CAPÍTULO 2 - MONSTROS?

— Okay, evite que eles se aproximem de você – Fred entregou para Yasmin uma faca média, muita usada para corte de peças de carne bovina – acertar no corpo apenas atrasa, precisa ser na cabeça.

— Certo, preciso acertar na cabeça – respondeu tirando a faca da bainha de couro e observando o aço carbono tão belo e reluzente.

A dupla voltou às escadas que davam ao subsolo. Fred por curiosidade, olhou pela vidraça da grossa porta de corta-fogo. Para sua surpresa, a entrada do prédio foi tomada por mortos e corpos em pedaços. Naquele mesmo instante, a luz do prédio começou a piscar.

— Melhor nos apressarmos – disse ele trancando por dentro a porta. Yasmin notando a ação de seu parceiro, questionou.

— Por que vai trancar? E se alguém precisar fugir dessas coisas?

— Infelizmente, essa pessoa vai ter que achar outro caminho – Fred a encarou – ou você prefere deixar isso aberto e deixar que aquelas coisas lá fora entrem e nos peguem?

Yasmin não conseguiu olhar para o rosto de Fred, sua timidez e vergonha falaram mais alto no pequeno desentendimento.

— Tem razão – ela respondeu mordiscando os lábios com nervosismo

Fred sorriu com leveza, no fundo não gostaria de fazer aquilo. Mas, faria de tudo para chegar em segurança até o apartamento de sua irmã. Era necessário, naquela situação a sobrevivência é dos mais fortes, mais espertos e mais sortudos.

O som do alguém batendo no vidro, assustou a Yasmin que caiu para trás. Fred sacou a arma e viu que era um simples zumbi, a pequena discussão deles chamou atenção. Não possuíam de muito, o ex militar ajudou a garota asiática a se levantar. Em silêncio seguiram pelas escadas que davam ao subsolo, espionando a sala dos armários, não havia nenhum obstáculo de carne e osso. Com passadas largas e armas em punho, Fred adentrou a saleta seguido por sua companheira.

Abrindo seu compartimento, os dois capacetes estavam ali.

— Tome, use esse – ele entregou para Yasmin o capacete negro com traços laranjas ao longo dele, formando um dragão. Ao pegar, ela admirou o desenho e acabou por encontrar um fio de cabelo azul, mas guardou para si a descoberta.

— Qual é a sua moto?

— Uma ninja, gosto de veículos velozes – respondeu fechando o compartimento.

— Então é você que às vezes chegava de madrugada ou saia de madrugada?

— Possível – sem jeito tomou a frente para investigar o estacionamento – tem alguns deles, mais de dez.

— A gente consegue – Yasmin demonstrava otimismo e confiança.

Fred foi na frente, esgueiravam-se por trás dos muitos carros que ali se encontravam estacionados. Passando fila por fila, deram de cara com um grupo de zumbis que Fred não percebeu.

— Merda, se abaixa! – Os dois se jogaram ao chão, ficando entre dois carros.

— Quantos deles? – Yasmin questionou

— No mínimo vinte deles, presos na grade. Alguém trancou para ninguém saísse – contou Fred com raiva.

— Então precisamos achar o contro...ei, Fred – chamou com nervosismo.

— O que foi? – Ao se virar, vira sua parceira de fuga apontando para o chão. Sangue de aparência fresca escorria em demasia.

Fred se soltou de sua mochila, agachou-se e olhou por baixo do veículo de vidros fumês e modelo do ano. Uma mão jazia pendurada de dentro para fora do carro, reconhecia a mão. Era de Jader, um dos porteiros do prédio. Com cuidado, Fred se levantou e olhou para dentro do veículo.

A visão que teve, foi assustadora. Um pequeno garoto, filho do próprio Jader devorava a garganta de seu pai. João Antônio vestia a camisa do time de futebol que amava, um dos grandes da cidade. As pequenas mãozinhas eram sujas pelo escarlate, de cabeça baixa mantinha-se no esforço de devorar a carne dura com seus dentes de leite.

Fred se sentou do lado de Yasmin, um pouco abalado e com os olhos tensos.

— O que você viu ali? – Ela fez intenção de espiar para dentro do carro, mas Fred pegou sua mão, a impedindo de ir.

— Um garoto, filho de um dos porteiros – murmurou – virou um deles.

— Meu Deus! – Yasmin colocou a mão sobre a boca

— Eu acho que o controle está no corpo de Jader. Com certeza ele tentou se refugiar dentro do primeiro carro que achou, alguma dessas coisas deve ter mordido seu filho e não ouve tempo – suspeitou.

