Capítulo 5

N

ós andamos por pelo menos mais dez minutos por um pasto verde vazio, quando finalmente avistei o castelo. Era uma construção imensa, com as paredes feitas de tijolo de pedra, empilhados um por um, o que causava certo desnível na textura. Havia duas torres grandes e quatro torres menores, que guardavam, no topo de cada uma, um arqueiro vigilante e a bandeira do país, com as cores do reino em destaque: branco, azul e prata.

A porta de madeira de quase quatro metros de altura da grande fortaleza era guardada por dois guardas que, além da armadura, usavam um elmo, escudos e lanças. Ean apenas guardava uma espada na bainha de seu cinto.

A carruagem parou em frente à entrada e eu e ele descemos. O cocheiro levou o veículo e os cavalos para uma área externa, provavelmente o estábulo. Os guardas de plantão reconheceram o oficial Listern e se se apressaram a abrir o imenso portão, que parecia pesar uma tonelada. Assim que coloquei os pés dentro do local, perdi o ar.

Bem vinda ao castelo, senhorita.

O chão de marfim muito bem polido era quase todo coberto por um tapete vermelho vibrante de veludo, com espaço o suficiente para que quatro pessoas andassem lado a lado; o que não estava escondido pelo carpete estava coberto por ocasionais mesas de madeira bruta sustentando vasos antigos de decoração, que possuíam desenhos e padrões coloridos. As paredes eram tão cobertas por quadros, pinturas e retratos com molduras de ouro que se tornava quase impossível ver a pedra por trás de tudo. Então, pude entender o que o guarda dissera sobre o quanto aquele lugar era repleto de histórias.

Conforme andava com Ean, via mais e mais corredores alternativos, e tantas portas que perdi as contas. Depois de andar por alguns minutos em silêncio, eu finalmente perguntei:

Onde estamos indo?

Na verdade, nós já chegamos. Esse é o salão principal.

Paramos em frente a uma porta dupla de madeira que era guardada por dois guardas com armadura e espada reluzentes. Assim que nos viram chegar, eles seguraram nas maçanetas e abriram a pesada porta, revelando uma imagem de caos e confusão.

Pessoas corriam de um lado para o outro, segurando pranchetas ou bandejas de comida; em sua maioria, mulheres de todas as idades com vestidos azuis claros, sapatos pretos e o cabelo preso em um coque alto — provavelmente criadas. Mas havia também algumas garotas da minha idade, com vestidos chiques e de manga longa, ao contrário do meu. Apesar de Cannehor estar enfrentando o início do que prometia ser um rigoroso inverno, eu não tinha muitas opções de roupa e por isso precisei colocar algo totalmente fora da temporada. Em casa, nunca precisei de roupas muito pesadas, pois sempre acendia o fogo da lareira com meus poderes e nunca o deixava apagar. Papai e eu ficávamos horas tomando chá e conversando ao lado do calor das chamas.

Ei, soldado! — uma voz gritou e eu me assustei. Uma mulher vinha em nossa direção, sustentando uma carranca que a deixava feia. Seu cabelo castanho estava preso em um penteado arranjado um pouco bizarro e seu vestido vermelho combinava com o carpete do chão. — Qual é o seu nome?

Ean Listern, senhora — ele respondeu, fazendo uma breve mesura. Fiz o mesmo. Logo em seguida, assumiu uma posição dura e ergueu o queixo, como se estivesse pronto para combate.

O que está fazendo aqui? Você deveria estar fazendo o seu trabalho e ajudando o príncipe com suas tarefas! — a mulher disse, basicamente cuspindo as palavras, como se Ean fosse um incompetente. Já não gostei dela...

Eu fui encarregado pelo próprio príncipe de escoltar essa jovem até aqui, senhora. Ela é uma candidata à competição — o guarda disse secamente e olhou para mim. Dei um sorriso forçado. — Seu nome é Catherine Fairway.

A mulher checou algo na prancheta e dirigiu-se para mim, parecendo me examinar. Deu uma bela olhada em meu vestido e franziu o cenho, aparentemente desaprovando a maneira que eu me vestia. Esforcei-me para não revirar os olhos com sua atitude, mas suspirei e forcei outro sorriso. Ela dispensou Ean com um gesto e saiu andando, ignorando-nos completamente.

