo adiar o inevitável, ele se levanta de uma vez da cama e calmamente caminha até o chuveiro, retirando a roupa e se banhando naquela água quente.

O corpo perfeitamente trabalhado e magro se retesava com o toque das gotas do chuveiro, o relaxando. Era um físico de dar inveja a muitos rapazes de sua idade. Não era um fisiculturista, mas era forte. A pele clara, o cabelo curto e ruivo e os olhos verdes tão sedutores.... Não era à toa que as meninas corriam e se derretiam por ele. Sempre tinha alguém para transar, e não tinha escrúpulos ao se gabar de seu poder de sexual, mesmo ainda tão jovem. Mas, apesar da boa aparência e da personalidade cativante, ele era um rapaz livre, que não tinha interesse em um relacionamento sério.

Ficar preso em um compromisso, enquanto seus amigos curtem a vida louca como bem entendem? De jeito nenhum!

Enquanto enxaguava seu cabelo, Dante ouve a porta se abrir e uma voz grossa se faz presente.

– Dante? Já acordou?

– Não, Simon...Tô no piloto automático – disse sarcástico.

– Engraçadinho. Trouxe algumas toalhas para você.

– Valeu.

– Quer que eu prepare alguma coisa para comer?

– Só um ovo e uma torrada está bom, obrigada.

– Está bem – Simon então coloca as toalhas em cima do vaso sanitário e sai.

O jovem respira fundo. Não queria ter sido grosso com o irmão, afinal, ele era seu melhor amigo e a única família que tinha. Mas a ressaca realmente lhe estava causando um estresse tremendo. Pediria desculpas depois, mas agora não.

Depois do banho, ele coloca um jeans rasgado, seu tênis preto, a camisa que fazia parte do conjunto de uniforme da escola e um casaco bege com capuz. Pegava sua mochila toda preta surrada e vai para a cozinha, onde Simon já preparava os ovos.

– Dormiu bem? – perguntou Simon.

– Mais ou menos...

– Eu disse que era melhor não chegar tarde em casa. Quer uma aspirina?

– Aceito e não se preocupe.... Vou tomar mais cuidado na próxima.

– Aham... Sei – ele vai até o armário de remédios e paga a aspirina, entregando ao irmão junto com um copo d'água – E como vão as provas? Já começou a estudar?

– Ahhhhh Quase.

– E com quase você quer dizer que não estudou porra nenhuma, não é? – disse de modo sarcástico, igual a Dante.

O mais novo só dá grunhido em resposta, ficando com de cara feia e a virando para o lado. Seu irmão apenas acha graça do mau humor do caçula, apesar de, no fundo, estar preocupado com sua educação.

Desde que seus pais os deixaram, Dante não tem se concentrado mais nas aulas. Apesar de ter conseguido passar de ano e ido para o segundo ano do ensino médio, suas notas estão ficando cada vez piores. Já tentou contratar tutores para ajudar o irmão, mas o ruivo era sempre rebelde e nunca obedecia às outras pessoas. Queria ajuda-lo, mas com seu trabalho na agencia de advocacia – que exige sua presença todos os dias da semana e aos sábados – ele só estava em casa apenas para levar o irmão a escola de manhã e à noite, quando voltava bem cansado do trabalho, fora os almoços que tinham depois das aulas. Tinha que sustentá-los de alguma forma, e isso por vezes exigia muito de si e de suas energias mesmo para Simon, um homem forte e bonito de trinta e dois anos.

Não querendo se deixar abalar por tal coisa, Simon apenas coloca os ovos fritos no prato do irmão, junto das torradas com margarina, e bebe um gole do seu café. Dante devorava seu prato, como se nunca tivesse comido em toda a sua vida, tamanha era sua fome. Soltava um arroto alto, limpando a boca com um guardanapo.

– Nojento – diz Simon.

– É como diz o Shrek: melhor para fora do que para dentro, não é?

– É nojento da mesma forma. Agora pegue suas coisas ou vai se atrasar. Eu te levo.

– Beleza – diz comendo o ultimo pedaço da torrada e pegando sua mochila.

Eles saem do apartamento onde moravam – no centro do Morumbi, na Zona Sul de São Paulo – e descem pelo elevador até o terraço, indo até o estacionamento para moradores. Entravam no carro de Simon, dirigindo até a escola onde o adolescente de cabelos ruivos estudou desde a primeira série. Um lugar onde ele teve muitas das lembranças mais divertidas e tensas de sua louca vida.

Ele nem imaginava que sua vida estava prestes a virar de cabeça para baixo.

***

Na Barra Funda, localizada na Zona Oeste de São Paulo, em um simples e tranquilo sobrado de classe média,

Abelardo Ferreira Gonçalves fazia o café da manhã com empolgação para si e sua querida prima, Patrícia.

– Patty! Vem logo se não vou comer tudo!

– Se fizer isso eu te chuto no meio das bolas! – gritou ela do quarto.

Abel não deu importância, apenas riu. Era divertido provocar a prima.

Deu uma última virada na frigideira e gira a panqueca para frita-la do outro lado. Adorava cozinhar desde criança e aprendeu tudo, acredite se quiser, com seu pai. Como sua mãe tinha uma saúde precária, seu pai era quem cuidava da maior parte das tarefas de casa, e o rapaz sempre o ajudava. Então, não era surpresa que o jovem de quinze anos fosse tão habilidoso com tarefas de casa e coisas manuais.

Patrícia sempre dizia que "Se não fosse gay, as meninas iam querer casar com ele".

Era verdade, e o pensamento só o fez rir mais ainda.

Abel sabia, desde os dez ou doze anos, que sempre gostou de meninos. Começou com simples imagens na internet, dessas que você encontra no Tumblr e F******k. Fotos de pessoas na praia ou na academia, que tiram selfie sem camisa e usando apenas short ou sunga. Era tudo bem inocente, mas no fundo o jovem sabia que um desejo secreto se formava dentro de si. Cada menino que via na aula de ginastica, cada homem que via nos filmes de romances – mesmo os filmes heteros – e cada pôster de atores, cantores e artistas em poses sensuais...

Cada imagem dessa o provocava de uma forma que, no começo, o assustou.

Como lidar com isso? Como explicar a uma criança que isso era normal, que ela não era uma aberração por se sentir atraída pelo mesmo sexo? A resposta veio de uma fonte bem improvável: sua prima Patrícia.

Não foi fácil se abrir com ela, mas a moça já conhecia essa situação, por ter amigos gays também. Aconselhar Abel foi a melhor coisa que ela podia ter feito ao menino que, com o tempo, foi entendendo que seus desejos não eram anormais.

Eram naturais, apenas diferentes.

Apesar de nunca ter tido um relacionamento duradouro com um homem antes, ele já ficou uma vez ou outra com um rapaz, mas nada sério. Não porque tivesse vergonha de ter um namoro homossexual, apenas... Ainda não sentira aquela faísca de paixão. Parece tolice que ele pensasse assim, buscar por algo tão idealizado e um tanto ingênuo. Mas Abelardo, desde pequeno, via o amor entre seus pais e apenas desejava o mesmo para si.

Era tão ruim ele encontrar alguém que amasse e que o amaria também?

Seria tão ruim assim, ele ser feliz com alguém?

– Pronto! Estou aqui! – disse Patrícia, entrando na cozinha enquanto escovava o cabelo. Abel acorda de seus pensamentos e olha ela – Não comeu minhas panquecas, não é?

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