Acasos - Em busca do Par Perfeito
Acasos - Em busca do Par Perfeito
Por: A. V. Sants
Prólogo

Los Angeles, Quarta-feira.

Relato de Allie Edwards - Um desastre chamado Kyle

   O dia se tornava cada vez mais tedioso conforme as horas do relógio corriam diante dos meus olhos, ficar no balcão da Mevin’s Magazine passando as compras de várias patricinhas loiras, oxigenadas e desempregadas que decidiam passar o dia no shopping em plena quarta feira era quase tão ruim quanto ir ao dentista. 

   A garota à minha frente não parece ter mais que vinte anos, pelas roupas brilhantes e extravagantes postas sobre o balcão percebo que as festas das faculdades estão começando. Gastar centenas de dólares em um tubinho minúsculo e dezenas de calcinhas não era uma coisa muito socialmente agradável.

   Dane-se o protocolo, nenhuma mulher com mais de vinte anos compra quinze calcinhas fio dental, me recuso a crer que a vida sexual dessa criança é melhor do que a minha.

    - São trezentos e setenta dólares. 

   O cartão de crédito é estendido para mim sem nenhum tipo de atenção, essa garota não me vê como um ser humano, sou apenas uma máquina que vai validar a noite de diversão dela.

  - Odeio essas patricinhas. – Digo fechando o caixa e me virando para a minha colega de trabalho. 

   Serena e eu trabalhamos no caixa a três anos, com seus cabelos acobreados e olhos castanhos, a mesma tem uma personalidade forte, como uma pantera caçando em seu próprio território. 

  A jornalista recém-formada havia perdido seus dias nas agências de emprego em busca de uma vaga nas editoras mais renomadas. No fim, Serena acabou por aposentar seu currículo e passou a se dedicar a empacotar roupas de marca e lidar com a máquina de cartões de crédito.

    Após uma compra bem-sucedida, eu espero ela parar de flertar com uma das nossas clientes para poder ouvir mais um de seus monólogos sobre como eu reclamo demais.

   - Você deveria ser mais sociável Allie. Nunca se sabe quem vai estar do outro lado do balcão. – Ela entrega a sacola de compras e um recibo com seu telefone gravado com caneta brilhante atrás, a mulher de meia idade sai da loja com um sorrisinho no rosto enquanto Serena analisa sua nova conquista.

- Algum dia você vai ser processada por assédio. – Digo organizando a confusão de recibos sobre a minha mesa.

  Eu sabia que Serena jamais levava a sério suas conquistas, na verdade era mais uma habilidade natural de garantir que os clientes comprassem seus produtos, não importava o sexo do ser humano, Serena estava lá para atender.

   - Flertar não é crime. Posso viver com isso. – Ela ajusta os cachos rebeldes e abre um sorriso para o próximo cliente, um homem alto e loiro de corpo atlético.

   Observo a cena invejando a naturalidade com que ela lida com as pessoas, é um charme natural e excêntrico, como se não precisasse de o menor esforço para lidar com as coisas à sua volta.

   Bebo meu café esquecido no canto e faço uma careta ao notar que o mesmo já esfriou a anos. Minha vida é como esse café, eu já fui um grão feliz que absorvia o sol na relva luminosa de uma plantação no interior de alguma cidade pacata, tudo antes de ser triturada e transformada em pó para satisfazer as necessidades do homem branco.

   Em meio a minha analogia eu visualizo toda a minha trajetória, me formei aos dezoito anos e consegui uma bolsa numa faculdade de respeito em Boston, o curso de administração me renderia uma boa vaga numa empresa grande e eu poderia me dedicar a minha verdadeira paixão, o Marketing.

  Seria um sonho maravilhoso se não fosse a grande dívida que acumulei com empréstimos estudantis, dívidas estas que me prenderam no frio congelante deste balcão de loja, sempre sorridente, nunca completamente feliz.

  Tudo isso se deve ao fato de eu conhecer o belo e jovem Oscar, um hippie de cabelo comprido que me fez desistir dos estudos e me levou numa viagem pelo país, passamos quatro semanas dividindo uma van enferrujada e fétida com mais seis pessoas, sem camas confortáveis, comida digna e sempre bêbados.

   Oscar era o tipo de cara que tocava violão na praia, estava sempre em protestos defendendo alguma causa social e fazia comentários sarcásticos, ele não era nenhum deus grego, mas minha alma de virgem precisava de um homem, quando se vive a vida condenada a ossos grandes e dez quilos acima da média a gente não tem muita opção. 

   Afinal as mulheres são condenadas a prisão esquelética de um esqueleto comum repleto de massa magra e uma cintura de noventa centímetros, qualquer um com menos de um metro e sessenta que pese acima dos setenta quilos é considerada uma verdadeira abominação da natureza.

