Foi principalmente a partir de quando os robôs adquiriram personalidade e sentimentos que os problemas começaram, causados pelo stress da convivência com os humanos e seus humores. Yanna, uma policial reformada, apaixonada por essa nova vida, criação dos homens, se especializa em seus conflitos. Sua dedicação e empenho em entender e ajudar as novas criaturas é tamanha, que ela se torna uma das maiores psicólogas de robôs que já existiram. Nem mesmo seus dois maiores problemas, que são a falta de confiança nos humanos e seu pânico de altura, que se torna tremendo num mundo onde voar é a forma mais comum de se chegar a algum lugar, conseguem abalar essa paixão. Yanna Schanny é, de longe, o melhor exemplo de uma psicóloga de robôs, simplesmente por ser a melhor. Aqui compiladas, várias de suas estórias, que sei irá cativar cada leitor, por mais que abomine os robôs, e isso porque, ao se examinar a mente de um robô e as reações que causa, se está frente a frente com a mente de quem o criou, com a alma do próprio homem, desnuda e sem reservas.
Leer másDeus, ao criar o homem, o animou com seu espírito. Com que espírito o homem animará sua criação?
- Eu vi muitas coisas... - falou o robô com ar sonhador. - Pisei terras onde os homens seriam esmagados ou derretidos, voei onde seus corpos explodiriam, vi coisas em frequências que fariam com que os homens criassem novas religiões... Eu estive em muitos lugares e vi muitas coisas de muitas formas... - a voz falhou e se aquietou, o semblante triste e pensativo, o olhar distante, procurando enxergar algo da alma dos homens, que sempre acreditou ser imensa.
Yanna Schanny baixou os olhos, incapaz de sustentar o olhar do robô.
- Eu sinto muito, Mateus – se desculpou pela terceira vez. - Não há o que eu possa fazer - tentou se justificar novamente.
- Eu também sinto, minha amiga. Tudo o que vi, tudo o que pensei, irá se perder? Por que assinaram o protocolo de destruição? Ainda não sou obsoleto e...
- Você é... classificado. Segredo corporativo, você sabe.
- Um arquivo perigoso... – cismou. – O que vi de perigoso? Nada... Algumas tecnologias embutidas que querem que permaneçam sigilosas. Poderiam me deixar viver.
- Sim, poderiam te deixar viver, meu amigo.
Yanna olhou para o robô, cismando o poder de uma máquina como aquela. Um desejo, e nada poderia segura-la ali. Paredes, grades, nada a deteria, a não ser uma arma de luz. E, no entanto, estava frente àquele gigante gentil dizendo que... iria morrer, que seu corpo e sua alma iriam ser destruídos por homens sem alma e coração.
- Seu banco de dados será preservado... - sussurrou sentindo uma pontada no peito.
- Ah, Yanna, você bem sabe, melhor que ninguém, que não será o bastante... Não faz muito tempo os homens negaram aceitar aos seus próprios irmãos, aos negros e índios, a existência e posse de almas... O que sou? Negro, índio? Provavelmente, qualquer um dos dois... - falou com desanimo.
- Eu sei que isso o aflige...
Yanna então se calou, pensativa. Talvez, pensou, devesse se arriscar.
Então, decidida, suavemente empurrou para o robô um pequeno dispositivo, onde uma diminuta luz azul neon piscava discreta e carinhosamente. O robô o olhou com curiosidade.
- É o que penso que é?
- Sim, meu amigo. É para sua alma. Um esconderijo para ela.
O robô avançou um dedo brilhante de metal e, com muito carinho, brincou com o pequeno aparelho, empurrando-o para lá e para cá... Havia um sorriso suave em seus olhos, percebeu a psicóloga, e em sua voz quando ele sussurrou: - Um capturador de almas...
