As perguntas rondavam minha mente, me mantendo acordada por horas. Luke tinha razão, eu estava sofrendo por antecipação. Pare com isso ou vai acabar enlouquecendo, meu subconsciente mandava. Tentei obedecê-lo e, quando consegui finalmente pregar os olhos, um barulho vindo do andar de baixo me acordou.

A casa estava escura, o sol ainda não havia nascido. Tudo o que iluminava meu quarto era a fraca luz da lua cheia. Sentei-me na cama, apurando meus ouvidos. O barulho se repetiu. Levantei e caminhei silenciosamente até a escada, com cuidado para não denunciar minha presença. Uma luz forte vinha da cozinha, de onde eu também podia ouvir barulho de gavetas e portas abrindo e fechando. O baque de madeira contra madeira ficava mais alto à medida que eu descia as escadas, e estava pronta para atacar algum bárbaro quando vi, em cima da mesa, uma lamparina acesa, projetando a sombra de um homem de meia idade, com cabelos castanhos e a barba por fazer. Estava curvado sobre uma gaveta de louças antigas que não era aberta há anos. Esperei escondida, tentando ver o que procurava.

O homem tirou as louças de dentro da gaveta, ainda de costas para mim, e retirou a madeira do fundo, revelando uma parte secreta do móvel. Nela, havia centenas de papéis, parecidos com matérias de jornais. Aproximei-me mais, por instinto, curiosa para ver o que havia ali. Ele revirou os papéis, procurando algo específico. Com a bagunça, não consegui ler o que estava escrito, mas consegui ver quando o homem parou de procurar, aparentemente havia encontrado o que procurava: um saquinho pequeno de tecido, fechado com uma fita preta. Quando ele recolocou as louças no lugar e estava para se virar, eu dei um passo à frente.

— O que está fazendo? — perguntei, denunciando minha presença e agindo como se tivesse acabado de chegar.

Luke deu um pulo, se virando para mim, e escondendo rapidamente o que estava atrás dele. Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha, como que o desafiando a mentir.

— Que susto, Catherine! Se estiver querendo me matar, é só dizer! — Ele levou alguns segundos para se recuperar e, quando o fez, revelou o que estava tentando esconder. — Eu estava procurando isso para te dar antes de partir.

— Você não precisa me dar nada, papai. Sabe que estarei de volta antes do fim disso tudo.

— Mesmo assim, quero que se lembre de mim. E... seu aniversário de dezoito anos está chegando. Achei que seria uma boa oportunidade de te dar um presente.

— Meu aniversário é daqui semanas, papai. Se não estivermos juntos, não me importo de receber o presente atrasado... ou não receber nenhum.

— De jeito nenhum! Dezoito anos é uma data especial, e você vai, sim, receber um presente. Esse presente. Por favor, aceite... Quero que se lembre de mim enquanto tem incontáveis aventuras no castelo.

— Aventuras? Você chama ter que colocar vestidos bufantes e quentes o tempo todo e comer dez vezes ao dia de aventura?!

— Mas é claro. Uma aventura com a nova Catherine Bolinha!

Eu segurei uma gargalhada, colocando as mãos na cintura, fingindo estar ofendida.

— Quem você está chamando de bolinha? — indaguei, indignada.

— Hum... Seu eu daqui algumas semanas — Luke brincou, rindo e se esquivando de um tapa meu.

— Seu besta! — exclamei, mas acabei rindo junto com ele. — Vamos, me dê logo esse presente, antes que mude de ideia e fique aqui.

Seu sorriso diminuiu um pouco quando olhou para o que segurava, mas Luke ainda exibia uma expressão feliz, apesar de pouco descontraída. Ele abriu o saquinho, virando-o na palma da minha mão e dirigindo seu olhar ansioso para mim, enquanto eu examinava meu presente. O que papai me dera era simplesmente maravilhoso: um colar em forma de coração vermelho, com uma corrente dourada sustentando-o.

— Isso é tão lindo! — arfei, surpresa. — Obrigada, papai, eu adorei! Mas... Onde você conseguiu isso? Não temos dinheiro para comprar algo assim!

— Não se preocupe. Foi dado a mim, por uma... amiga. Ela a conheceu há muitos anos, era uma antiga compradora, da época em que você foi adotada. Quando a viu, me deu isso e pediu que eu te entregasse quando fizesse dezoito anos. Gostaria de ter te entregado antes, mas você nunca foi de usar joias por causa do trabalho que faz na fazenda.

— Ela simplesmente... Deu isso pra você?

— Sim. Um presente por todos os descontos que fazia para ela — papai relembrou, rindo. Aparentemente, ele e essa mulher misteriosa eram bons amigos.

— O que aconteceu com ela? — perguntei, e seu sorriso sumiu. Franzi o cenho com a reação. — Ela não compra mais de você, não é?

— Não. Não compra — confessou. Ficou alguns segundos em silêncio, olhando para o colar, perdido em pensamentos e lembranças. Quando eu estava prestes a perguntar quem era e onde estava sua antiga amiga, Luke me olhou, sorrindo, sem permitir que eu falasse mais sobre isso. — Não se preocupe com isso, querida. Agora, você deve se concentrar na grande viagem que fará hoje. Tente dormir um pouco, o castelo é longe e a estrada é bastante acidentada.

