Na penumbra da madrugada, Antônio Santiago atravessou os céus para me encontrar. Seu rosto transbordava emoção quando finalmente estávamos frente a frente.
— É verdade mesmo? Não está me enganando? — Indagou ele com a voz trêmula. — Quando sugeri a união entre as família Santiago e Melo, você simplesmente desapareceu para Cidade M e enterrou o assunto.
A agitação e o nervosismo tingiam suas bochechas de vermelho. Deixei escapar um sorriso discreto enquanto tocava suavemente sua mão.
— Uma aliança entre nossas famílias não é algo para se decidir às pressas. — Respondi com serenidade. — Organize-se adequadamente primeiro. Assim que encerrar meus compromissos na Cidade M, vou retornar à Cidade B para ficarmos juntos.
— Pensei que jamais voltaria... — Murmurou ele, com os olhos marejados brilhando como os de um filhote desamparado. — Obrigado pela nova chance.
Mal nos despedimos e já estava ao telefone contratando uma equipe de mudança para embalar meus pertences.
Metade do apartamento já estava em caixas quando Valentino irrompeu pela porta. Seus olhos percorreram a desordem do ambiente antes que sua voz cortasse o ar, carregada de indignação:
— Carina, que diabos você está fazendo?
Depositei com cuidado a caixa que segurava no chão e encarei aquele rosto que me encantou por três longos anos. Com determinação na voz, declarei:
— Estou voltando para a Cidade B.
Valentino soltou uma gargalhada sarcástica, como se tivesse escutado a maior brincadeira do mundo.
— Tudo isso porque interrompi o pedido de casamento? — Questionou ele com desprezo. — Você tem ideia do motivo? Felícia desceu as escadas correndo para não perder o momento e acabou caindo. Ela é bailarina, Carina! Sabe o que uma lesão nas pernas significa no mundo dela?
— E como ela está passando? — Perguntei, tentando demonstrar alguma preocupação.
— Ficou com um hematoma enorme. — Suspirou ele. — Daqui a poucos dias tem apresentação. Espero que não atrapalhe... E tudo por causa da minha ideia de pedir você em casamento.
Não consegui conter uma risada incrédula.
— Você abandonou um pedido de casamento por causa de um simples hematoma? — Provoquei. — Quem ela pensa que é? A princesa do conto da ervilha?
O sangue subiu instantaneamente ao rosto de Valentino.
— Você apenas perdeu um pedido de casamento. — Ele vociferou. — Ela pode perder uma apresentação completa! Felícia não se compara a você. É uma dama, uma artista. Pare com esse drama e aguarde o próximo pedido.
"Aguarde o próximo pedido." Suas palavras soaram como uma ordem a um animal adestrado. O que eu era para ele? Um bichinho de estimação?
— Não preciso mais de pedido algum. — Retruquei, decidida. — Quero ir para a Cidade B esfriar a cabeça.
Agarrei minha mala e caminhei em direção à porta, mas senti seus dedos apertando meu braço com vigor.
— Desta vez, você não vai a lugar nenhum. — Advertiu Valentino. — Você vem comigo à apresentação de Felícia.
— Não vou. — Afirmei, categórica.
— Se recusar, pode se despedir dos seus bichos. — Ele ameaçou com frieza.
Após me formar, planejei inaugurar uma clínica veterinária e comecei a resgatar animais abandonados. Valentino financiou metade do investimento como demonstração de apoio. Eu não necessitava de seu dinheiro, mas aceitei o gesto. Jamais imaginaria que aquele suposto "símbolo do nosso amor" se transformaria em instrumento de chantagem.
Não podia arriscar a segurança dos meus animais. Teria que suportar mais alguns dias naquela situação.