VIOLETA

VIOLETAPT

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Última actualización: 2021-02-27
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9.7
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Resumen
Índice

Sinopsis

Após perder seu pai ainda criança e sob os cuidados de uma mãe ausente, Violeta, aos quatro anos de idade, se viu refém dos abusos do seu padrasto. Abuso esse que a deixou marcas com as quais ela teve que lidar até então sozinha. Aos 19 anos, num país em colapso e quase na metade do seu curso superior, ela recebe o que menos esperava: alguém que a possa ouvir.

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Capítulo 1

Gaiola

PASSADO. Palavra confusa. Não é que eu desconheça o seu significado. É que apenas não faz muito sentido pra mim. Porque não é como se fosse realmente "algo que se passou". Ele vive. Faz parte do que sou, da mulher que me tornei. E apesar de em alguns momentos eu conseguir encará-lo de cabeça erguida, durante madrugadas como essa eu volto a me sentir indefesa, frágil, um lixo. 

Deslizo minhas mãos frias mais uma vez pelo meu rosto pegajoso. O suor recobre a minha pele. A vontade de entrar debaixo do chuveiro me consome, mas eu resisto. 

— Apenas respire, Violeta — digo mentalmente. 

Penso em voltar a dormir, mas o medo de tornar a sentir suas mãos ásperas em meu corpo faz a bile subir à minha garganta. Salto da cama, abro a porta do quarto e corro para o banheiro. Ponho todo o meu jantar para fora e dou descarga, com um leve receio de que minha mãe acorde. Retiro a camisa larga e ligo o chuveiro. Esfrego a minha pele com força, acompanhada  pelas gotas mornas, incessantes, que recaem sobre mim, me afogando. 

— Não foi sua culpa, Violeta — repito uma e outra vez na tentativa de me convencer disso, sem sucesso. 

Quero gritar, mas quem me ouviria? Por mais que eu me esforce, ele quase sempre vence.

Marcelo é como um maremoto do qual às vezes eu consigo me afastar da onda e outras que simplesmente eu o deixo me afogar. 

Pelo reflexo da janela do ônibus eu vislumbro os meus olhos cansados. Uma consequência da noite mal dormida e da manhã agitada na Papelaria & Livraria. Janela afora, a cidade de Alagoinhas quase me sufoca, aprisiona-me. As ruas mal planejadas se confundem. E pensar que Ruy Barbosa um dia a nomeou de Pórtico de Ouro do Sertão Baiano. Ouro que desde 1964, sob a forma de petróleo e gás natural, enriquece os bolsos dos burgueses e marginaliza a massa trabalhadora que compõe os bairros reconhecidos e desconhecidos dessa cidade confusa. 

— Iai — cumprimenta Cleo, sentando-se ao meu lado. 

— Oi — respondo quase num sussurro. 

— Oxente, não dormiu não, foi? Ansiosa por causa do primeiro dia de aula? 

— Na verdade, não. Tô de boa quanto a isso. É outra coisa — desconverso. 

— Tá bom. Eu já sei que você não vai me contar mesmo... Será que Luzia vai dar aula hoje? A gente só tem aula com ela na segunda.  

— E tu acha que ela vai faltar? — ironizo. Cleo assente com um sorriso e seguimos em silêncio pelo restante do trajeto. 

O ônibus para em frente à Universidade do Estado da Bahia, e, sem pressa, um a um faz seu caminho para o portão de entrada. 

É estranho estar aqui de novo. Depois de três semanas de recesso eu quase me esqueci que estudava aqui. Não que eu desgoste da universidade, mas o verbo gostar me parece muito forte para empregar a esse espaço acadêmico. 

Quarto semestre. Metade do curso, em tese. A área de Letras sempre me seduziu. Queria me graduar em outra cidade, mas não tinha dinheiro pra isso. E como apesar de tudo a UNEB ainda era uma boa universidade, escolhi cursar Letras – Língua Portuguesa e Literaturas aqui mesmo.  

Alguém passa por mim às pressas, me empurrando para a frente, e eu quase perco o equilíbrio. 

— Merda! — exclamo, apoiando-me em Cleo. 

— Pardon, mademoiselle — pede o rapaz, constrangido. Ele faz menção de estender sua mão para mim, mas eu o detenho. 