Você tem que segui-la — ele me explicou, quando eu não soube o que fazer. — A propósito, eu sei que ela pode ser um pouco irritante, mas tenha cuidado. Ela é a condessa, o braço direito do rei, e pode ser bem perigosa quando quer.

Anotei o aviso em minha mente e corri para alcançar a tal condessa. Ela me levou até um canto do salão e parou uma criada que corria para a direção oposta. A menina, que tinha cabelos pretos e beirava os vinte anos, segurava uma bandeja que sustentava uma pilha enorme de pratos, e quase derrubou tudo quando a condessa a segurou pelo braço para chamar sua atenção. Chamou outra criada para terminar de levar a louça para a cozinha e se virou para a garota morena.

Senhorita Listern — começou, lendo o nome no crachá da mocinha. Eu me surpreendi com o sobrenome. — Leve a senhorita Fairway até seu quarto, no terceiro andar. Ah, e dê-a um vestido novo... Esse aí está um pouco fora de moda.

Sim, senhora — a criada disse e se voltou para mim. Eu sorri e ela suspirou, parecendo fazer um grande esforço para manter a calma.

Como ela se chama? — perguntei, observando a condessa se afastar de nós. — Não gosto dela.

Franccesca. Ela é uma megera, mas temos que fazer o que ela manda. A propósito, meu nome é Íris. Muito prazer, senhorita. Venha comigo, vou levá-la ao seu quarto.

Íris se pôs a andar e saiu do salão, nem me dando tempo de observá-lo apropriadamente. Nós demos alguns passos na direção oposta e eu avistei uma escadaria de marfim em forma de espiral, reluzindo à luz de um lustre que estava pendurado bem no meio do caminho entre a porta e a escada. A criada desatou a subir e eu suspirei, já ficando cansada apenas por ver a quantidade enorme de degraus que enfrentaria. Reuni coragem e segui a garota.

Você chegou bem a tempo do jantar, senhorita, embora tenha se atrasado um pouco mais do que as outras — ela disse.

Peço perdão. Nossa carruagem fez uma parada na estrada. O cavalo precisava de um descanso.

Você veio com o oficial Ean?

Sim. Como a senhorita adivinhou?

Ele me contou que iria buscá-la.

Vocês são irmãos, certo?

Íris me olhou e sorriu, o que fez com que seus olhos azuis brilhassem. O gesto disse tudo: suas feições e seu cabelo eram uma cópia dos de seu irmão, e concluí que eles eram gêmeos. Ambos eram mais altos que eu, mas ela parecia ser mais baixa que Ean.

Há quanto tempo trabalha no castelo, Íris? — perguntei-lhe, parando por um segundo para descansar. Era o terceiro lance de escada e eu já não aguentava mais. Havia pelo menos quinze degraus em cada um, e eles terminavam em uma bifurcação de duas portas, uma em cada lado da escadaria. Estava prestes a subir o quarto lance quando a criada parou e se virou para mim.

Desde que fiz quinze anos, senhorita, mas moro aqui a minha vida toda. Meu pai era um guarda do Exército Real, e minha mãe era uma criada, também.

Eles ainda estão aqui?

A garota abaixou a cabeça, e eu percebi que não devia ter perguntado. Apesar de aparentar estar desconfortável, ela disse mesmo assim:

Há sete anos, meu pai faleceu em uma missão. Ean e eu tínhamos quinze. Minha mãe morreu poucos meses depois, de tristeza. Desde então, trabalhamos aqui, pois fomos acolhidos como funcionários pelo rei e pela rainha, com direito a manter a moradia. O príncipe é quase da nossa idade e sempre fomos amigos, então ele convenceu os pais a nos deixar viver em sua propriedade.

