SEGREDOS REVELADOS

Aproximavam-se os testes, alguns professores mandavam trabalhos muito vastos em épocas erradas, os estudantes já estavam atarefados com a quantidade de matérias que tinham para estudar, ainda tinham que fazer mais trabalhos, era muito difícil, eles passavam dias sem dormir, estavam esgotados, mas eles davam o melhor de si, eles eram bastante dedicados, todos tinham extraordinários sonhos.

Uma semana antes das provas, durante aula de Ética a professora mudou o foco, decidiu ouvir os alunos, mas sobre os seus sonhos e pesadelos, algo fora do normal nas aulas de Ética, os alunos ficaram admirados e um pouco inseguros, uns tinham medo de serem gozados, outros problemas em falar em público, outros não queriam mesmo e uns não tinham um sonhos. A professora pediu-lhes para sentarem em círculo, para facilitar o diálogo. Como ninguém falava, a professora decidiu começar ela mesmo.

- Querido alunos, acredito que vocês olham para mim e acham que já realizei o meu sonho, na verdade, ainda não, só parte dele. Quando mais jovem eu sonhava em ser médica, eu queria ajudar todos, eu queria que tivéssemos todas as mesmas oportunidades de saúde. Eu acreditava e acredito até hoje, que se tivéssemos mais pessoas preocupadas com a saúde humana, a esperança de vida seria mais elevada, mas infelizmente todos estão preocupados com o dinheiro. Mas eu ainda espero realizar esse sonho, estou a ponderar deixar à escola ano que vem, e ajudar os mais necessitados. Eu também tenho medos, e o meu grande medo tem nome e sobrenome, chama-se Érica Silva, minha querida filha, ela tem quatro anos, ela nasceu com alguns problemas de saúde, mas não é grave, felizmente. Eu tenho medo de perder ela, eu não conseguiria recuperar, ela é tudo para mim... A professora deu uma pausa, estava emocionada por falar da filha, ela não é de se abrir muito, mas nesse dia ela mudou a rotina de sua vida.

Enquanto a professora procurava se recompor, surpreendentemente a aluna que nunca falava durante as aulas, mas a mais inteligente da classe também, decidiu falar.

- Eu também tenho um sonho, talvez para alguns colegas seja engraçado, para outros muito ousados e eu compreendo muito bem. Quando eu tinha sete anos, em um Domingo, tinha ido ao parque com o meu Pai, me diverti bastante e também aprendi a lição mais importante da minha vida. Depois de usufruir do parque, indo para o carro com o eu Pai, vi uma criança da minha idade querendo entrar, mas não lhe permitiram porque tinha as roupas sujas e não tinha dinheiro, olhei para as suas vestes e percebi que ele usava aquela mesma roupa há vários dias, eu era criança. Não podia ajudar, mas senti a desigualdade e vi que as pessoas começam a sofrer cedo, desde criança. Ele só queria também se divertir, era uma criança, não tinha nenhuma intenção contra as outras crianças, mas mesmo assim. Não entendi o que se passava, perguntei ao meu Pai, ele disse-me que o mundo é capitalista, se não tiveres como pagar, por mais que sejas criança, não poderás usufruir de certas coisas.

Eu fiquei pensativa durante todo percurso para casa, eu era uma criança, ele também, por que não o deixaram se divertir, me perguntava. Eu sentia a dor dos outros, desde muito cedo.

Cheguei a casa, desejava saber mais sobre essas coisas do capitalismo, felizmente o meu Pai explicou-me como funciona, fiquei um pouco irritada, pela idade não entendia tão bem, no fundo a irritação foi por ver uma criança igual a mim ser inibida de se divertir. O meu Pai sempre disse: filha, ajuda até aonde poderes, não sejas egoísta, seja humilde, ter muito é bom, mas só quando conseguimos ajudar os que precisam, onde come um, podem comer dois, bocado, bocado chega para todos. Eu cresci com isso, com o passar do tempo comecei a ler mais livros de Economia, Política e Direito, foi nessa altura que tomei a decisão de um dia me tornar presidente da ONU, assim poderei lutar contra a desigualdade do mundo, contra o capitalismo, contra as guerras, e preservar a praz mundial.

Enquanto Júlia falava sobre seus sonhos, seus colegas ficaram todos perplexos, não porque a achavam fraca ou pouco inteligente, mas pela audácia que ela tinha, ela tomou a decisão quando tinha 12 anos, hoje ela tem 21anos, ela não desistiu dos teus sonhos. Todos os seus colegas estavam atentos a cada palavra que saía de sua boca. Ela continuou:

- Espero conseguir realizar este sonho. Sobre medos, eu tenho medo de falhar, acredito que se eu falhar em algo importante para mim poderei entrar em depressão, eu não sei lidar com a derrota, mas estou lutando para superar esse problema. Eu sou bastante exigente comigo mesma.