  O mundo nos diz que somos feias e inadequadas desde cedo, como mulheres de classe baixa sem recursos financeiros para uma cirurgia plástica, nos condenamos a viver sobre a ditadura da balança e chorar no banho por comer mais um pão no café da manhã.

   Quem dera eu tivesse encontrado alguma auto estima naquela viagem, teria impedido o fiasco que foi a minha primeira vez.

   O cenário era o maior dos clichês, passamos três dias na Califórnia, praias ensolaradas e corpos bronzeados, em meio a fumaça de erva e as músicas alegres todos a minha volta pareciam bonitos e felizes, passamos o dia dançando na praia enquanto o Oscar falava sobre a utilidade dos “cogumelos mágicos”.

   Após o que se tornou um luau improvisado na praia nós decidimos caminhar sob a luz do luar, eu tinha mil pensamentos na cabeça e as borboletas dançavam no meu ventre como macacos loucos, nos sentamos a beira da água e eu sentia as ondas tocarem meus pés ao se quebrarem contra a costa. 

   Oscar me beijou sobre o luar e me acariciou sobre a areia branca, ainda com a brisa sobre nossas cabeças eu via o mundo sobre outras cores conforme ele subiu sobre mim e distribuiu beijos no meu tórax. 

   Eu tinha uma vaga ideia do que fazer, passei o colegial inteiro lendo os livros de romance da minha irmã e eles sempre me ensinaram algumas coisas, mas nenhum deles havia me preparado para aquilo.

   As coisas evoluíram para um segundo patamar mais rápido do que eu esperava, a excitação tomava conta de seus movimentos e como se tomado por uma necessidade urgente ele arrancou as roupas e se livrou da minha calcinha de abacaxis amarelos.

  Naquele momento eu não havia pensado em escolher algo bonito ou sexy para ocasião, na verdade jamais esperei que Oscar fosse me achar atraente o suficiente para tentar alguma coisa. Meu cérebro entrou em desespero ao ver uma de minhas calcinhas mais confortáveis ser levada pelas ondas para algum oceano distante.

   Não tive tempo de expressar minha indignação pois Oscar tinha outros planos em mente, a dor me fez soltar um grito estridente, sentia como se o meu interior estivesse sendo perfurado por uma broca. Como se não fosse o bastante para uma primeira vez fracassada, em algum momento o mar decidiu me sacanear e lançar um pequeno jato de água salgada sobre minhas partes mais doloridas.

   A ardência só foi piorando conforme Oscar se movia sem nem se preocupar com o meu prazer, para a surpresa de ninguém em especial a coisa toda durou cinco minutos.

    Um tempo mediano costumam dizer, mas também dizem que ninguém parou para contar isso, pois saibam que eu sim, foram os piores minutos da minha vida.

   Ao finalizar seu plano diabólico ele se jogou ao meu lado com a respiração pesada e um rastro de suor sobre a testa, me ergui com certa dificuldade ao sentir a ardência pulsante, neste momento esta parte do meu corpo é apenas areia, sangue e um fino rastro de algo que não ouso nomear descendo pela minha coxa. 

   Observando o indivíduo medíocre ao meu lado eu o avalio com decepção a coisa que me fez um estrago, ao notar o homem adormecido eu me levanto e olho para ondas com certa tristeza, minha melhor calcinha virou oferenda para Poseidon e eu teria que voltar para a van com uma praia inteira colada no corpo.

    Na manhã seguinte eu acordei com uma infecção terrível que eu adquiri de um verme raro encontrado no mar, passei três dias no hospital e uma semana com coceiras extremas, piores do que qualquer reação alérgica que já tive em anos. 

   Nunca mais voltei a ver o Oscar depois deste dia.

  Como brinde tomei um certo trauma de praias e passei a tomar muito cuidado com a localização de minhas calcinhas em qualquer atividade sexual que tivesse a sorte de fazer.

  Sou despertada de meu devaneio deprimente ao ouvir o despertador me avisando o final do meu turno, olho para Serena com um sorriso e noto a cara de felicidade da mesma. Ao finalizarmos tudo saímos da loja para respirar o ar frio de Los Angeles, as luzes da cidade e a confusão de táxis nas ruas me lembram de como eu odeio a cidade grande, junto às pessoas e todo o resto.

   - A gente podia sair para curtir hoje. Soube de um bar aqui perto. – Serena diz andando ao meu lado na calçada movimentada.

   - Meu gato e meu cobertor estão me esperando em casa. – Aperto o moletom mostarda contra o meu corpo um pouco mais forte, tenho andado com muito frio ultimamente, qualquer brisa me põe debaixo de um cobertor.

   - Deixa de ser careta. Você tem vinte e seis anos e não deve transar a anos. As aranhas criaram uma comunidade aí embaixo. – Eu fecho a cara e ela ostenta um sorriso sarcástico. – Vamos, podemos arrumar um cara para você.

   - Pensei que tinha um encontro hoje.

