POV Deric
Mano, eu me lembro daquela noite como se fosse ontem. É impossível esquecer. Foi uma daquelas noites que deixam marcas profundas, aquelas que você carrega como uma cicatriz invisível para o resto da vida. Era madrugada, e ninguém esperava o que estava prestes a acontecer. A gente estava na casa do Clarck, naquela mansão em El Portal. Era uma construção imponente, com suas paredes brancas de concreto, janelas amplas que refletiam a luz da lua, e um enorme portão de ferro que nos separava do caos lá fora. A sala de estar tinha aquele ar de luxo casual, sofás de couro preto, uma lareira apagada e uma mesa de vidro repleta de garrafas de whisky, cigarros e cartas de baralho espalhadas. Tudo parecia tão normal naquela noite, tão… tranquilo. Eu estava sentado em um dos sofás, observando o Clarck. Ele andava de um lado para o outro com o celular na mão, a expressão tensa, o maxilar travado. Aquele silêncio pesado no ambiente já dizia tudo. Algo estava para acontecer. Algo grande. "Mano, a guerra não tá vindo, não", pensei. "A guerra já tá aqui." A guerra começou lá atrás, quando a MZT tentou acabar com a gente. Destruir eles foi só o início, só uma batalha. Mas a coisa não parou por aí. O ataque à casa do Clarck foi a faísca que acendeu o barril de pólvora. Naquele momento, não havia mais como evitar. Não dava pra recuar. Era como se o destino tivesse escolhido por nós. Aos poucos, a tensão foi se transformando em algo mais sombrio. Clarck, com aquele olhar frio que ele só tinha em situações extremas, finalmente parou de andar. Ele virou para mim e para o resto da equipe reunida ali. — Isso é guerra — ele disse. A voz dele soou grave, cortante. — E eu não vou esperar pra ver quem ataca primeiro de novo. Ninguém questionou. Como poderíamos? O que tinha acontecido foi um massacre. Uma chacina. Eu nunca tinha visto tanto sangue derramado por um só homem. O ataque à casa do Clarck não foi só uma tentativa de intimidação. Foi uma declaração. Eles estavam dispostos a tudo para nos derrubar. E Clarck… Ele estava disposto a devolver na mesma moeda. Eu me lembro de olhar para o chão da sala naquela noite, como se estivesse tentando encontrar uma resposta. Mas a única coisa que vinha à minha mente eram aqueles ditados populares que minha avó costumava dizer: “Em tempos de guerra, é olho por olho, dente por dente.” Naquele momento, eu entendi. Clarck não estava sendo cruel. Ele estava sendo justo. E, sinceramente? Se fosse eu no lugar dele, eu faria o mesmo. A guerra já tinha começado. E não tinha como voltar atrás. POV Clarck No Hospital O relógio na parede do corredor parecia zombar de mim, com os ponteiros se arrastando como se o tempo estivesse congelado. O silêncio do hospital era quebrado apenas por passos apressados de enfermeiros e o bip constante dos monitores nas salas próximas. Eu não conseguia parar de andar de um lado para o outro. Cada movimento meu fazia minhas botas ecoarem no chão brilhante. — Já tem horas que estamos aqui e nada de notícias — falei, cruzando os braços e olhando para a garota à minha frente. Selena estava sentada numa das cadeiras duras e desconfortáveis da sala de espera, seus dedos brincando nervosamente com a borda de sua jaqueta. Ela ergueu os olhos para mim, sua expressão misturando cansaço e preocupação. — Calma — respondeu ela, tentando soar confiante. — Ela está em boas mãos. Eu soltei um suspiro pesado, esfregando a nuca. A tensão estava pesando nos meus ombros como uma tonelada de concreto. — Dois anos atrás, quando saí daqui com Thayla — comecei, a voz saindo mais baixa do que eu pretendia. — Eu disse que só voltaria aqui em duas hipóteses. Selena inclinou a cabeça, curiosa, tentando entender onde eu queria chegar. — Quais? — perguntou ela, a voz suave, mas cheia de interesse. Eu parei de andar e encarei o chão por um momento antes de levantar os olhos para ela. — Se os feridos fossem eu ou um de vocês — respondi, sentindo o peso das palavras caírem sobre nós como uma sentença. Selena franziu os lábios e ficou em silêncio por alguns segundos. Ela sabia o quanto significava para mim estar ali novamente, revivendo memórias que eu preferia esquecer. POV Deric Nas ruas de El Portal A noite estava quente, mas o clima não tinha nada de agradável. As luzes dos postes piscavam ocasionalmente, iluminando as ruas estreitas e vazias. As sirenes ao longe pareciam tão comuns quanto o som de folhas ao vento em outro lugar. Nós nos dividimos em grupos menores para cobrir mais terreno. Não havia tempo a perder. Vasculhamos cada canto de El Portal. Cada beco escuro, cada praça esquecida, cada subida de morro que parecia mais ameaçadora à noite. Minha lanterna varria os cantos sombrios enquanto eu mantinha a mão firme na arma presa ao coldre. O lugar estava tão quieto que até mesmo o som dos nossos passos ecoava como um grito. — Nada ainda? — perguntei para um dos rapazes pelo rádio. — Negativo — respondeu uma voz grave. Era impossível. Não tem como desaparecer assim, como se tivessem virado fumaça. Vasculhamos cada canto possível, mas não havia sequer um vestígio dos desgraçados que fuzilaram a casa de Clarck. Por fim, nos reagrupamos no centro de El Portal. O lugar, durante o dia, era movimentado e caótico, mas à noite tinha uma aura sombria, como se o próprio bairro estivesse conspirando contra nós. As lojas fechadas e as ruas vazias criavam uma atmosfera de abandono que fazia a pele arrepiar. Enquanto esperávamos Taylor chegar com o restante do time, puxei o telefone do bolso e liguei para o hospital. Meu coração estava acelerado, mas eu sabia que precisava de notícias sobre Rhany. Ligação On Com o celular firme em minhas mãos, disquei o número de Selena. Após alguns toques, ouvi sua voz atender do outro lado da linha. — Oi — disse ela, sua voz carregava cansaço, mas também determinação. — E aí, notícias? — perguntei direto ao ponto, tentando não demonstrar a irritação que crescia. — Nada. E aí? — A resposta dela veio como um espelho da minha. Fechei os olhos, frustrado. — Nada também. Nós vasculhamos tudo e não encontramos nada, nenhuma pista. — Como assim? — A voz dela subiu um tom, soando incrédula. — Eles evaporaram, Selena. Não tem outra explicação. — Ninguém desaparece assim, Deric — rebateu ela, e o som de um suspiro pesado escapou do outro lado da linha. — Eles não viraram fumaça. — Pois é. — Balancei a cabeça, mesmo sabendo que ela não podia ver. — Mas estou ficando sem opções aqui. Houve um silêncio breve, interrompido pela voz calma e firme dela: — Faz assim: deixa as equipes que vocês montaram continuarem as buscas. Vem para cá com o Taylor. Vamos ver o que o Clarck vai decidir fazer a respeito. — Okay. — Minha resposta saiu seca, mas no fundo eu sabia que ela estava certa. Selena tinha razão. Ninguém desaparece assim, mas, no momento, eu não via outra alternativa. Desliguei, guardando o aparelho no bolso enquanto um suspiro pesado escapava dos meus lábios. A sensação de impotência era esmagadora, mas precisávamos de um plano. E, acima de tudo, precisávamos do Clarck para liderar o próximo passo. Ligação Off