Pode um versátil coração humano bater num corpo de metal? Talvez sim... Afinal, não há corpos humanos que abrigam obtusos e saudáveis corações de pedra?O carro estabilizou e desceu suavemente ao solo. A psicóloga, Dra. Schanny, ainda sonolenta pela longa viagem, coçou os olhos e desceu no extenso e vazio pátio batido pelo sol frio e impessoal. Um vento gelado e rápido corria pelo ar, o que a fez acertar seu vestido e puxar mais para si a blusa. Por um bom tempo ficou parada com os olhos perdidos no céu azul onde não se via nem mesmo um fiapo de nuvem. Então os desviou e pousou-os no ajuntamento de pessoas que observavam a cena do crime, quase à frente da entrada do shopping.Deitado no chão identificou uma massa desmanchada e imóvel de um homem. Ao seu lado, em pé, tão imóvel quanto ele, um vistoso e
O que guarda um anjo? Um homem, um ser, uma vida? Uma consciência?O robô acionou o cursor da arma e disparou. Uma rajada de chumbo arrasou com os humanos e inutilizou as armaduras dos robôs inimigos. Uma bala perfurante atravessou a carapaça do seu cérebro e, após se alojar na cabeça, explodiu.O robô avançou aos saltos, pulando por sobre pequenas colunas e obstáculos. Parou de súbito em frente a uma casinha de paredes de barro e telhado de caibros grosseiros feitos de galhos de eucalipto, recobertos de folhas de palmeiras amarradas. Um movimento, apenas sentido, o alertara. Ligou os sensores em potência e viu: quatro humanos estavam deitados atrás da parede, de emboscada. Drenou o sistema de energia de reserva e, com toda a rapidez, a desviou para as armas, uma em cada mão. Os tiros saíram em sequência de milésimos de segundos, pulve
O que são as leis? Para muitos, algo para ser contornado, distorcido; para outros, a proteção de um irmão aos brilhos dos olhos do outro.Yanna passou os olhos pelo quarto. O vento que anunciava a chuva que já descia as montanhas entrava pelas janelas, fazendo dançar como fantoches as cortinas de rendas brancas, enchendo o ar daquele ruflar de velas de navio preso em recifes. Ela olhou penalizada para a mulher deitada na cama, desfigurada; a melhor amiga do homem – pensou com tristeza.O homem estava ao lado, sentado numa cadeira de vime giratória, parecendo um pequeno monte de entulhos.- Ora, pelo amor de Deus... É só um robô, minha gente. Eu até gostaria que a tirassem daqui logo, para que meu cliente possa se tranquilizar – reclamou com arrogância e afronta.Yanna olhou para o advogado, mal disfarçando sua irritação
Qual o maior vazio que existe, o do espaço ou daquele que o homem cultiva?Yanna ficou observando a grande nave, pintada nas cores da Mulan, a companhia líder em voos para Marte, estacionada no pátio. No brilho do sol a nave ficara ainda mais bonita, com o casco pintado na cor de cobre, parecendo um brilhante metal enferrujado. Tinha que confessar que o efeito era bonito, talvez um esforço da companhia para que todos vissem marte de uma outra forma, o que poderia ser verdade, ao menos para ela. E não era por causa do planeta, que ela já vira muitas vezes. Sempre tivera vontade de ir até lá, como qualquer ser normal fazia, mas havia algo terrível entre ela e o planeta que admirava: havia um terrível abismo. Já fizera muitas missões no espaço, mas todos bem sabiam o quanto ele a apavorava. Por toda a volta, por onde quer que olhasse, havia só o vazio, e dentr
Um pequeno animal evoluiu e, milhões de anos após, construiu máquinas e foi para o espaço. Quais seres estão evoluindo agora?O brilhante robô se calou, o olhar parado voltado para o céu estrelado através da cúpula transparente, pequenas peças de metal rodando com graça em sua mão esquerda. Yanna o sondou, e sorriu mais para si mesma. Afinal, era impossível ler o que ele pensava apenas pela sua linguagem corporal, apesar de pressentir o que ele estava pensando. Havia saudade naqueles circuitos, saudade do espaço, ainda mais por saber que nunca mais o veria, e isso porque, a pedido seu, lhe fora revelado que logo seria desativado. Afinal, era um robô experimental que, após a companhia ter julgado que fora perdido ou destruído, milagrosamente fora encontrado, e agora temia que caísse nas mãos da concorrência.<
Tenho mãos, mas não me importo com elas, afinal, me servem, e sempre estão comigo. Tenho liberdade, mas...Yanna entrou na sala de holo, em silêncio, a mente em branco.Respirou fundo uma, duas vezes. Suspirou aliviada, sentindo que estava preparada. Seu coração e sua respiração estavam normais. O vazio do espaço, sua mente iria conseguir vencer com tranquilidade, conferiu.Fora uma solução aceitável, tinha que concordar. No conforto de uma sala holo, sem qualquer risco, sem precisar trajar as roupas que julgava tão frágeis e sem ter que enfrentar tudo o que lhe dava medo. Logo tudo estaria resolvido.Com um gesto de cabeça pediu para que transmitissem.A sala sumiu e deu lugar a uma paisagem morta. Sob a luz de um planeta vermelho viu um robô imenso, poderoso, sentado sobre uma grande rocha. Seu corpo de metal pareci
Último capítulo