Capitulo 3: Perigo na estrada

Yulla fungou dentro da carruagem como a uma criança desolada. Não queria aceitar o seu destino cruel, ainda tinha tanto para fazer no mundo.

Ela limpou os olhos com as costas das mãos, e ergueu a cabeça que pendia pesadamente. Aquele fardo era muito grande para uma jovem de 20 anos, seus pais mostraram indiferença quando chegou a hora de ela partir, suas irmãs pequenas agarraram a barra de seu vestido para tentar impedi-la de ir embora dando gritos e esperneados, porém tudo em vão. O rei já havia decretado e o que ele decretava era uma ordem que nem a própria filha escaparia.

Será para um bem maior. Ele falara um dia antes da despedida todo terno e amoroso. No dia seguinte aqueles gestos sumiram e a face rude do homem que ela admirara a vida toda surgiu como um tapa na face dela a assustando e a deixando ainda mais amargurada.

Estava viajando a dois dias com guardas responsáveis para que ela chegasse ao seu destino em segurança, mas ela pensava que era apenas para ela não tentar fugir, eram cerca de dez guardas no total, todos montados em seus corcéis selvagens, bem armados e treinados, Yulla também tinha como companhia duas acompanhantes que estavam de frente a ela no momento e um médico idoso que não parava de tossir fora da carruagem, ela achava que ele morreria a qualquer momento, isso por que o inverno ainda nem havia começado.

Yulla colocou o rosto perto da janela e sentia a vida livre se esvair de todo o seu ser.

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Cam alcançara um ritmo ótimo para seu percurso, observando sempre o que estava ao seu redor como uma criança curiosa. Estalando os ossos frágeis das folhas com os solados de seus pés, ele se sentia envolto pela Mãe natureza e toda sua magnitude.

Escutava o leve cantar dos pássaros e os animais acostumados a sua presença ao seu redor.

Estava tudo tranquilo e em perfeita paz. Isso até ele ouvir algo perturbador e que acabava com a sua calma.

Por aqui, por aqui...

Ele estancou e olhou ao redor.

Não, de novo não.

Algo estranho se apossou da atmosfera e seus sentidos ficaram aguçados. Ele passou a mão nervosamente pela cicatriz no seu pescoço, pois ela começara a formigar, o que era novo para ele.

Aquilo era um péssimo, péssimo sinal. Sua mão direita apertava a lança com tanta força que os nós dos seus dedos estavam esbranquiçados.

Parecia que toda a meditação ao logo daqueles quatro anos não tivessem servido em nada. Dentro dele tudo se desequilibrara e ele não conseguia se concentrar. Assim como a quatro anos atrás.

A voz ficou mais insistente e mais insistente. Cam sentiu que um pânico estava começando a crescer dentro dele. Ele sabia o que o seu corpo faria. Começou a correr como um animal feroz procurando atacar quem o feriu.

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Yulla já estava com a face recomposta outra vez. Chorara o que tinha para chorar e agora o seu corpo relaxara depois de ter colocado fantasiosamente a sua dor para fora.

Já estava quase anoitecendo, os seres noturnos já estavam começando a se manifestar. Yulla gostava muito do turno da noite, para ela aquele momento significava mistério, segredo. Já fora pega várias vezes em flagrante saindo do quarto escondida para se embrenhar na escuridão do lado de fora do palácio. Claro que aquilo nunca mais poderia acontecer...

Estava ali, distraída quando ouviu um silvo profundo e diferente de todos os sons que ela já ouvira em sua vida. Ela deu um salto para trás se afastando da janela por causa do susto. Suas acompanhantes pegaram na mão uma da outra instintivamente.

Yulla ouviu os cavalos se agitarem perto dela.  Ela não gostou nem um pouco daquilo, cavalo arredio e cismado significava perigo. E recordar do que tinha acontecido com ela semanas atrás tornava tudo muito pior.

O silvo aumentou como se estivesse se aproximando. Yulla engoliu em seco e se aproximou da janela. As suas acompanhantes imploraram para que ela fechasse a janela, mas ela fingiu não ouvi-las.

Olhou para as árvores ao redor, já estava um breu considerativo lá fora, ela tentou adaptar melhor a visão.

Foi quando ela viu seres peludos e enormes correrem até seu grupo e atacar. Ela só teve tempo de gritar, gritar a plenos pulmões.

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Cam finalmente parou de correr perto de uma estrada de terra. Estava suado e ofegante. Ele olhou para cima, as estrelas começaram a aparecer. Ele curvou o corpo e colocou as mãos nos joelhos fechando os olhos. Seus poros estavam transpirando e seu corpo começou a esfriar.

Passou.

Não ouvia mais a voz. Seu corpo relaxara. Resolveu andar pela estrada deserta, despreocupado como antes.

Fez uma curva na estrada e o que viu a sua frente naquele pequeno breu o deixou intrigado. Parecia uma carruagem caída e havia outros amontoados escuros ao redor da carruagem. Ele aumentou os passos.