Concordei com a cabeça, dando-lhe um abraço e subindo para meu quarto, com o colar na mão. Deixei-o na penteadeira no canto do cômodo e deitei na cama. Mas, a última coisa que fiz foi dormir. Fiquei revirando-me no colchão durante horas, pensando na reação de meu pai ao falar de seu amigo, tentando descobrir o que acontecera com ele.

***

O sol da manhã invadiu meu quarto, e quando abri os olhos para encarar o teto branco, senti o cansaço me invadir. Havia conseguido pegar no sono apenas há uma hora, quando meu cérebro estava quase fritando de tanto pensar. Com dificuldade, sentei-me na cama e esfreguei os olhos, encarando um ponto vazio do quarto, tentando fazer minha mente voltar a funcionar.

Quando consegui me mexer, dirigi-me até o banheiro, enxaguei meu rosto e abri a torneira da banheira. Queria tomar um banho para acordar, então deixei a água escorrer enquanto escovava os dentes e procurava uma roupa no guarda-roupa. Notei dificuldade em encontrar algo apropriado para um castelo, pois só tinha pijamas e roupas de fazendeiro. No fundo de uma gaveta, encontrei um vestido azul simples, feito de algodão. As alças eram caídas no ombro e a saia ia até o chão. Não era muito chique, mas não era como se eu tivesse outra opção, portanto o peguei e coloquei em cima da cama, junto com uma sapatilha preta — a única que tinha, que não usava fazia alguns meses.

Terminei de separar a roupa e entrei na banheira, tomando cuidado para não pegar no sono enquanto tentava relaxar. Lavei o cabelo e enxaguei-o, tirando poeira da terra da fazenda, que ficava constantemente pregada em minhas raízes.

Ao acabar o banho, me vesti e me sentei na penteadeira, desembaraçando os longos fios vermelhos que chegavam até minha cintura. Desde pequena, sempre odiei cortar meu cabelo e deixava-o crescer o máximo que podia. Não me importava de ter que cuidar todos os dias, valia a pena, pois era maravilhoso. Terminei de pentear e comecei a trançar o cabelo, me olhando no espelho. Meu rosto era pálido, e a única coisa que o dava cor eram minhas sardas, espalhadas por toda a minha bochecha. Os olhos, apesar de serem verdes como os de Luke, pareciam mais vivos em mim, como se houvesse um tom de cinza nos dele. Por vezes, os clientes que vinham nos visitar diziam que éramos muito parecidos, mas nós dois sempre discordamos disso. Acho que o fato de ambos sabermos que sou adotada ajudava a ressaltar nossas diferenças.

Finalizei a trança, prendendo-a com uma mecha do próprio cabelo. Levantei-me e encarei-me no espelho, grande o suficiente para refletir meu corpo todo devido à minha baixa estatura. Estava prestes a deixar o quarto quando algo chamou minha atenção: a pedra vermelha do colar que Luke me dera. Peguei-o e coloquei, mais uma vez encarando-me no espelho. As cores da joia misturavam-se com meu cabelo, que era um meio termo entre laranja e vermelho. Apresentável, pelo menos, pensei.

— Está pronta? — meu pai perguntou, entrando no quarto e apoiando-se no batente da porta. Virei-me para ele, sorrindo nervosamente.

— Sim. A carruagem já chegou?

Antes que papai pudesse responder, o barulho de cascos de cavalo batendo na terra o interrompeu, respondendo à minha pergunta.

— Acho que isso é um sim — constatei, suspirando.

Luke sorriu e me abraçou, beijando minha testa. Fechei os olhos.

— Eu te amo, filha. Não se esqueça disso, está bem?

— Jamais.

Retribuí o abraço, com medo de soltar. Após alguns segundos, ele se afastou gentilmente e me conduziu escada abaixo. Abri a porta antes que o guarda atrás dela tivesse a chance de bater, e fiquei surpresa. Não era o oficial Jonathan, como havia prometido que seria; era outro homem, mais baixo, com cabelos negros e olhos azuis. Ele dirigiu-me um sorriso.

— Sou Ean Listern, da guarda real. Estou aqui para buscar a senhorita Catherine Fairway e levá-la ao castelo.

— Sou eu.

— Está pronta, senhorita?

— Sim — disse e virei-me para meu pai, dando-o um beijo na bochecha. — Eu te amo.

Luke sorriu e passou a mão em meu cabelo, bagunçando-o levemente. Eu ri e me afastei, seguindo o oficial Listern. Ele me levou até uma carruagem luxuosa, branca e dourada, diferente da que viera ontem, que estava velha e desgastada. Com a ajuda do guarda, subi os degraus e sentei-me no banco felpudo e preto. Pela janela, olhei para meu pai, que estava em pé olhando para mim e acenando. Acenei de volta.

Quando a carruagem começou a se mexer, fui preenchida por um pressentimento ruim sobre essa competição. Eu não queria acreditar, mas algo me dizia que deveria ter ficado em casa e dito não ao príncipe. Tarde demais, o arrependimento me invadiu, e os cavalos viraram na estrada, indo a toda velocidade. Aos poucos, perdi minha casa de vista, e recostei-me no banco, tentando me acalmar.