Íris fez uma pausa, e eu fiquei curiosa. Ela parecia decidir se iria me contar o resto da história ou não. Por fim, voltou a andar e dirigiu-se à porta esquerda do terceiro lance de escadas. Era o terceiro andar, onde ficava meu quarto. Enquanto procurava por uma porta específica no vasto corredor, ela complementou:

Mas, viver à custa da família real tinha seu preço: devíamos trabalhar quando tivéssemos idade. Era para termos começado quando fizemos dezesseis anos, pois é o que consta na lei; mas, quando fizemos quinze e na mesma época da morte de meu pai, o conde Augusto, que morava no lado norte do reino, faleceu. A condessa veio para cá. Desde então, ela inferniza a vida de todos os funcionários do castelo, principalmente de Ean, e nos obrigou a começar a trabalhar um ano antes.

Isso é horrível! — exclamei, sentindo mais raiva de Franccesca do que antes. — Ela não tem coração? Vocês perderam os pais, ela devia sentir vergonha por agir dessa maneira.

Bom, sete anos foram o suficiente para que eu me acostumasse, mas Ean ainda guarda rancor dela. Colocar-nos para trabalhar mais cedo não foi, nem de longe, a pior coisa que ela fez, e faz, com ele.

Eu me perguntei o que mais rolava entre o guarda e a condessa. Minha curiosidade falava alto, mas duvidei que Íris me contasse. Não sabia nem por que ela havia me dito tudo isso, toda essa parte de sua história. Estava pronta para perguntar, quando ela pareceu ler a dúvida em meu rosto e disse:

Todos no castelo sabem essa história, apesar de Ean e eu termos tentado manter segredo. Não gostamos de sair espalhando sobre nossa vida por aí, mas a condessa faz de tudo para nos envergonhar. Ela só mantém algo em segredo quando ameaça estragar sua bela imagem — a criada disse, fazendo uma voz fina nas últimas palavras. Eu ri. Ela era parecida comigo.

Bom, eu já tive que lidar com muitas pessoas parecidas em minha vida. Meu pai trabalha com comércio de uvas e vinhos, e nós temos alguns clientes um tanto quanto arrogantes. Mas, sabe, a melhor coisa que você pode fazer é ignorar. Se você mostrar à condessa que o que ela fala e faz não te atinge mais, ela vai parar de tentar. O silêncio é uma arma eficaz e muito poderosa. Mostre-se superior, e tudo o que ela vai ter ao tentar mexer com sua vida é frustração, e então vai mudar de alvo.

Íris sorriu genuinamente e agradeceu pelo conselho. Não notei que havíamos parado há alguns minutos até ela dizer:

Esse é o seu quarto, senhorita.

Eu encarei a porta sem graça de madeira branca e esperei a garota abri-la. Tirou do bolso do avental um molho de chaves e examinou cada uma. Quando encontrou a certa, destrancou a fechadura, rodou a maçaneta e me deu passagem. Novamente, minha reação foi perder o fôlego.

Uma cama de casal de dossel estava encostada à parede direita e tomava a atenção de quem quer que adentrasse o cômodo. Ela sustentava uma grande cortina franzida que, quando fechada, impedia que a luz do sol iluminasse o colchão. Os travesseiros tinham fronhas trabalhadas e bordadas de seda, assim como o cobertor.

Ao pé da cama, encontrava-se um baú que, descobri, guardava dezenas de sapatos do meu tamanho. Em frente a ele, estava uma penteadeira alta e um banquinho; o espelho era emoldurado de ouro e, em cima do apoio do móvel, encontravam-se diversos pentes e acessórios para cabelo, bem como gavetas cheias de joias e maquiagem.

Escondido no canto do quarto, na mesma parede da porta, estava um grande e alto guarda-roupa, que mais se parecia com um closet. Quando o abri, vi tantas roupas que foi difícil distingui-las umas das outras. Na parede oposta, encontrava-se um banheiro e o que eu pensei ser uma janela, mas na verdade era uma sacada coberta por pesadas cortinas de seda azul.

Eu me virei para Íris e disse:

Esse quarto é maravilhoso!

E enorme! — ela exclamou e eu ri. — Venha, vou te mostrar o banheiro e preparar seu banho.

Eu a segui enquanto ela andava até a porta ao lado da sacada, e eu tentava segurar meu queixo para impedi-lo de cair no chão.

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