Terminando, depois de ouvir Júlia, Lucas ganhou asas e decidiu falar:

- Vai parecer engraçado, mas eu nunca sonhei em estar neste curso, eu não sou propriamente fã, quando era mais novo eu sonhava em ser jogador, sempre fui bom em esportes, treinei desde os cinco anos, tive o apoio dos meus Pais, eles queriam que eu fosse feliz, independentemente das minhas escolhas. Eu amo muito isso neles, estão sempre para dar o apoio. Há dois anos durante uma partida acabei por desmaiar, levaram-me para o hospital e o médico disse-me que deveria parar com o esporte, que tinha um problema no coração, não podia fazer esforço, ou um dia poderia apagar de vez. Eu saí do hospital triste, chorando igual uma criança. O meu sonho tinha acabado de morrer, eu não tinha pensado em mais nada, esse era o meu único sonho, fiquei dias trancado no quarto, só saía para ir pegar a comida e voltava logo, não falava com os meus Pais, como se eles fossem culpados, eles deram-me espaço, não forçaram nada, fiquei assim durante dois meses, estava a entrar em depressão, os meus Pais levaram-me ao psicólogo, tive sessões durante quatro meses e hoje estou melhor.

E medos? Tenho apenas de entrar novamente em depressão, não foi fácil ter lutado contra ela, mas venci felizmente, hoje em dia cuido melhor da minha saúde mental. Eu nunca tinha falado sobre isso com ninguém, só os meus Pais sabiam, mas depois de ouvir a Professora e a Júlia, senti que devia falar também de mim.

As pessoas estavam a se abrir, parecia que estavam em um grupo de apoio, muitos deles estavam mortos por dentro, mas os sorrisos confundiam as pessoas. Agora é a minha vez, disse Jonas. Jonas Robert, esse era o seu nome, ele tem 26 anos, era o mais velho da turma, branco, meio gordo, tem 1,65 m de altura, agora era a sua vez de falar.

- Professora, colegas, o meu sonho vai parecer meio engraçado, mas é a verdade, eu sonho em ser rico.

A turma toda começou a gozar, eles achavam esse sonho sem lógica, até porque ele já era de uma família rica, ele fez uma pausa, e voltou a falar: Eu sabia que seria engraçado para alguns, eu vos entendo, mas vocês não me entendem. Eu quero ser rico para ajudar todos aqueles que precisam, eu não quero ser rico por mim, eu quero ser rico pelos mais necessitados, para ajudar todos aqueles que vivem nas ruas, aqueles que só têm uma refeição por dia ou às vezes nem conseguem ter, por falta de meios financeiros. Eu quero ajudar todos que precisam de ajuda. Os colegas não sabem, nem a Professora, mas eu era miúdo de rua, eu vivi na rua até os oito anos, até uma família de negros muito generosos, decidiram me tirar das ruas e me adotar, eu fiquei muito feliz, eu era criança, não sabia como agradecer, só sei que fui sortudo no meio de tantas outras crianças, eles deram-me comida, um sobrenome, saúde, educação e acima de tudo um lar com uma família. Eles já tinham um filho, que na altura tinha 12 anos, ele reagiu bem, nunca me tratou mal, tratou-me como se fosse um irmão de sangue. Agradeço até hoje, eles são tudo para mim. Antes de ser adotado eu passava fome, já fiquei quatro dias sem comer, porque não encontrava nada no lixo para comer, era difícil, eu oro a Deus todos os dias, todas as noites e todas as manhãs.

Perdi os meus Pais biológicos quando tinha cinco anos, eles foram mortos por militares, o nosso país tinha sido atacado, eu só não fui morto também porque eles não matavam crianças, por isso ainda estou aqui. Não conheço ninguém que partilha do mesmo sangue que o meu. Eu sei que muitos aqui criticam quando estou a fumar, mais nunca ninguém chegou e procurou saber os meus motivos. Quando tudo aconteceu, eu era criança, chorava todos os dias, eu não tinha ninguém, a rua era a minha casa, eu precisava ter os meus Pais por perto, não era fácil.

Fui adotado, então a minha vida mudou completamente, mas eu tinha sonhos de madrugada, ou melhor, pesadelos, eu via os meus pais biológicos a serem assassinados, acordava em gritos, e acordava a casa toda, fui ao psicológico várias vezes, não estava a resultar os tratamentos, até ele sugerir o cigarro. Comecei a consumir e os pesadelos sumiram, não havia mais necessidade em continuar a consumir,então parei e os sonhos voltaram, fui ao meu médico, disse para não parar, ou os sonhos voltariam, por isso consumo até hoje. E o meu maior medo é não conseguir ajudar outros, da forma que fui ajudado.