— Não encosta em mim — digo, irritada. 

— Vamos, Filipe. Nós já estamos atrasados — chama a moça a alguns centímetros dele. Ele me encara por alguns segundos e segue com passos rápidos para a sala 13. 

— Você tá bem? — questiona Cleo. Aceno em afirmativa. — Essa mania deles de ficar falando francês me irrita. 

— Disse a mulher que no semestre passado vivia falando uma palavra ou outra em latim — brinco. 

— É diferente, Vi — protesta. 

— É diferente por quê? Se eles estudam francês é natural que o falem, né? — replico. 

Letras com habilitação em Língua Francesa era a minha primeira opção, mas quando eu vi que na grade do curso não se estudava a literatura brasileira, eu preferi me matricular no curso de Vernáculas. 

— Tá bom. E por que você não deixou o cara te tocar? 

— Eu não gosto de estranhos me tocando. Você sabe disso. 

— É, eu sei. Vamos logo porque senão quem vai chegar atrasada é a gente — Seguimos pelo pátio e passamos pela sala 13, com sua porta entreaberta. Visualizo o rapaz e a moça sentados lado a lado, seus olhos fixos na professora à suas frentes. Devem ser namorados, imagino. 

Continuo andando logo atrás de Cleo e adentramos juntamente com mais cinco colegas de classe à sala 5. 

— Gostaria de lembrar-lhes que a nossa aula começa às 13h30 e não às 13h38. Não é porque é nosso primeiro dia de aula que vou tolerar a irresponsabilidade de vocês. 

— O ônibus atrasou, professora — ouço alguém argumentar. 

— Eu não quero desculpas, Márcia, quero que estejam aqui no horário — Eu ignoro o permanente estado de mau humor da professora Luzia e sigo com Cleo para o canto da sala, tomando os nossos lugares. 

Ela exibe em formato de slide a ementa da disciplina de Diversidade Linguística e explica que vamos estudar as variantes do português brasileiro, fundamentando-se na Sociolinguística e na Dialetologia. Seriam aulas maravilhosas se não fosse ela a professora. Luzia é do tipo que adora ressaltar seus títulos acadêmicos e se faz de militante da Sociolinguística nas palestras da universidade. Mas em sala, corrige quando algum de nós fala a segunda pessoa do singular sem conjugar o verbo segundo as regras da gramática normativa. 

Eu me mantenho em silêncio por quase toda a sua aula. Às vezes acho que ela nem sabe o meu nome, mesmo sendo minha professora desde o primeiro semestre. 

Abro o caderno, anoto uma coisa ou outra que ela diz e percebo a passagem das horas à medida que o sol forte se ameniza janela afora. 

— Eu juro, se no próximo semestre essa mulher tiver com alguma disciplina eu tranco o curso — protesta Cleo assim que saímos da sala. 

— Você só está dizendo isso porque sabe que ela não ensina nenhuma disciplina do quinto semestre — ironizo. Cleo esboça um sorriso, que desaparece aos poucos quando vê sua irmã, Beatriz, abraçada a Adilson. 

— Eu achei que o curso de Educação Física só tivesse aulas pela manhã. 

— Beatriz está como funcionária voluntária do UATI, sabe? O projeto que dá aulas a pessoas da terceira idade — explica. Seus olhos viajam do corpo de Beatriz para o seu próprio corpo. 

Cleo e Beatriz são irmãs de pais diferentes. Uma em nada lembra a outra. Cleo dizia que ela tinha melanina de mais e Beatriz tinha melanina de menos. O nariz e lábios carnudos de uma em comparação ao nariz e lábios médios da outra; o cabelo 4c crespo e volumoso de uma em contraste aos cachos 3b e comportados da outra; o corpo magro e sem muitas curvas de uma ao oposto corpo curvilínio e sarado da outra faziam com que Cleo se achasse menos atraente que a irmã. Eu a achava linda, mas Cleo não enxergava nenhuma beleza nela mesma. 

