Capítulo 4

Quando cheguei ao flat, deparei-me com uma verdadeira bagunça instaurada.

Uma das secretárias de Abílio havia providenciado a mudança de minhas coisas pessoais como roupas, sapatos e móveis juntamente com uma empresa tercerizada, onde sete homens robustos e duas mulheres ajudavam a organizavam o lugar.

Por um lado fiquei aliviada em saber que não precisaria usar o meu curto tempo para ir ao shopping providenciar coisas emergenciais, no entanto, por outro, a desordem começava a me dar nos nervos.

Ainda com a bolsa nas mãos, decidi ir para o bar do hotel.

Aguardaria o tempo que fosse necessário até o flat estar devidamente arrumado.

- Camille, me avise quando isso tudo acabar, por favor. 

A secretária dedicada em sua tarefa, assentiu com a cabeça e por fim, fui para o último andar do hotel, onde a piscina e o bar proporcionavam algum lazer para os hóspedes.

O hotel cinco estrelas, do qual passaria os próximos meses era muito bem frequentado e transparecia uma beleza sofisticada.

Assim que a porta do elevador se abriu, caminhei até o balcão do bar, cansada e sem saber exatamente por onde começar a trabalhar.

- Por favor, um Breath Freshener. - Pedi ao barman solícito em me atender.

Imediatamente o drink foi preparado diante de meus olhos, e aproveitei que não havia barulho ou movimentação de turistas ao meu redor, para abrir o laptop.

O alvoroço, na verdade, encontrava-se na área externa, onde a piscina convidava os hóspedes presentes a contemplarem um dia lindo e ensolarado.

...

Contudo, o primeiro gole do drink pareceu anestesiar meu stress, pois a conversa com Sara não havia sido produtiva e me obrigava a avaliar a situação metodicamente.

Mentalizei aquela mulher de seios fartos, um metro e sessenta e cinco de altura, cabelos castanhos, olhos escuros e pele parda.

No entanto, havia uma mistura de etnias em susa feições, o que me deixou intrigada.

Talvez, uma miscigenação entre índios e turcos tivesse acontecido na família.

Era difícil saber ao certo, pois seu nariz fino e empinado destacava-se de seu rosto, dando-lhe beleza incomum.

Percebi que tudo em Sara ainda era desconhecido para mim. 

A idade, quarenta e dois, não parecia ter afetado a pele de alguém que estava presa há quatorze anos, portanto, o que mais lhe envelhecia era o semblante exausto resultado de anos de encarceramento. 

No material em minhas mãos, os relatórios mostravam que Sara havia sido condenada a uma pena de oitenta anos sem condicional, ou seja, zero possibilidade de voltar a viver em sociedade mesmo apresentando bom comportamento ou horas em trabalhos voluntários dentro da cadeia.

Nas fotos, Regina a vítima, aparecia com Sara em diversos momentos de alegria e companheirismo.

As duas partes pareciam felizes, compartilhando momentos em família e em viagens.

Naqueles sorrisos, não ficava explícito qualquer tipo de raiva escondida ou rancor guardado que fossem usados como motivos para o crime.

Durante o julgamento, foi apresentada uma carta escrita pela ré alegando, o quanto ela amava sua mãe, e que as duas agora estavam livres.

Até hoje, ninguém sabe ao certo o que essas palavras querem dizer.

Com os irmãos, era um pouco diferente. A relação não era boa. 

Durante o julgamento, Raul e Anderson, foram ouvidos e ambos disseram que a irmã era antisocial, grosseira e inclusive usaram a palavra maluca, ao relatar ocasiões em que Sara arrumava confusão com as pessoas sem motivo aparente. 

O advogado tentou alegar insanidade diante das circunstâncias, mas o juíz não aceitou.

Dois psiquiatras designados pelo Ministério Público avaliaram o estado mental e apontaram que a ré era sã, assim como os peritos que confirmaram que o crime fora premeditado.

Além desses fatores importante, também houve a confissão. A famosa cereja do bolo. 

Portanto, era um prato cheio para a condenação e evidentemente para a mídia que na época não a deixou em paz.

As fotos da banheira, onde Sara esquartejou a própria mãe eram tão impactantes que o gole do drink foi mais longo e denso.

Precisei respirar fundo para retomar as observações.

A banheira branca retangular, com jatos cromados era muito semelhante a que tinha na minha casa, onde Joaquim e eu morávamos.

Nela, mesmo que Sara tivesse limpado detalhadamente para não ter resquício do crime, foi visto através do luminol que o sangue da mãe aparecia não só em partes da banheira, mas como em todo o banheiro.

....

O luminol é muito utilizado pela polícia científica, para saber se há vestígios de sangue, principalmente em roupas, objetos e lugares.

No caso de Sara, não foram encontrados tecidos que apontassem sangue carmim.

Foi provado que a assassina havia se desnudado para retalhar o corpo da vítima, que também estava nua confirmando que todo o ocorrido fora premeditado.

Certamente, ela sabia que as roupas absorveriam partes do composto de ferro e com isso, o luminol acusaria algum tipo de reação, expondo evidências do seu crime hediondo.

No entanto, o resultado do exame de DNA, identificou conclusivamente que o sangue na banheira, nas paredes, no chão, toalhas e torneiras do banheiro eram de Regina Castro, a mãe  de Sara.

