Henrique narrando :Acordei com a cabeça latejando.A luz branca e fria do hospital me cegava. Tentei me mexer, mas o corpo inteiro doía. Cada músculo, cada osso. Os flashes do que aconteceu voltavam em pedaços desconexos: o bar, a bebida, a raiva, a briga... os socos, os chutes.Fechei os olhos, tentando organizar os pensamentos.Lembrei da Luísa correndo.Lembrei dos caras me espancando na calçada como se eu fosse um lixo.Lembrei de gritar, sem ser ouvido.Quando abri os olhos de novo, vi minha mãe sentada numa poltrona ao lado da cama.O rosto dela estava cansado, marcado pelas lágrimas.Ela percebeu que eu tinha acordado e se aproximou rápido.— Filho… graças a Deus — sussurrou, segurando minha mão.Tentei falar, mas a boca cortada dificultava.— Fica quieto. Não força — ela disse, ajeitando o travesseiro.Fiquei ali, calado, encarando o teto.O peso do que eu tinha feito, da vida que eu destruí, caiu de vez sobre mim. Sabia que tinha perdido tudo. Sabia que a Gabi nunca mais ia
Gabriela narrando :Já fazia uma semana.Sete dias desde que tudo desabou.Sete dias desde que eu vi com meus próprios olhos quem o Henrique realmente era.Sete dias desde que o chão abriu, e eu caí sem ter onde me segurar.Mas agora... Agora as coisas estavam começando a entrar nos eixos.A dor ainda vinha de vez em quando, claro, mas não como antes. Não como um soco no estômago. Agora era mais como um eco.Um lembrete de que eu sobrevivi.Nessa última semana, cancelei tudo.Tudo. Buffet, vestido, salão, fotógrafo, lua de mel, lembrancinhas...Cada ligação que eu fazia era um peso saindo das minhas costas.Doía?Sim.Principalmente quando a pessoa do outro lado perguntava mas aconteceu alguma coisa?Aconteceu sim. Aconteceu que eu fui enganada, traída, usada.Mas eu não dizia isso.Eu respirava fundo e respondia:— Só não vai acontecer mais.Minha mãe me ajudou com tudo.Foi meu alicerce, meu colo, minha força.E o Gustavo… Meu irmão pequeno parecia sentir tudo, e vivia grudado em mim
Gabriela narrando :Depois de terminar de me arrumar, respirei fundo, ajeitei a blusa na frente do espelho e desci as escadas devagar, tentando me manter firme por fora, mesmo com a cabeça uma bagunça por dentro. Na cozinha, o cheiro de café fresco se misturava com o de pão quente e manteiga derretida. Minha mãe estava na mesa, já servindo o café. Meu pai lia algumas mensagens no celular, e o Gustavo… Bom, o Gustavo falava pelos cotovelos, como sempre.— Gabi! — ele gritou assim que me viu. — Eu vou levar minha bola nova hoje, posso?— Só se tu prometer que não vai esquecer na escola — respondi, sorrindo e puxando uma cadeira.— Nunca esqueço nada! — ele disse, cheio de si.Minha mãe me serviu uma xícara de café e colocou dois pães na cestinha na minha frente.— Dormiu bem, filha? — ela perguntou, com aquele tom cuidadoso de quem já sabe que a resposta é “não”.— Mais ou menos — respondi, dando de ombros e levando a xícara à boca.Meu pai fechou o celular e falou sem tirar os olhos do
Prólogo : Guilherme narrando : Eu sabia que aquele dia não seria como os outros. Desde o momento em que acordei, uma sensação estranha me acompanhava, como se algo estivesse prestes a acontecer. Algo ruim. O meu instinto gritava, mas eu ignorei. Estava ansioso para ver Camila, para sentir o seu cheiro, para tê-la nos meus braços mais uma vez. Era como um vício, uma obsessão que eu não conseguia controlar. A casa de praia da família dela era o nosso refúgio, o lugar onde podíamos nos esconder do mundo. Onde ela me dizia, entre suspiros e beijos, que nunca sentiu nada igual. E eu sempre acreditei nisso. Eu acreditei que ela era minha, assim como eu era dela. Cheguei lá com o coração disparado. A porta estava entreaberta, como se estivesse me esperando. Algo no silêncio do lugar me incomodou. O som das ondas parecia distante, abafado pela sensação sufocante que tomou conta de mim. Um arrepio percorreu minha espinha. — Camila? — chamei, a minha voz soando estranha até para mi