A turma ficou em silêncio, muitos julgavam sem o conhecer, não sabiam a história por de trás dele.

Depois de uns minutos de silêncio, Agata levantou a mão para pedir autorização, a professor fez um gesto como dizendo que sim, ela começou:

- Eu tenho um sonho, desde criança que gosto de música, inclusive tive aulas de música na escola, venci alguns prêmios em concursos, fui e continuo boa, acredito que Deus deu-me esse talento, mas minha Mãe tinha outros sonhos para mim…

Júlia perguntou e tu aceitas isso por quê? Se os sonhos são teus!

Agata explicou que não é tão fácil como parece, em casa dela é como se estivessem no tempo das cavernas (quanto ao curso que devo seguir), só devo obedecer. Júlia ficou triste com a situação, e viu que era difícil ajudar, levantou-se e deu um apoio à Agata, disse-lhe que se precisar de ajuda pode contar com ela, Agata agradeceu.

Depois de Júlia ter falado dos seus sonhos, todos perceberam que ela é a mais humanista entre todos, ela e a Professora, elas sentem a dor dos outros.

Agata continuou o seu discurso:

- Eu, vim para esse curso para cumprir com o sonho da minha Mãe, ele sonha em me ver à frente das empresas da família, fui praticamente obrigada. E os meus medos, são vários, eu tenho medo de engordar, na infância fui gorda e por conta da gordura tive muitos problemas de saúde, ia de hospital a hospital, um dos médicos sugeriu que emagrecesse, comecei a dieta, eu cumpria bem, estava a emagrecer, mas, mas, mas teve um dia em que eu estava com bastante fome, fui para a geladeira tirar algo para comer, eu só queria comer…

Agata falava com dificuldades, começou a lagrimar, ela estava a tremer, via-se logo que o que aconteceu depois não tinha sido coisa boa, deram-lhe espaço para se recompor, ela respirou fundo e continuou: O meu Pai já estava saturado das doenças, ele vinha do trabalho, logo que me viu com a comida nas mãos ele tirou o sinto, começou a bater-me. Enquanto Agata falava disso, ela chorava, os seus colegas estavam todos tristes, sintam-se mal com essa situação, eles estavam a partilhar a mesma dor, não era fácil imaginar uma criança a levar surra por ter fome. Ela estava a tremer, ela não tinha superado isso, ainda o afetava, a professora sugeriu que parasse, para não se ferir mais, mas ela decidiu continuar a contar.

- O meu Pai bateu-me muito naquele dia, foi duro para mim, a minha Mãe não estava em casa, quando ela chegou a casa eu já estava no hospital, ela largou as compras e foi ter comigo, chegou toda preocupada, o meu Pai tentou mentir, mas ela já sabia o que tinha acontecido, a empregada viu tudo, mas ela não podia se meter. Saí da sala de cirurgia bem, a operação tinha sido um sucesso, felizmente para mim. Minha Mãe abraçou-me, disse que estava com medo de me perder, que me ama, e que já sabia o que tinha acontecido. Fiquei no hospital quatro dias, ela ficou comigo os quatro dias, 24/24. Tive alta, eu já podia ir para casa, quando chegamos a casa não consegui entrar, os traumas estavam na cabeça, tudo que aconteceu dias antes, eu via naquele momento, ela olhou para mim, apercebeu-se, entrou, pegou nos seus documentos e fomos para um hotel. Na mesma semana comprou uma nova casa, pediu o divórcio, minha Mãe é rica, sempre foi rica. Começamos a viver juntas desde esse o ocorrido, desde então ela decidiu cuidar apenas de mim, não ter mais nenhum outro homem em sua vida, para não me magoarem de novo. Por isso, eu não reclamo muito quanto ao curso, ela abdicou de muita coisa por mim e terei que abdicar apenas de uma, amo a minha Mãe, é tudo que tenho. E o único medo que tenho é este, perder a minha Mãe.

Logo que parou de falar, foi ovacionada de pé, pelos colegas e a Professora. Outros alunos também falaram sobre seus sonhos e medos, até à hora da saída, foi um dia muito bom para todos, tiveram uma aula fora de comum, deu para se conhecer melhor, todos saíram da aula com um rosto meio triste e parecia que estavam em reflexão, eles se atacavam, se julgavam, e nem se conheciam, mas depois dessa aulas, muita coisa iria mudar.

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