— Era seu amigo?

— Era – Fred sacou sua faca.

— Não quer que eu faça isso? – Perguntou Yasmin com nervosismo.

— Não, eu preciso. É uma questão de – Fred começou a gesticular.

— Honra? – Yasmin perguntou.

— Talvez – ele sussurrou com tristeza. A garota que o acompanhava, segurou sua mão com suavidade. Fred sentiu a mão quente envolta da sua, os olhos se encontraram e ela levemente acenou com a cabeça.

Sem hesitar, contornou a traseira do veículo agachado. No lado do motorista, conseguia ver um pouco da cabeleira de Jader e seu braço caído para fora do veículo. Com passos ágeis chegou até a porta aberta, espiou com cuidado o garotinho ou o quer que seja aquilo, que ainda mantinha-se mordiscando a carne fresca.

Fred encarou os olhos de seu amigo, parecia ter entrado em estado de pânico devido a expressão em seu rosto. Jader não era um homem de muita coragem, sofria com distúrbios psicológicos que trouxera da infância. Divorciado, dizia sempre para Fred que seu maior tesouro era seu pequeno filho. Por muitas vezes, trabalhava dezesseis horas por dia. Tudo para ter dinheiro suficiente para aproveitar com seu filho nos finais de semana e pagar uma boa creche.

— Você foi um cara foda, Jader – sussurrou Fred ao tapar os olhos esbugalhados de seu amigo. Olhou para o pequeno João Antônio, que por sorte ainda não havia percebido sua presença.

Manobrando a faca, aproximou-a da cabeça do menino. Não incomodava matar para sobreviver, mas sim matar uma criança que ele mesmo conhecia. Anos atrás, ele optou por salvar sua irmã bebê do acidente que teve com a sua família. Mas desta vez, a criança não tinha nenhuma salvação. Proferiu o golpe, fazendo o aço atravessar a cavidade craniana e atravessar o cérebro. Por mais frio que parecia ser, sua visão embaçou e duas lágrimas quentes escorreram por sua face e caíram sobre o corpo do pai e do filho.

Yasmin o esperava no mesmo lugar, tensa, sentia suas pernas ficarem cada vez mais fracas. Não era como em um jogo, como até imaginou, era real. Segundo a segundo, ela mesma se tornava mais ansiosa. Espiava para todos os lados, procurando alguma aproximação suspeita dos mortos.

No momento exato que olhou para trás, viu seu companheiro de fuga retornar pelo mesmo caminho que a pouco foi.

— E então? – Perguntou sem jeito.

— Está feito – respondeu sem ânimo. Ela notou que seu rosto estava avermelhado e os olhos revelavam com inocência que a pouco choravam.

— Melhor nós irmos logo, notei que o número deles aumentou aqui embaixo – aconselhou ao espreitar mais uma vez.

— Estamos perto da minha moto, é passando aquela parede depois destes carros – Fred apontou para seis carros que ficavam espalhados por oito vagas.

Ela acenou que compreendia, o ex militar tomou a frente se desviando com cautela dos veículos. Logo, avistou sua moto. Ninguém havia mexido nela, o que era um bom sinal, o caminho estaria livre.

Quando se aproximou da moto, sentiu algo frio encostar na sua nuca.

— Eai, bonitão – brincou uma voz masculina com tom bastante áspero. Fred reconheceu quem era. Yasmin ficou estática, sem reação alguma. Via o homem moreno, de corpo cheio, cabelos desgrenhados como se estivesse saído de um furacão e a barba malfeita de dois ou três dias. Vestia uma regata laranja, mostrando o braço gordo com a tatuagem de um palhaço. Na cintura, uma casaco marrom amarrado, as calças largas de cor bege formavam bolsos quando chegavam na altura das canelas.

— Carlos.

— Pô cara, satisfação em te ver – ele empurrou o cano da arma – ainda mais que você trouxe a chave da moto e o controle do portão.

— Beleza, te dou o que você quer e a gente larga daqui.

— Tem certeza? A japinha contigo? Ela é bem gatinha – Carlos mandou um beijo e uma piscadela para ela.

— É coreana – Fred o corrigiu. Na mesma hora teve sua cabeça batida contra o banco da moto.

— E acha que eu ligo seu filho de uma puta? Se eu tivesse tempo, ia pegar ela de jeito na sua frente – Carlos segurando Fred pelos cabelos, virou seu rosto para a jovem – veja ela, tão delicadinha, essas são as melhores de pegar. Você sabe disso, né? Pega a filha do patrão.