Quanto mais se aproximava, mais conseguia distinguir o que era. Realmente se tratava de uma carruagem virada. E o que estava ao seu redor eram corpos caídos, corpos de homens e cavalos. Ele aumentou o passo e quando percebeu já estava correndo naquela direção.

O cheiro de sangue naquele local era pungente, infestando as suas narinas. Ele olhou para todos ao seu redor procurando achar sobreviventes, mas todos que ele sentira os pulsos estavam mortos. Foram estraçalhados por algo de garras bem grandes que ele mesmo sendo conhecedor dos animais não conseguia saber o que era. Até que ele se lembrou das bestas brancas no acampamento. No entanto achou aquela ideia muito vaga para ser levada a sério.

Cam resolveu olhar dentro da carruagem. Tinha duas moças lá, com uma situação um pouco pior do que os homens fora, mas também estavam mortas. Ele estava fechando os olhos de uma delas quando ouviu um ruído e em seguida um gemido. Ele olhou com dificuldade para as moças novamente, porém não se tratava delas.

Esperou mais um tempo e ouviu um gemido de novo. Se arrastou para fora da carruagem e deu a volta nela para o lado que ainda não havia olhado. Ele arfou.

Lá estava encostada na carruagem uma jovem de cabelos castanhos escuros, seu rosto estava sujo de sangue assim como o seu vestido, segurava o abdômen com as mãos trêmulas e respirava com dificuldade, estava com os olhos cerrados, quando viu Cam se aproximando começou a chorar.

Ele se ajoelhou ao seu lado, analisando a sua situação. A garota estava à beira da morte e se ele não a ajudasse seria o seu fim. Ela olhou para ele implorando com os olhos para que ele a salvasse. Ele afastou as mãos dela do ferimento e viu vagamente as marcas das enormes garras que haviam rasgado sua carne profundamente.

– Quem fez isso com você?

Ela apenas gemeu, com a dor aumentando, mais lágrimas correram de seu rosto e ele achou melhor agilizar logo a limpeza e o fechamento daquilo. Reacendeu a lamparina que pendia na carruagem e se aproximou da jovem que agora tentava falar algo que a dor não permitia. Ele colocou um pedaço de pano na boca dela e ela entendeu o motivo, aquela dor pioraria. Ele jogou a mochila no chão e a abriu, achou seu cantil, abriu aquela parte do vestido dela e jogou um pouco da água na pele rasgada, ela estremeceu e olhou para cima como se pedindo força aos deuses.

Ele limpou toda aquela extensão e em seguida mastigou algumas ervas e colocou o sumo retirado nos ferimentos para em seguida o cobrir com algumas tiras da roupa dela. Quando terminou removeu o pano dos lábios trêmulos dela que não parava de encara-lo apreensiva. Ele lhe ofereceu água e ela bebeu avidamente.

– Com os cuidados certos você ficará boa. – ele sorriu para demonstrar para ela companheirismo. Ela continuou olhando para ele com desconfiança.

Ele olhou ao redor, não seria bom para ela ficar vendo os corpos do outro lado da carruagem, apesar de ele pensar que ela já os vira mortos quando se escondeu ali.

– Seres brancos nos atacaram. – ela falou com a voz rouca. E ele a encarou outra vez.

Seres brancos?

Ela viu a interrogação no rosto dele.

– Seres grandes, curvos e de pelos brancos. Tinham garras enormes. Nos atacaram com grande velocidade. Graças a deusa eu sobrevivi. Foi a deusa que mandou você até mim com certeza, caso contrário eu não sobreviveria...

Cam não prestou mais atenção as palavras dela. As bestas brancas. As mesmas bestas que atacaram os caminhantes. Ele passou a mão no rosto tentando afastar as lembranças. Ele olhou para ela novamente com uma preocupação que a assustou.

– Eu a levarei para alguma aldeia e eles cuidaram de você. – disse apenas.

Aquilo não era bom, quando aqueles monstros aparecem pessoas inocentes morrem, ele já havia aprendido aquilo. E ele estava agora associando aquilo a ele mesmo.

– Vai me deixar com desconhecidos? – ela o olhou traída.

– Mas você também não me conhece, então não fará muita diferença.

– Mas foi você quem salvou a minha vida.

– E posso coloca-la em risco outra vez. Temos que sair da estrada e...

– Eu não vou me embrenhar na floresta. – ela se manifestou imediatamente. – aquelas coisas saíram de lá.

– Se ficarmos aqui estaremos muito expostos para um novo ataque.

Ele olhou nos olhos dela que ela não cederia de forma alguma. E ele sabia que não conseguiria carrega-la e a defender ao mesmo tempo. Revirou os olhos e respirou fundo como pedindo paciência.

– Certo, ficaremos aqui hoje à noite. Você descansa. Eu ficarei de vigia caso algo apareça. Mas amanhã cedo vamos sair daqui e eu vou te deixar em uma aldeia.

Não houve mais discussão naquela noite.

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