Depois de agendar o jantar panorâmico, desliguei o celular.
Logo, eu desapareceria da vida deles — para sempre.
— Com quem você estava falando? — Jack perguntou, abraçando minha cintura por trás.
— Estava marcando o horário do nosso jantar de comemoração. — Respondi.
— Você é mesmo incrível. Ter me casado com você foi a melhor sorte da minha vida. Que tal uma torta de cereja hoje à noite? Aquela que você adora. — Jack beijou meu rosto com carinho.
Estávamos casados havia sete anos. Jack sempre foi atencioso, gentil, educado, como um cavalheiro erudito, impecável nas regras que seguia.
Antes disso, toda a Universidade Boreal sabia: ele era famoso por seu autocontrole. Um professor exemplar, reservado, sem qualquer escândalo ligado ao nome.
— Lúcia, você é uma sortuda. O professor Jack é tão disciplinado que já disse que, se um dia se casasse, seria só com a mulher da vida dele. O mais jovem professor vitalício da universidade, e ainda especialista em fitoterapia. Aposto que você deve ter feito alguma poção pra fisgar ele. — Dizia minha amiga, meio em brincadeira.
Por muito tempo, eu também acreditei que aquele lado doce e fora do mundo acadêmico fosse uma exceção, reservada só pra mim.
Até o dia em que encontrei o diário que Jack escondia com tanto zelo e entendi que tudo aquilo era o preço que ele pagava pra proteger a felicidade de Rosa.
— Ah, amanhã a família vai dar uma festa pra comemorar a gravidez da Rosa. Vou passar lá, entregar um presente e parabenizar pela participação dela no Congresso Internacional de Terapias. Você não precisa se preocupar, eu volto rapidinho pra ficar com você.
— E o congresso...? — Hesitei.
— Você não precisa ir ao congresso. — Ele insistiu. — Vamos viajar, tentar engravidar. Você precisa relaxar, não pode se estressar agora.
Durante todos esses anos, Jack nunca quis ter filhos. Dizia que uma criança roubaria o amor que ele sentia por mim, que queria me mimar e amar só a mim.
Agora, do nada, esse discurso de gravidez... Era só medo de eu acabar ofuscando Rosa.
— O que é isso?
— Uma surpresa de aniversário, claro! Preparei especialmente pra minha querida. — Jack respondeu com aquele olhar cheio de afeto.
Ao abrir a porta do consultório, vi que ele havia espalhado rosas vermelhas por todos os cantos. Jack sempre me dava rosas nas datas comemorativas. Mas, na verdade, eu nunca gostei de rosas. Muito menos da cor vermelha.
Ele dizia que as rosas simbolizavam o amor ardente que sentia por mim. Só que, ali, naquele instante, eu entendi. A “rosa” que ele amava era Rosa. A rosa vermelha não era uma metáfora pra mim, mas pra ela.
— Ainda faltam dois dias pro nosso aniversário. Já preparando surpresa tão cedo? Depois de amanhã marquei o jantar panorâmico. Você tem que ir, hein. — Falei, com um sorriso forçado.
— Claro. Vou organizar tudo antes pra não faltar. Quero muito jantar com a minha Lúcia. — Ele sorriu.
Jack sempre foi tão sério com todo mundo. E mesmo assim, dedicava tempo e esforço a uma mulher que nem amava. Deve ter sido exaustivo pra ele.
Naquela noite, o sono não vinha. Deitada no braço de Jack, fiquei olhando seu rosto de perfil, recortado e firme.
Seu peito subia e descia num ritmo calmo. Brinquei com o pingente do colar que ele usava todos os dias. Nunca trocava o modelo.
Sem querer, virei o pingente e vi, gravada no verso, a imagem de uma rosa. E logo ao lado, quase ilegível, uma frase em letras minúsculas: “Para minha amada Rosa.”
Naquele momento, tudo em mim se desfez.