Tão Distante, Mas Tão Perto
Tão Distante, Mas Tão Perto
Por: Makie
Capítulo 1

       Tinha tudo para dar errado.

      Aquela pizza tinha tudo para dar errado e deu mesmo errado. Quem em sã consciência cria uma receita de pizza com laranjas e cerejas? Parece até que queria fazer um bolo rei ao invés de uma pizza. 

       — Maluco é a pessoa que fez essa pizza em casa e deu cinco estrelas — era engraçado ver os rapazes decepcionados por ter dado errado a nossa tentativa de fazer uma pizza diferente, colorida e saborosa.

         Nós queriamos tanto comer pizza e encomendar estava fora de questão, fazer era bem melhor que gastar dinheiro para comprar uma, azarados os que entraram no joguinho do Pierce e o Edward, no caso, eu e o Arthur, que aceitamos participar e ajudamos a caçar receitas pela internet, e aparece a bendita, maravilhosa e aterradora pizza que tinha tudo para dar errado. 

        — Essa receita tem cinco estrelas? — Os olhos espantados e a boca aberta do Arthur só deixavam bem claro que eu não era a única que não tinha tanta fé naquela receita.

        — Ah, parem de reclamar, a pizza está muito boa — nem o próprio Edward, que defendia  a pizza com unhas e dentes, queria comer. 

       Nem eu comeria com aquela aparência horrível, provavelmente é o mais próximo de uma pizza alien. A massa não estava leve como a que compramos sempre, estava mais pesada que pedras empilhadas em uma colher, o queijo fez as bordas ficarem mais torradas do que deveriam, o molho de tomate estava salgado mesmo que a calda que foi despejada na pizza fosse doce, as cerejas perdiam as cascas aos poucos, como uma cobra perde a sua pele, e a laranja, essa de certeza eu não comeria, estava azul, ninguém sabe o porquê, ficou azul e ponto.

         — Edward, meu amigo com a cabeça fora de órbita, prova a pizza, vai prova, eu quero ver o quão boa a pizza está — o Pierce cortou uma fatia exagerada e deu para o Edward comer, ele não parava de olhar para a sala, talvez a espera que a minha mãe mande parar com aquilo e deitar a besteirinha. — Se fizeres cara feia eu vou ter dinheiro no bolso. 

         Era muito comum aquilo acontecer, estávamos  sempre atrás de uma receita nova para experimentar, os nossos pais, um dia, nos irão retirar de casa só pelas experiências malucas que não davam certo, mas comiamos porque foram feitas por nós. 

       Todas as experiências menos aquela pizza, de certeza que ninguém comeria. 

         — Pierce, meu lindo com a cabeça de ketchup, eu como e com muito prazer — ele tirou a fatia de pizza da mão do Pierce, olhou para ela e suspirou, deveria estar a juntar forças para pôr aquilo na boca. O Arthur, que estava sentado em cima do balcão, puxou-me para mais perto e abraçou o meu pescoço. Nós riamos juntos com aquela loucura, queria ver o Edward teria tanta coragem assim.

      Cabeça de ketchup foi um apelido que o Edward usava para chamar o Pierce quando erámos pequenos, tinhamos nove anos e ele não conseguia falar o nome do Pierce, por ele ser ruivo e ter um cabelo até aos ombros e brilhante demais o Eddie passou a usar esse nome para tudo que envolvia o Pierce. Agora ele usa só no gozo ou para provocar, algo que eles dois fazem muito bem um com o outro. 

      — Estás a levar muito tempo para pôr uma simples fatia na boca — foi a minha vez de reclamar, eu queria ver qual seria a reação dele ao provar a pizza que ele não parou de elogiar por um minuto sequer. — Come, come, come.

        Comecei o meu próprio motim para ele comer o mais rápido possível, merecia ser o primeiro a provar por  ter-nos convencido a “ dar uma chance para uma pizza injustiçada, que quase ninguém quer” essas foram as palavras dele para nos encorajar a fazer essa maravilha. 

         O Eddie tinha esse hábito, encorajava sempre as pessoas a seguirem os seus sonhos e a não desistirem de si mesmos, a viver a vida do jeito que querem. Ajudava sempre que fosse necessário, e ao que tudo indica não é somente com pessoas, com comida também funciona assim. 

            Ele cortou um pedaço da pizza com os dedos e pôs na boca, a careta  que ele fez era muito parecida com a careta de alguém a passar no meio de uma lixeira fedorenta, como se aquele cheiro fosse o pior de todos os que ele já cheirou. 

             — Dinheiro — um dos braços de Pierce abraçava o seu corpo e o outro estava estendido na direção do Edward a cobrar o dinheiro. 

