Um menino de tez clara, olhos verdes, cabelos encaracolados crescidos até na testa. Pés calçados de sapatilhas, usando calças jeans pretas e uma t-shirt branca; em suma, como que trajado à moda estrangeira; isso se se identificasse a moda nacional. Era um rapaz estranho aos olhos de uma pessoa ordinária dessas nossas bandas.
E para impressionar ainda mais, ele era dono de um nome também esquisito, principalmente para alguém com a sua aparência. Era um nome que quando crescesse mais e quisesse entrar no processo da socialização secundária lhe causaria muitos desgostos. É óbvio que em muitas circunstâncias seria caçoado: na escola, pelos colegas meninos da mesma idade e pelos professores, estes últimos já crescido mas mal-educados pela máquina que governa o país; na conservatória do registo civil, quando fosse para adquirir documentos de identificação social.
- Por favor, repita o nome, meu senhor!? – Pediria um dos funcionários do notário. Um desses amesquinhados selvagens adestrados que estudam direito nas universidades desse país.
- Ulika! – Responderia polida e pacientemente o encarregado do menino.
- Meu senhor – volveria o jovem notário – esse nome não serve. Primeiro, ele tem de carregar os sobrenomes dos pais, depois…
- Mas Ulika é mesmo o nome do pai dele! – Volveria, ainda de maneira polida, o encarregado.
- Não, senhor. Se assim for então ele tem de ter um nome próprio.
- Também é um nome próprio para ele. O identificamos assim desde que o conhecemos.
- Mas o senhor não percebe. Assim não vamos a lado nenhum. O teu filho tem de ter no mínimo três nomes. Um nome não é suficiente. – Diz o jovem do notário meio sarcástico e aborrecido.
E o encarregado, um pouco mais altivo, pediria para falar com o delegado do notário.
- Não, senhor! Isso não são assuntos de levar ao delegado. Ele está cheio de tarefas importantes. A questão é que, obrigatoriamente, tu terás de adoptar outro nome para o menino.
- Mas quero tentar negociar com o Delegado. Talvez ele perceba que no passado as pessoas podiam ter apenas um nome, para se distinguirem uma das outras. E que essas coisas de rotular as crianças com os nomes dos pais surgiram do orgulho da humanidade. Um filho não é um animal de estimação, nem uma mera obra de arte para um artista qualquer. É um ser, uma existência. É como Deus! Porque é que não tens o sobrenome de Deus, se é ele o Pai da Humanidade? – Tentaria ser um pouco mais eloquente para o cretino oficial de segunda classe do notário.
- Mas agora o chefe não está. Ele saiu para uma reunião ao Comité do Partido. – O interlocutor passa-lhe essa informação visivelmente amuado.
- Então poderei encontrá-lo amanhã, de manhã?
- Sim, pode ser que esteja cá. Passe amanhã, sim. – O jovem jurista fica visivelmente impaciente e tudo o que mais desejava era ver-se livre dele, desse ousado consulente.
Os que prestam serviços públicos nessas bandas não gostam de consulentes intrépidos. Ficam constrangidos e sentem-se menoscabados, em muitos casos deixam de atender bem a quem os tenta enredar.
Mas no dia seguinte pela manhã, quando o encarregado do menino ali chega, amparando o menino, recebe a informação, que já se faz habitual no atendimento ao público dessa banda, de que o chefe Delegado da Justiça do distrito tem óbito, por isso não tinha vindo trabalhar hoje. Aliás, na verdade tinha vindo, só que não se sentou e regressou de imediato à procedência. A procedência é a modesta casa dele, onde estaria não em óbito, mas a libar em honra de nada ou do elevado índice de prostituição no país.
Com uma paciência felina o encarregado volta outra vez no dia seguinte. Mas nesse dia a informação que recebe é que “o delegado viajou”, foi à Sede da Província, para resolver problemas financeiros inerentes a instituição. Mas o encarregado não se cansa, vai e vai mais, até quando descobre que estão-lhe a esconder o Delegado e não é mais bem-vindo na instituição. Nesse período ele desvenda muitos segredos inerentes àquela instituição e denuncia muitos atos de ilegais realizados na sua presença pelos membros que lá laboram.