   - Bah, prefiro beber com minha melhor amiga. Tenho contatos aos milhões no celular, se eu precisar só preciso chamar para beber lá em casa. – Decido segui-la até o tal bar e vamos até o ponto de ônibus que não parece nada convidativo pela quantidade de pessoas à espera.

   Olhando o relógio eu começo a ficar obcecada com o tempo, minha casa fica a trinta minutos de caminhada daqui, seria um exercício leve que nunca tenho tempo de fazer e ainda iria me distrair um pouco da minha vida mórbida. Tudo que eu queria agora era minha televisão, um cobertor e o corpo roliço de Church sobre o meu colo.

   Seguimos juntas numa lotação doentia até o centro da cidade, o bar era moderno e inspirava uma certa classe, olhando para meu jeans desbotado e a blusa de botões preta do uniforme da loja eu já comecei a questionar minha decisão de sair.

   As mulheres entravam no bar com vestidos curtos e brilhantes, eu estava usando tênis de corrida e um moletom com manchas de caneta. Eu nunca fui um ícone da beleza, tem mais revistas de videogames na minha casa do que sapatos no guarda roupa da Angelina Jolie.

  Ainda sim eu consigo ser cara de pau o suficiente para andar nas ruas com orgulho de meus “pijamas sociais”.

   - Solta esse cabelo. – Serena puxa meu rabo de cavalo fazendo a cascata de cabelos castanhos cair sobre os meus ombros. 

  Ela os sacode de um lado para o outro para deixá-los de um jeito mais atrativo e pelo sorriso em seu rosto acho que está satisfeita.

    – Agora desabotoar os dois botões da blusa deve ajudar. - Ao ver minha expressão de protesto ela sorri com confiança fingida. - Você está ótima.

   A música alta nos surpreende na porta e a multidão de corpos vem logo a seguir, as luzes dentro contrastam com as pinturas neon pelas paredes e corpos das pessoas. Um misto suave de tons de roxo nas paredes com quadros enormes com fotografias de vários pontos da cidade, um tipo de boate elegante com uma dose de cultura pop.

  A pista de dança pulsa numa frequência agitada conforme uma música animada faz todos na pista dançarem como se não houvesse amanhã. As luzes destacam as pulseiras neon e as pinturas nos rostos alheios determinando um certo padrão de vestuário das raves americanas.

   À minha volta a multidão me cerca dificultando o caminho até o bar onde uma barman de cabelo cacheado sorri fazendo drinks coloridos.

   - O que vão querer meninas? – Ela se aproxima quando sentamos no balcão, a pintura neon pintando a pele bronzeada em tons de rosa e verde.

  - Vodca com gelo. – Antes de fazer um pedido, Serena me interrompe com sua risada estridente. – Traz o que tiver de mais forte para ela.

  Eu a interrompi pedindo apenas uma cerveja.

  A barman some da nossa vista com uma piscada nada discreta para a Serena e nós ficamos sozinhas observando os arredores.

   - Tem uns caras bonitos aqui. Escolhe um. – Ela aponta para um carinha encostado no canto do bar, os olhos castanhos e a pele pálida se destacam nas luzes, a camiseta marca bem o corpo torneado e as luzes deixam o sorriso dele mais brilhante a esta distância.

   - Ele é gay. – Digo vendo a barman retornar com um drink verde num copo gigantesco. – O que é isso?

   - Uma bebida à base de gim. Eu chamo de sopro divino. 

  Encaro o copo com certa relutância e ingiro o conteúdo com cuidado, a mistura queima na minha garganta conforme desce formando caretas automáticas no meu rosto.

   Isso deveria se chamar sopro do demônio.

  Sorrindo para mim a barman deixa uma long neck sobre o balcão, garantindo que nossos pedidos estejam completos.

   - Estou me perguntando desde quando tem um gaydar melhor que o meu? – Serena vira a segunda dose de vodca e a barman, que depois descobri se chamar Ellen, serve mais uma dose.

   - Ele está flertando com o cara ao lado dele a dois minutos. 

   Ela olha para a direção dos dois e faz uma careta de decepção, dedo podre para homem parece ser um traço de família. Acredito que esse fator contribuiu para que ela alcançasse sua auto realização diária flertando com as pessoas.

  A mãe dela já está no quinto casamento após três divórcios desastrosos e um marido que preferia passar as noites com o vizinho ao invés da esposa. Esses acontecimentos meio que justificam ela estar com quase trinta e nem estar preocupada em manter um relacionamento estável. 

  Cada dia uma cama, uma casa e uma nova pessoa.

   - Vamos procurar mais alguém. – Ela desce do banco para poder olhar em volta quando é puxada para a multidão de pessoas bêbadas e dançantes. 

   Ellen e eu ficamos rindo da situação enquanto ela serve mais uma dose de suco de demônio para mim.

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