           — Pierce, não fiz cara feia, foi uma cara poética...

— Lá vem história — o queixo do Arthur foi parar a minha cabeça e ele resmungava sobre não ter feito uma aposta para ganhar dinheiro também. 

          — ... não existem caras feias, existem diferentes tipos de representações faciais — ele sorria abertamente com um copo direcionado a sua boca, para beber a água da salvação, para tirar todo o sabor da pizza. 

          —  Eddie, entrega o dinheiro que não te pertence mais e admite que a pizza está horrível.

          — Terrível.

          — Aterrorizadora. 

          — Queres mais alguma prova de que ficou horrível e merece ir para o lixo? Três contra um não chega? — Ele era o único qe ainda acreditava no potencial daquela pizza, mas isso era um traço dele, acreditava sempre na capacidade dos outros, mesmo que eles não acreditem em si, comigo já foi assim. 

         — Pierce, estavas comigo até pouco tempo — o tabuleiro de pizza deslizou pela balcão e foi parar para o outro lado, bem distante de nós. 

          — Estava, claro, até ver essa monstruosidade, o meu estomâgo estava a roncar de fome , olhei para essa pizza e ele parou — as mãos estavam na barriga dele, faziam movimentos circulares como quando uma grávida acaricia a barriga dela. — Até os meus órgãos são mais inteligentes que tu, quanto a comida.

          — Vocês são uns desmancha prazeres,  a pizza deve estar triste.

         — Eie... eu não vou comer algo assim só porque "a pizza deve estar triste" — o Arthur saltou para fora do balcão e virou para o Edward que ficou assustado com a velocidade dele, usou os dedos para destacar o estado da pizza. 

         — Siana, apoias-me?

        — Não, eu tenho fome de comida bonita e saborosa, não de comida assustadora e pouco saborosa — Edward sacudiu a cabeça e tirou a parte do cabelo que estava no seu rosto. 

        — Vocês são tão cruéis.

         — Santa armadilha, o que foi que vocês fizeram com a minha cozinha? — A voz vinha da porta da cozinha e vimos a minha mãe parada, com a boca aberta e as duas mãos na cabeça. Usava um vestido rosa choque com um colete da floricultura em que trabalhava por cima, Smell Like Flowers estava estampado em ponto grande na parte de trás do colete que eu conhecia tão bem. 

          — Tia Helen, como está? — A voz do Edward  estava duplamente amorosa,  pena que a minha mãe já conhecia bem os truques deles e não se deixava convencer facilmente. 

        — AhAhn, nada de “ tia Helen” — ela fez as aspas com os dedos para deixar bem claro que aquilo  não funcionava mais. — Eu quero os quatro a limpar a minha cozinha, quero ver o chão a brilhar, o balcão a cintilar e os armários mais limpos do que quando eu saí, têm uma hora, eu vou estar com a Monique lá fora e vocês, meus empregados voluntários, limpem. 

       — O balcão a cintilar? Somos o quê? Fadas madrinhas? — É claro que eles tinham que esperar a minha mãe sair para começarem a reclamar, se ela ouvisse uma das coisas que eles disseram, a casa toda estaria um sapatinho de cristal. 

         — Vamos apenas limpar, sujamos e agora limpamos.

         E sujamos de verdade, o balcão e o chão estavam cobertos de farinha, as nossas camisolas estavam igualmente sujas porque nós, os maravilhosos masterchefs das nossas cabeças, decidimos não usar aventais. Coitada da minha camisola dos One Direction. 

        — O pior é que não comemos e todo o meu corpo está a implorar por comida — eu já tinha a vassoura nas minhas mãos, mas claro que a fome contra-ataca, ela não gosta de assuntos não resolvidos. 

        O Pierce estava com um pano e limpava o balcão, tinha o cabelo ruivo preso por um dos meus laços  e logo o mais colorido que eu tinha, coberto de brilhantes e cores diferentes com uma serpente enorme arco-íris,  o Arthur limpava o forno, a cabeça estava quase toda dentro do forno, será que ele queria explorar? 

        — Willie, qual é o teu assunto com o forno para entrares assim? — A minha pergunta saiu com o tom mais inocente possível, mas foi impossível prender a gargalhada quando o Pierce e o Eddie começaram a rir. 

         — Hihihi, engraçadinha, varre e me deixa limpar em paz, a cozinha precisa brilhar se esqueceste isso — ele saiu do forno por alguns momentos, só para responder a minha pergunta e voltar para o que estava a fazer. 