Os homens olhavam para Beatriz como se ela fosse um objeto sexual. O tipo de olhar que me causa ânsia de vômito. Adilson a abraça com um sorriso presunçoso no rosto. Ele é um babaca. Sexto semestre de História, que é um curso noturno, mas a qualquer hora é fácil encontrá-lo pelo campus. Ele é um machista que se faz de anarquista. Um completo idiota. Mas por algum motivo a Cleo gosta dele. 

Beatriz e Adilson vêm ao nosso encontro, e eu rezo para que o ônibus de 16h25 chegue o quanto antes. 

— Oi, Cleonice — diz Beatriz, mesmo sabendo que a irmã não gosta do seu nome completo. — Oi, Violeta. 

— Oi — respondo, mas Cleo permanece quieta. 

— Cleo, Violeta — cumprimenta Adilson. 

— Oi — retorque Cleo com um sorriso, mas dessa vez sou eu quem não digo uma única palavra. 

Beatriz percebe a mudança na postura de Cleo e se afasta do abraço de Adilson. Às vezes eu acho que Cleo quem dificulta um bom relacionamento entre as duas, sustentando uma rivalidade que não faz o menor sentido. Um silêncio desconfortável repousa entre nós e por sorte o ônibus chega. Adilson faz menção em aproximar seus lábios do rosto de Beatriz mas ela se esquiva e segue logo atrás de mim para a fila que começa a se formar para entrarmos no ônibus. Olho para trás e vejo que Adilson diz algo a Cleo que a faz sorrir. Rolo meus olhos em desaprovação e me concentro nas pessoas à minha frente. 

Pego um lugar num dos assentos no fundo do ônibus, perto da janela. Cleo e Beatriz se sentam no banco ao lado do meu; apenas o corredor entre nós. Seguem todo o caminho sem olhar uma na cara da outra. Quando o ônibus para um pouco depois do viaduto, elas se levantam. Beatriz passa direto, emburrada, e Cleo sorri de leve para mim. 

Lucimar sempre diz que cada um tem a família que merece. Eu não acho. Acredito que família é aquilo que a gente constrói. Mas, bem, eu não sou a melhor pessoa para julgar a família de ninguém. 


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Jessica_silva_vbjb
história cativante ...️ parabéns a autora...
2021-08-08 20:53:55
2
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Lucy Megono
Parabéns a autora. Livro muito encantador
2021-08-06 21:54:18
2
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brunah.barros27
Ja gostei. Preciso ler ...
2021-07-29 23:41:17
2
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js_autora
Aos leitores: Não se esqueçam de avaliar o romance. Isso é muito importante para o crescimento do livro na plataforma.
2021-06-25 18:30:13
5
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Leitor19 Araujo
Eu estou apaixonado pela escrita dessa autora! É maravilhosa!
2021-05-30 09:27:50
2
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Hanna Pereira
Que livro maravilhoso!! Me emocionei muito acompanhando a tragetoria de Violeta! História de uma mulher forte, uma história muito bem escrita. Obrigada, Joelma, por trazer um tema tão nescessário de uma forma excepcional! Parabéns por essa obra incrível!
2021-05-07 20:31:00
3
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Hanna Pereira
Que livro maravilhoso!! Me emocionei muito acompanhando a tragetoria de Violeta! História de uma mulher forte, uma história muito bem escrita. Obrigada, Joelma, por trazer um tema tão nescessário de uma forma excepcional! Parabéns por essa obra incrível!
2021-05-07 20:30:59
3
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Weverton Araujo
Obra fantástica! Muito bem escrita e de uma pureza e profundidade sem igual. Discute uma temática que por muito tempo vem sendo ignorada em nossa sociedade.❤️✊🏽👏🏾👏🏾👏🏾
2021-05-07 09:48:26
3
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Larissa Oliveira
Amei esse livro! Diálogos muito bem trabalhados. História que toca a alma. Gostei muito de conhecer a Violeta e seu modo de pensar. Um exemplo de superação.
2021-05-06 09:14:55
2
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js_autora
Este livro foi escrito com muito carinho e cuidado. Estou curiosa para conhecer a opinião de vocês.
2021-04-01 23:03:40
6
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Full Rebom
muito linda amei..parabêns autora querida
2021-08-06 22:05:03
2
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Larissa Taynara Fraga Nogueira
ESTOU GOSTANDO
2021-07-07 05:08:12
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