Com os olhos Fred tentava sinalizar para Yasmin fugir. Ela assim o fez, mas foi interrompida.

— Ei, ei! Onde pensa que vai? – Carlos colocou a arma colada no rosto de Fred – pode vir aqui, se não eu meto uma bala na cabeça do teu amigo aqui.

— Carlos, pega a moto e vai embora. Essas coisas vão vir atrás de nós e nem você vai conseguir sair daqui – assegurou Fred.

— Bah, poderia largar mesmo. Mas, antes disso eu vou te espancar. Assim como tu fez comigo.

— Eu só te espanquei, porque mereceu. Você bateu na sua filha e mulher, covarde! – Ao ser ofendido, Carlos puxou Fred e acertou uma coronhada no rosto o fazendo cambalear.

— Minha família, caralho! Eu faço o que eu quiser, elas me desobedeceram e eu botei a regra nelas – Carlos derrubou Fred e o chutou duas vezes – se tentar reagir, ela morre – disse apontando a arma para Yasmin.

Carlos golpeava Fred que não reagia, apenas tentava amenizar os chutes e socos que sofria. O seu maior desejo era reagir, mas se fizesse isso colocaria a vida de Yasmin em risco.

Ela assistia em silêncio, nervosa o suficiente para chorar.

— Fred...- Murmurou quase para si mesma – para...por favor...para com isso – pedia de maneira fútil, mas em sua cabeça soava como uma súplica verdadeira que chegava aos ouvidos do homem em fúria.

— É bom, não é? – a bicuda de Carlos fez Fred soltar uma careta de dor – seu filho da puta, só porque já matou e foi milico se acha o maioral.

Querendo ou não, o barulho causado pela briga unilateral despertou a atenção dos mortos que vagavam de um lado para o outro. Yasmin foi a única ao notar sua aproximação.

— Eles estão vindo!

— Cala a boca sua abobada, vou terminar com o seu amigo e te levar pra um lugar bacana – sorriu enquanto tentava socar Fred no chão.

Diferente de tudo o que já sentiu, Yasmin foi tomada pelo desespero. Suas pernas foram sozinhas em direção à Carlos, seu corpo se jogou nas costas dele e sua voz tomou de tom firme e corajoso.

— Solta ele agora!

Agarrada nas costas do homem, desferia golpes descoordenados com a intenção de faze-lo abandonar as agressões contra Fred. Apesar do corpo flácido, conseguiu acertar um soco desajeitado no rosto de Yasmin, que mesmo agredida insistiu nos ataques. Quando Carlos conseguiu segurar seus cabelos, a asiática sem hesitar mordeu a orelha do agressor. Como um animal, arrancou uma parte dela.

Transformando a dor em fúria, soltou um estridente grito e dois socos na garota que caiu no chão se contorcendo. Carlos se prepara para saltar sobre a pequena, mas foi impedido por Fred.

— Carlos, é comigo que tu deves resolver – o ex militar acertou um soco em cheio no rosto do vizinho, quebrando alguns dentes e antes de emendar outro golpe, teve a arma apontada para seu rosto.

— Eu vou te matar e acabar com isso logo – Carlos expressando muita dor, destravou a arma. Quando seu dedo repousou sob o gatilho, sentira um choque corporal e uma pontada enorme na sua lateral direita.

Sangue escorria de sua boca, maneando sua cabeça para o lado, viu a menina asiática segurando a lâmina de vinte e cinco centímetros que rasgou sua carne.

— Sua...vaga – com dificuldade, Carlos se preparava para acertar com o cotovelo o rosto da moça. Aproveitando-se disso, Fred sacou sua arma e apontou para Carlos.

— Acabou, Carlos. Larga a arma ou cai fora – avisou Fred sinalizando com a cabeça para Yasmin vir para o seu lado.

— Que merda — o agressor cuspiu o último dente quebrado que não havia expelido – ficando embaçado pra caralho – o corpo de Carlos cambaleou e caiu para trás.

— Fred — a menina ainda em estado de choque o chamou, apontando para os zumbis que pouco a pouco se aproximavam. Para suas sortes, eles trombavam contra carros e outras motos espalhadas pelo estacionamento.

— Vamos embora — Fred encarou o corpo de Carlos que aos poucos sinalizava não ter mais vida.

Apertando o botão de abria a garagem, Fred ligou a moto e Yasmin subiu na garupa. Acelerando com a moto parada, queimou pouco do pneu e arrancou. Desviando dos mortos, a dupla alcançou a saída da garagem.

Finalmente estavam foram do condomínio e dentro do próprio inferno.

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