         O Edward tinha um balde com água do seu lado, pronto para limpar o chão assim que estivéssemos  despachados. A camisola dele era a mais suja de todas, tinha farinha, pedaços de massa, salpicos de laranja e talvez óleo. 

         E eu, a pobre coitada que precisaria lavar o cabelo outra vez sendo que lavou no dia anterior, porque os seus amigos sujaram o cabelo dela com farinha. Eu tinha dificuldade em mexer com o meu cabelo, que é crespo e só olhar para um pente me deixava apavorada, pena que é necessário. 

       — No segundo armário da esquerda tem pacotes de batata frita, tirem para nós, já que ninguém cozinhou de verdade — depois que terminamos tudo, o Pierce pegou os pacotes de batata e fomos para o meu quarto.

         — Quero tirar essa camisola suja do meu corpo — ele queria e ele fazia. Em um minuto os três estavam a reclamar das camisolas e em outro estavam sem camisolas a procura de alguma coisa nas minhas roupas. 

        — Vocês estão a procura de quê? 

       — Eu deixo sempre casacos e camisolas aqui, tal como deixas na minha casa, estou a procura de algo meu — a voz do Edward foi a única que  ouvi, os outros sorriram para mim e continuaram a sua caça. 

      — Estou no banheiro — aproximei-me de onde eles estavam e puxei um macacão verde e a primeira camisola que peguei, segui o meu caminho para a mudança de roupa e a tentativa de lavar o cabelo para tirar toda a bendita farinha que estava nele. 

        — Resmungona, nós estamos lá embaixo, se precisares que alguém arrombe a porta quando ficares presa é só gritar  — as risadas de deboche do Edward ecoaram por todo banheiro e eu mandei o dedo meio para porta mesmo que ele não pudesse ver. 

         Aconteceu uma vez, e ficou gravado na cabeça dele como se tivesse acontecido muitas mais vezes. Eu fiquei presa no banheiro quando tinha doze anos, a porta estava estragada e a fechadura não estava no seu melhor estado, o Kaine partiu a fechadura com um martelo para eu poder sair. A porta e a fechadura foram mudadas no dia seguinte e aquilo nunca mais aconteceu, mas estava tudo registrado na mente dos seres a minha volta. 

         Desci as escadas depois que vesti e a primeira coisa que recebi foram piadas ao invés de elogios por ter um cabelo que encolhe tanto. 

       — Quem é a tua estilista? Liga para ela e pede o dinheiro de volta porque não está a fazer um bom trabalho — o Pierce foi o único que teve forças para se pronunciar, os outros riam e riam, sem parar. — Quem disse que esse verde é para vestir com esse rosa brilhante igual ao chão da cozinha? 

     — Vocês são chatos, é isso que vocês são — fui para onde eles estavam e sentei no tapete entre as pernas do Edward, que começou uma massagem maravilhosa no meu couro cabeludo. 

      — E tu não entendes nada de moda.

    — Humm, misses universos, está bom, não entendo nada de moda e vocês nem a Edna Moda são, por isso deixem a minha roupa em paz — aconcheguei-me mais perto de Edward, estava quase a adormecer ali mesmo e o melhor seria que alguém levaria-me  para a cama porque os três iriam dormir na minha casa. 

        — Arrumaram tudo? — A minha mãe perguntou assim que nos viu na sala, levantamos os polegares para indicar que já porque estávamos  mais distraídos com Little Einstein. — Ah, Edward, a Monique disse que amanhã precisas ir para casa cedo, o médico ligou para ela a dizer que tem os teus exames e precisa falar com vocês. 

      — Está bem, tia — ele olhou para mim e eu fiz a melhor cara de desentendida possível, sabia que ele queria que eu o acompanhasse. — Podes vir comigo? 

       — Claro que sim — eu sorri ainda mais e o Arthur virou a minha cabeça para a televisão. 

       — Iremos todos, não me excluam — o Pierce deixou bem claro ao tocar na cabeça do Eddie só para poder empurrar, como se a cabeça fosse uma bolinha de ping pong que ele pode jogar para os cantos a qualquer momento.

            O Arthur encheu a colher com o leite condensado que estava na mão dele e pôs na boca sem se importar com o que escorria pelos cantos, levantou a mão, apontou para ele e para o Pierce levantando o polegar logo de seguida, talvez para indicar que concordava com o que o Pierce disse. 

          Há um tempo atrás, o Edward tem sentido umas dores muito fortes no peito, ficava cansado muito rápido e sempre reclamava de formogueiros no peito, na última crise que ele teve, estava com muita dificuldade ao respirar, deixou todos assustados e teve que ser levado com urgência para o hospital,  fez alguns exames, que  iremos  ouvir os resultados amanhã.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo