Antes mesmo de acordar, ela viu as imagens da cabeça dele. Ele sonhava com campos que ela sabia e não sabia que eram de Varinth, o antigo lar de Alek. Ele corria sobre um cavalo branco absolutamente lindo.
Mas aquilo era errado. Tess não conhecia os campos de Varinth e jamais havia montado num corcel daqueles.
Ela acordou abruptamente e se sentou no sofá duro e desconfortável. A dor no estômago e nas costelas havia diminuído consideravelmente no último dia, devido aos cuidados de Alek.
Ela ouviu passos apressados vindos do corredor e Alek surgiu na sala. Ele estava sem camisa, apenas com uma calça larga de veludo barato cinza. Seus cabelos estavam espetados e desajeitados. Ela percebeu que ele saíra correndo da cama--isso explicaria os olhos estranhamente alertas.
Ouvi você gritar.
Alek pareceu ter dito isso, mas seus lábios não se moveram.
Uma sensação estranha a percorreu, uma espécie de medo e preocupação. Mas não era dela esses sentimentos.
" O que está acontecendo? " Ela perguntou com a voz fraca.
" Eu ouvi você gritar. E pensei que algo tivesse acontecido. " Ele esfregou a nuca.
" Alek, isso vai soar muito estranho, mas com o que você estava sonhando?" Ela perguntou com cautela.
Ele se jogou no sofá ao lado dela. " Com Varinth. Nos campos de caça da minha família lá. Eu estava montado sobre Karnie, meu cavalo." Um sorriso torto estava em seus lábios, mas a garganta de Tess secou.
" Karnie era branco." Foi mais uma afirmação do que uma pergunta.
Ele franziu a testa para ela. " Como sabe?"
" Porque eu vi o sonho. Você estava perseguindo uma lebre branca e marrom. " Ela estava segurando o pânico que ameaçava invadir seus pensamentos.
" O que quer dizer com você viu o sonho? " Ele perguntou.
" Eu vi o sonho. Como se fosse meu. Assim como ouvi você falar sem ter aberto a boca."
Isso é loucura.
Ela pulou do sofá, ficando de pé num segundo. " Eu não estou louca! Eu sei o que vi e ouvi."
Ele se ergueu também, completamente confuso. " Você ouviu isso?"
Ela assentiu. Ele puxou o cabelo e andou de um lado para o outri reptidas vezes. "Tess, eu não falei isso. Eu pensei isso."
O coração dela palpitou. " Alek, alguma coisa está muito errada."
Antes que ele pudesse responder, um barulho alto de baque, seguido por repetidos farfalhares soou do lado de fora da porta principal.
Ela se encolheu e Alek estava ao seu lado em um segundo. Ouviram mais uma série de farfalhares e mais um baque antes que...alguém batesse na porta.
"Não atenda." Tess sibilou.
" Preciso. " Ele disse, então correu para o quarto e voltou dois segundos depois com uma camiseta de manga comprida.
Ela seguiu atrás dele, a mão segura na faca que ela pegara na pia da cozinha.
Ele destrancou a porta e com um último olhar para a garota atrás dele, ele escancarou a porta.
Um homenzinho baixinho estava à porta. Ele tinha uma barriga gorducha,estranhos olhos pretos e não podia ser maior do que a altura entre o pé e o joelho de Tess. Mas não foi nada disso que chamou a atenção dos dois. Ao invés disso, contiveram um grito ao olhar para a pele verde-musgo do homem, as orelhas curvadas e pontudas e os dentes afiados e pequenos que estavam retorcidos num sorriso formal.
" Alek Fyodor e Tess Hayne? " O homem perguntou num voz com um sotaque pesado e desconhecido.
Ambos apenas assentiram, incapazes de falar.
" Sou Gandor e venho em nome de minhas três Majestades, rainhas Mab, Maeve e Mora. Vim para buscar vocês. " Ele continuou, como se o medo não estivesse estampado na face dos dois jovens.
" Ora, mas que casalzinho mal-educado esse! Vão ficar me encarando ou me convidar para entrar?" O homem reclamou.
" Entre, senhor." Alek gaguejou.
Ele limpou a neve do casaco pesado e entrou com passos de pinguim.
" Porque exatamente veio nos buscar? E para onde vai nos levar?" Tess perguntou subitamente.
" Ora, você completou dezoito anos e ele faz o mesmo dois anos atrás. Viajei a noite toda para chegar aqui cedo. Vim levar vocês até a Academia Escarlate, é claro." Ele riu.
" Mas que homenzinho maluco." Alek exclamou.
" Não sou um homem, meu caro. Sou um goblin. Sirvo minhas rainhas para qualquer situação. E vocês ainda não devem ter descobrido o laço. " O goblin meneoou a cabeça.
" Que laço? " Tess insistiu.
O goblin riu, o que foi uma mistura de um passarinho e um homem bêbado sendo brutalmente assassinado.
" O laço dos Gêmeos, é claro! " Ele riu mais um pouco.
Gêmeos. A palavra pareceu açoitar Tess. Aquilo era impossível. Gêmeos! Ela e Alek! Que idéia ridícula.
Ela tinha vontade de rir na cara do goblin, mas ao ver a expressão paciente dele, resolveu não fazê-lo. Mas aquela era uma idéia estúpida.
" Senhor, acho que se enganou. Eu sou só uma ladra de jóias e ele é só um curandeiro. Não somos ninguém. "
"Ora, minha cara, a grande Deusa deve saber exatamente quem você é de verdade se te deu tal dádiva. Agora precisamos ir." Ele bateu palmas para estimular os dois.
Alek se manifestou. " Senhor, ser Gêmeo de outro significa ouvir os pensamentos um do outro e sentir o que o outro sente?"
Gandor pensou um pouco antea de responder. " É mais complicado que isso. Vocês compartilham uma ligação mental para o que desejam partilhar com o outro. E quanto as sentimentos, é praticamente a mesma coisa. "
Foi como se dessem um tapa na cara de Tess. A garota estava começando a acreditar no que se recusava a crer há tanto tempo.
Gêmeos. Talvez a idéia não fosse tão absurda.
" Eu irei com você. " Alek disse, quebrando o silêncio tenso.
Tess olhou para ele e viu a decisão em seus olhos. Era um presente da grande Deusa Mãe, afinal.
Suspirando, ela acompanhou o amigo. " Eu também vou."
Gandor bateu palmas e sorriu. " Excelente. Peguem seus pertences de maior valor sentimental, quanto ao resto deixem para trás. Vocês estão indo para a Academia Escarlate, afinal."
Tess pegou as adagas gêmeas e as prendeu ao cinto. Era as únicas coisas que podia levar. Depois de perguntar se não podia ver o irmão pela última vez, ouviu do goblin que não havia tempo pois eram o último casal de Gêmeos e que a Cerimônia de Escolha seria em cinco semanas. Permitiu que caíssem duas lágrimas por Finnick, então partiu com o goblin e Alek.
Eles foram recepcionados por três brutamontes--que se apresentaram como meio ogros e meio gigantes, o que os tornava ogros gigantes.
Não havia carruagem ou qualquer tipo de veículo, então Tess perguntou. " Como vamos viajar?"
Gandor riu." Vamos por Narlfe, a forma de transporte mais rápida. Tomem, bebam isso." Ele entregou um copo com um líquido dourado para cada um dos jovens.
Assim que bebeu o líquido estranhamente doce, a mente de Tess ficou pesada. Ela viu Alek fraquejar um segundos antes de ser engolida pela escuridão.