Li atentamente alguns depoimentos de vizinhos e familiares distantes, convicta de que os procuraria brevemente para a construção de meu novo livro.

....

" Regina era uma mulher incrível. Estava sempre ajudando todo mundo. Se você pedia uma xícara de açucar, na semana seguinte ela te dava dois quilos. Fazia isso, sem querer nada em troca." - vizinho

" Dona Regina foi síndica por vinte e oito anos do prédio em que morava com a filha. Quando o novo síndico tomou posse, você acha que os moradores foram pedir ajuda à ele? Não. Era para dona Regina quem pedíamos orientação e controle da garagem." - Vizinho

" Sara era uma pessoa estranha. Ela não falava com ninguém do prédio. Não dava bom dia, boa tarde ou boa noite. Passava pelas pessoas como se fossemos nada." - Vizinho

" Sara morou com minha tia Regina até os vinte e oito anos, quando cometeu o assassinato. Não tinha emprego fixo, não sabia cozinhar ou se quer ajudava em alguma coisa." - prima

" Ah... De vez enquando eu escutava a Sara gritar com a mãe. As duas quando discutiam era de tremer o chão." - Porteiro

" Uma vez escutei uma briga na casa de Regina. Demorei para entender o que estava acontecendo. Como eu morava no terceiro andar, desci para o primeiro, porque tinha escutado a voz de Regina. Quando cheguei na janela do apartamento dela, ouvi a Sara discutir e agredir o irmão. Pensei em chamar a polícia, mas decidi não me envolver. Logo depois toda a gritaria cessou."

....

Ficava claro que Sara tinha uma personalidde difícil sem comunicação com vizinhos e problemas na família.

O que me deixava inquieta eram os laudos psiquiátricos que insistiam em não apontar para possíveis quadros de bipolaridade, raiva contida, ou qualquer tipo de transtorno.

Arfei e em seguida tomei mais um gole de meu drink, acenando ao barman para que me trouxesse outro. 

Meu corpo começava a relaxar, apesar da minha mente borbulhar de dúvidas.

Em uma outra folha, mais depoimentos sobre Sara, dessa vez percorrendo o caminho contrário.

" Sara, sempre foi muito inteligente, perspicaz e de humor mórbido. Gostava de estudar, mas nunca levou a sério. Adorava ler, mas não gostava de interagir. Não ia nas reuniões de família. Não aparecia nos Natais ou aniversários. Era muito estranha. Quando ela conversava, estava sempre fazendo piadas de mau gosto. Ninguém gostava de sair com ela, porque estava sempre reclamando como uma velha." - Prima

" Sara e a mãe eram muito coladas. Ela não fazia nada sem que a mãe estivesse junto. Regina se preocupava muito com a filha. Tinha medo dela arrumar confusão na rua com o seu temperamento descontrolado. Era uma relação esquisita." - Amigo da família.

" Muitas vezes, disse para minha mãe largar Sara de mão. Sara manipulava minha mãe para conseguir o que queria. Sempre foi cheia de regalias. Mamãe dava tudo para ela, do bom e do melhor. Sara e eu brigávamos muito quando crianças e isso não melhorou na fase adulta. Eu ia de vez enquando visitar minha mãe e Sara não saia do quarto. Uma vez, mamãe me disse que a cretina (Sara) não queria que eu aparecesse novamente na casa dela, porque aquilo lá não era pensão. Mamãe com medo dela vir falar comigo e arrumar briga, me implorou que não voltasse. Passei a ver minha mãe na rua, quando almoçávamos juntos." - Irmão

" Eu e Sara brigamos sim. Ela bateu na minha cara, me xingou, me ameaçou por causa de um saquinho de maconha que tinha achado na minha gaveta. Na época, eu estava divorciado. Minha ex-mulher tinha tirado os filhos de mim e eu estava arrasado. Sara disse que não me queria lá, que era para eu arrumar emprego e cuidar da vida, mas eu estava tão triste que não conseguia. Um dia, para o meu azar, ela sentiu o cheiro e me agrediu. Ela estava descontrolada. Foi preciso três pessoas para tirarem ela de cima de mim." - irmão

" Sara agrediu o marido da prima certa vez. Era uma reunião atípica de família, estavam todos bebendo e se divertindo, até que de repente Sara começou a discutir com o marido da prima e sem esperar, ela avançou para cima dele. Os dois batiam boca freneticamente, e ela o ameaçou de morte. Empurrou ele com uma força jamais vista. Foram necessários quatro homens para segurar Sara. "

....

Uma coisa era certa: Sara era completamente destemperada. Seu gênio ruim, sua personalidade forte e sua raiva explodiam por pouco.

Eu anotava em meu bloco, indagando-me mentalmente:

- O que a tornava tão violenta?

- Por que era tão agressiva?

- Por que estava sempre envolvida em confusões?

As peças do quebra-cabeça ainda não se encaixavam, apesar das primeiras começarem a aparecer diante de mim. 

Por fim, senti meu celular vibrar. Era uma mensagem de Camille, avisando que o apartamento estava pronto.

Eu mal tinha visto o tempo passar quando avistei o final de tarde surgindo lá fora.

Fechei as pastas, desliguei o notebook, paguei por meus drinks e finalmente me retirei para descansar.

  

  

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