Capítulo 2 Camila narrando : Eu tinha 17 anos e, naquela época, o meu mundo ainda era a escola. Eu estava acostumada com aquele ambiente, com a rotina de ser a filha da família rica que todo mundo respeitava, ou, se fosse o caso, temia. Eu não me importava muito com isso, na verdade. Tinha meus amigos, as minhas coisas, e um futuro aparentemente já traçado. Mas tudo mudou quando ele apareceu. Ele estava no meu último ano de escola, mas era novo, um novato que parecia ter saído de algum lugar muito distante da minha realidade. Eu lembro bem do primeiro dia em que ele entrou na sala, com aquele olhar desconfiado, como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe do lugar. Ele era diferente de todos os meninos que eu já conhecia, e não era só pelo jeito de andar, mais solto, mais confiante de uma maneira que eu não sabia explicar. Eu tinha acabado de sentar no meu lugar, perto da janela, quando ele entrou. Seu nome era Guilherme, e logo ele virou o assunto da turma. Gênio dos
Capitulo 3 :Camila narrando :Continuação :Uma tarde, depois da aula de história, ele me abordou novamente. Dessa vez, sem me pedir nada, sem um livro para pegar emprestado. Ele apenas se aproximou da minha mesa e ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse decidindo o que dizer. O olhar dele estava mais intenso do que nunca.— Camila... — ele começou, com uma voz calma, mas que soava mais séria do que de costume. — Eu... eu não sei o que você pensa de mim, mas eu não sou como os outros. E eu sei que nem deveria estar falando com você,.mas eu não aguento mais guardar isso pra mim.Eu não sabia o que responder. Não estava esperando aquilo, mas ele parecia estar falando direto ao meu coração. Como se tudo o que eu temia, todas as barreiras que eu tentava colocar entre nós, estivessem sendo desfeitas com aquelas palavras simples.— Eu sei o que você quer dizer — respondi, com a voz trêmula, sem saber ao certo o que estava sentindo. — Mas não é tão simples assim.Ele me olh
Capítulo 4Guilherme narrando :Acordar cedo sempre fez parte da minha rotina. O despertador toca antes do sol nascer, e eu já sei o que me espera: mais um dia de luta. Minha mãe, Dona Lúcia, já está de pé antes de mim, preparando o café simples, que na maioria das vezes é só café puro mesmo, sem pão, sem leite. Quando tem, é porque algum dinheiro sobrou ou porque ela conseguiu trazer algo da casa onde trabalha como empregada.Moro num bairro humilde, de ruas esburacadas e casas pequenas que se amontoam umas sobre as outras. O tipo de lugar onde, quando chove forte, as vielas alagam e a água entra pelas frestas da porta. Mas esse é o meu lugar. Cresci aqui, aprendi a me virar aqui. Minha mãe fez de tudo pra me manter longe dos problemas, e foi por causa dela que eu sempre levei os estudos a sério.Eu estudo numa escola de elite, mas não porque minha família tem dinheiro. Entrei lá porque ganhei uma bolsa integral, dessas que só oferecem pra alunos que se destacam. Sempre fui bom com n
Capítulo 5Camila narrando :A escola nunca pareceu tão pequena quanto naquele dia. Cada corredor, cada sala, cada canto parecia pulsar com a tensão que existia entre mim e Guilherme. Eu sabia que estava me metendo em algo complicado, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar. Era como se ele tivesse se tornado um imã e, por mais que eu tentasse, não conseguia ficar longe.Naquele dia, o intervalo parecia arrastado. Eu sentia o olhar dele me procurando no meio dos alunos, e, no fundo, eu sabia que estava esperando por isso. Quando finalmente nos encontramos, foi diferente. Tinha algo nos olhos dele que me fez tremer. Expectativa, talvez. Ou só aquela certeza de que algo estava prestes a acontecer.Ele se aproximou devagar, como sempre fazia, sem pressa, sem medo.— Camila — ele disse, e o jeito como meu nome saiu da boca dele fez meu coração acelerar. — Acho que a gente precisa conversar.Eu respirei fundo.— Sobre o quê?Ele deu um meio sorriso.— Você sabe sobre o quê.E eu sabia.O